30 Mai 2012
Não parece tão surpreso o vaticanista e escritor Gian Franco Svidercoschi com os escândalos vaticanos. Mas certamente decepcionado. O ex-vice-diretor do L'Osservatore Romano é o autor de um livro – Mal di Chiesa. Dubbi e speranze di un cristiano in crisi – que tem provocado muita discussão.
A reportagem é de Roberto Monteforte, publicada no jornal L'Unità, 28-05-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
A dor e a degradação que o senhor denunciou têm a ver com os fatos de hoje?
Diante do que está acontecendo, o meu livro parece ter sido escrito por uma noviça. A crise que a Igreja atravessa é muito mais grave até mesmo do que aquela imaginada pelo próprio pontífice, que convocou para setembro próximo o Ano da Fé. É verdade que estamos diante de uma crise da fé. Mas esse é o resultado final de muitas coisas. Não só de crises individuais. Na Igreja, certamente há também uma crise de estruturas, uma crise de projetos e principalmente de liderança. Muitas coisas têm acontecido nos últimos anos para não pensar que aqueles que tinham que suprir um papa idoso, que preferia se dedicar à pregação e à escrita, tivessem que fazer funcionar a máquina da Cúria. Não foi assim. Nos últimos tempos, a Secretaria de Estado parece ter assumido uma autonomia e uma predominância excessiva...
Explique mais...
Olhemos para os dois últimos consistórios, ambos realizados com o cardeal Bertone, secretário de Estado. O seu parecer indubitavelmente pesou na escolha dos cardeais. Mais de 40% dos nomeados são italianos, e 50% são da Cúria Romana. Foi a subversão do rosto do colégio cardinalício que elegeu a papa o cardeal Joseph Ratzinger, em que os europeus não tinham a maioria. Agora, ao invés, voltaram a tê-la. Na última rodada de nomeações, não houve nenhum novo cardeal africano. E depois as lutas pelos grupos...
A que se refere?
Eu não acredito que o mordomo do papa assumiu sozinho a responsabilidade de trazer à tona os documentos. Até porque não podia chegar sozinho a todos os documentos vazados. Depois, porque me parece excessivo pensar que Paolo tivesse um amor infinito pelo papa e, com esses vazamentos de documentos, pensasse em atacar os supostos inimigos do papa. Deve haver alguém por trás disso. Essa é a demonstração da queda da liderança da Igreja, antigamente conhecida como o centro de uma grande diplomacia e de governo. Agora, são esses os homens que chegaram ao poder. E não é à toa que os dois últimos pontífices condenaram explicitamente, mais de uma vez, o carreirismo. É o sinal de que, entre a hierarquia, o carreirismo exagerado está presente, com um subgoverno que, talvez para agraciar um "chefe" ou outro, chega à guerra de grupos da qual estamos vendo os resultados.
Com quais objetivos estariam agindo? Os efeitos são devastadores para a credibilidade da Igreja.
Há a pobreza de visão dessas pessoas. As gafes em que, para sua infelicidade, Bento XVI incorreu põem em causa a Secretaria de Estado. Na Cúria, há quem pensa em criar "territórios privados" reservados aos italianos. Foi assim com as últimas nomeações. É evidente a influência do secretário de Estado sobre as escolhas específicas. Isso pode ter causado uma reação por parte daqueles que tendem a resistir àquela que podem considerar como uma prepotência, uma arrogância da Secretaria de Estado. Há cardeais que já pediram ao Papa Ratzinger a renúncia de Bertone. Na cabeça da Cúria, seria necessário um político de nível internacional: dessa forma, no entanto, o próprio papa, no fim, ficou achatado em uma dimensão italiana.
Isso justifica os corvos?
Na nota vaticana de condenação da publicação das cartas roubadas no Vaticano publicadas no livro de Nuzzi – e eu digo isto como fiel –, faltava um mínimo de explicações sobre os conteúdos críticos presentes nessas cartas. São cartas verdadeiras. Há acusações específicas. Alguém as desmentiu? Não. Penso em Viganò ou no que está escrito na carta de Boffo. É incrível o que está acontecendo. É preciso mais transparência. E depois se ataca aqueles que trazem às notícias à tona sem explicá-las?
A responsabilidade é só da gestão da Cúria Romana?
Nos últimos anos, houve um empobrecimento da cúpula vaticana, com uma infusão de pessoas muito próximas ao secretário de Estado. São amigos do cardeal Bertone os três cardeais colocados nos postos-chave da organização do Vaticano. Do outro lado do Tibre, entrou a fragilidade humana. Tanto Wojtyla quanto Ratzinger, com suas sensibilidades, perceberam a impossibilidade de mudar a Cúria Romana.
O que o senhor propõe?
Uma premissa. O verdadeiro problema é a clericalização da Igreja. É o retorno de um mal antigo: o domínio dos clérigos. Há um retorno de individualismo e de clericalismo também entre os jovens padres. É a Igreja hierárquica que se sente dona da verdade e não ao serviço dos outros. O que na Igreja devia ser serviço se fez poder. O uso do poder sagrado por parte dos clérigos: esse é o caruncho. Determinando assim uma reação igual e contrária por parte de quem detinha o poder e agora se sente marginalizado. A Secretaria de Estado não está ao serviço do papa; tornou-se um poder. A resposta é voltar verdadeiramente ao Concílio Vaticano II e à colegialidade.
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''O verdadeiro problema é a clericalização. Voltemos ao Concílio e à colegialidade'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU