18 Fevereiro 2012
As questões científicas voltaram ao centro do interesse da Igreja por causa de suas implicações morais. A experiência sugeriria que eles se mantivessem afastados, mas a teimosa vontade dos teólogos de ter a última palavra como detentores da verdade parece dura de morrer.
A opinião é do historiador italiano Massimo Firpo, professor da Universidade de Turim, em artigo para o jornal Il Sole 24 Ore, 12-02-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
É realmente clamorosa a censura perpetrada pela La Civiltà Cattolica, a revista dos jesuítas submetida ao controle direto da Secretaria de Estado vaticana, em detrimento de um artigo encomendado pela própria revista ao presidente da Fundação Stensen dos jesuítas de Florença, padre Ennio Brovedani.
Ele havia recebido há alguns meses o encargo de apresentar os resultados de um importante congresso de estudos sobre o "Caso Galileu", uma releitura histórica, filosófica e teológica, inaugurado na presença do presidente da República em 2009, com a participação de alguns dos maiores estudiosos mundiais.
As equilibradas reflexões do padre Brovedani haviam sido submetidas a não poucos cortes, obviamente nos pontos mais sensíveis de um nervo constantemente a descoberto da identidade histórica da Igreja. Porque, como todos sabem, Galileu tinha razão, e Belarmino (ou melhor, São Roberto Belarmino, proclamado Doutor da Igreja em 1931) estava errado. O cientista tinha visto corretamente ao entender a linguagem da natureza, enquanto o teólogo tinha se equivocado grosseiramente ao entender a linguagem da Bíblia.
Questão muito delicada, porque o seu erro se tornou verdade de fé. Em suma, uma enorme confusão, da qual se acreditava que a Igreja tinha saído (embora com tenazes ambiguidades) com o perdão pedido pelo Papa João Paulo II por ocasião do Ano Jubilar Tertio Millenio Adveniente pelos abusos da Inquisição contra a liberdade de consciência proclamada pelo Concílio Vaticano II.
Por que, então, voltar a exercer o autoritarismo censor sobre a mesma questão sobre a qual, há quatro séculos, o mesmo autoritarismo censor havia fracassado clamorosamente? Muitas são as respostas, começando pelo fato de que as questões científicas voltaram ao centro do interesse da Igreja por causa de suas implicações morais: reprodução assistida, células-tronco, obstinação terapêutica etc.
A experiência sugeriria que eles se mantivessem afastados, mas a teimosa vontade dos teólogos de ter a última palavra como detentores da verdade parece dura de morrer. Além disso, há a necessidade de controlar a história, porque, para um cristianismo que erigiu a sua própria história como fonte da Revelação, é difícil distinguir entre a infalibilidade da Igreja enquanto tal e a falibilidade dos homens que a governam. E, por fim, há o fato de que aquela liberdade de consciência que está inscrita em letras de fogo no episódio galileano, cuja afirmação parecia ser uma conquista do Vaticano II, é hoje posta em discussão.
Certamente, afirmar tal princípio constitui, ao mesmo momento, uma reviravolta histórica, uma mudança radical, marcada também pelo ecumenismo, pelo diálogo inter-religioso, pela nova liturgia da missa etc., que vê hoje uma vistosa marcha à ré que envolve não só os conservadores mais fechados e intransigentes, mas também investe contra a própria cúpula da hierarquia eclesiástica. O problema, portanto, é grave e sério.
Justamente por isso merece ser retomado brevemente um episódio contado por Paolo Simoncelli em um livro publicado em 1992 sob o título Storia di una censura. 'Vita di Galileo' e Concilio Vaticano II. Nele é narrada a história de uma biografia do grande cientista de Pisa, que, em 1942, o presidente da Pontifícia Academia das Ciências, padre Agostino Gemelli, confiou a Mons. Pio Paschini, douto e probo estudioso de história eclesiástica, que trabalhou intensamente durante a guerra, a tal ponto de poder enviar o "manuscrito definitivo" ao cardeal Giovanni Mercati no início de 1945.
Depois, tudo encalhou: a obra não agradou à congregação do Santo Ofício nem ao padre Gemelli, que deixou sem resposta uma vibrante carta para pedir explicações, que lhe fora enviada por Paschini depois de exatamente um ano de absoluto silêncio. Este, então, se dirigiu a Giovan Battista Montini, o futuro Paulo VI, então substituto da Secretaria de Estado, que lhe leu o documento repassado a ele pelos supremos guardiões da fé, em que, além de insistir no esfarrapado argumento de que as provas adotadas em favor da centralidade do Sol no Diálogo Sobre os Dois Máximos Sistemas apresentavam alguma falha, se declarava inoportuna a publicação de um livro considerado como nada mais do que uma "apologia a Galileu".
Pela boca do então assessor e futuro onipotente cardeal Alfredo Ottaviani, o Santo Ofício chegou ao ponto de propor ao pobre Paschini que lhe pagaria, e fingiu não ouvir a sua disposição de atenuar os juízos menos benévolos com relação aos opositores de Galileu. Foi Montini que fez chegar até ele um cheque de 20 mil liras "como suplemente ao que lhe correspondeu" pelas despesas que ele tivera e "em pagamento" pelo trabalho.
E não parou por aí, ao contrário, o pior ainda estava por vir. Paschini morreu em 1962 e, dois anos depois, o seu livro foi publicado postumamente para ainda reaparecer depois, no ano seguinte, com uma nota introdutória do jesuíta belga Edonde Lamalle, que tivera o encargo de rever aquele "manuscrito definitivo" para atualizá-lo com base nos "progressos da pesquisa" ocorridos nesse ínterim. Detalhes eruditos, explicava Lamalle, que, ao contrário, exerciam uma constante censura, com pequenas e grandes mudanças, em nada interventions très discrètes (dentre outras coisas, voltadas também a atenuar as más impressões dos seus antigos coirmãos jesuítas), em que se atribuíam a Paschini páginas inteiras que Paschini jamais escrevera, modificam-se e às vezes se invertiam os seus juízos. Até à indecência de transferir em nota o juízo conclusivo do autor sobre a condenação de Galileu, fazendo, no entanto, com que fosse acompanhado pelas palavras: "Nenhum historiador sério poderia ainda subscrever simplificações desse tipo". Assim, atribuía-se a Paschini a obstinada condenação daquilo que ele havia escrito e pensado. A ignominiosa censura tornava-se, assim, consciente falsificação.
Um antigo provérbio diz, no entanto, que o diabo faz a panela, mas não faz a tampa, e eis que, na Constituição Gaudium et Spes, aprovada pelo Concílio Vaticano II no dia 7 de dezembro daquele mesmo 1965 em que esse massacre via a luz, proclamava-se por fim o irrenunciável princípio da liberdade de consciência como direito inviolável de cada um: "Seja permitido, por isso, deplorar certas atitudes de espírito – lê-se no documento – que não faltaram entre os mesmos cristãos, por não reconhecerem suficientemente a legítima autonomia da ciência e que, pelas disputas e controvérsias a que deram origem, levaram muitos espíritos a pensar que a fé e a ciência eram incompatíveis".
Esse texto traz uma nota que, como prova desse princípio inviolável, refere-se à Vita di Galileo de Mons. Pio Paschini como a um texto exemplar. Pena que ele era um falso historiador.
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Caso Galileu. Novas e antigas censuras - Instituto Humanitas Unisinos - IHU