16 Fevereiro 2012
Ainda falta um modo de "fazer igreja": "tomar a palavra", fornecer ocasiões em que um/a cristão/ã possa intervir com voz pública, com base no dom recebido, também na assembleia litúrgica.
A análise é do monge e teólogo italiano Enzo Bianchi, prior e fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado na revista Jesus, 02-02-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Na vida eclesial, apesar das mudanças ocorridas com o Concílio Vaticano II – especialmente as relacionados à reforma litúrgica, uma verdadeira bênção para toda a Igreja –, ainda falta um modo de "fazer igreja", de construir a Igreja dia após dia, de lhe dar um rosto que revele de modo mais autêntico o seu ser. Eu chamaria esse modo de "tomar a palavra": concretamente, isso significa fornecer ocasiões (e não me refiro aos conselhos pastorais, aos comitês, aos escritórios diocesanos...) em que um/a cristão/ã possa intervir com voz pública, com base no dom recebido, também na assembleia litúrgica.
Mas atenção: não se trata de substituir a homilia feita por quem preside a liturgia, mas sim de criar algumas ocasião em que seja possível ouvir também as palavras dos fiéis que, munido do sensus fidei, são autorizados a falar aos irmãos e às irmãs. Pense-se apenas em um dado: nas nossas liturgias, normalmente só o presbítero fala, e jamais um fiel pode dirigir a palavra aos outros... Certamente, é preciso respeitar a ordem, a taxis litúrgica, mas por que não estudar e, portanto, criar espaços para essa troca de dons na assembleia cristã?
Lendo o Novo Testamento, fico sempre surpreso ao constatar como as assembleias litúrgicas eram mais abertas e mais comunitárias em comparação às nossas, dois mil anos depois. Na liturgia sinagogal – sabemo-lo bem –, quando alguém se unia à assembleia e era reconhecido como um irmão capaz de edificá-la, de ser um eco da Palavra de Deus, ele era convidado a comentar as Escrituras. Foi assim que aconteceu com Jesus, quando o chefe da sinagoga de Nazaré, vendo-o entre os presentes à liturgia, chamou-o dizendo: "Tome, leia e faça o comentário" (cf. Lc 4, 16-21). Jesus era um leigo, não era um sacerdote nem levita, mas pôde falar na liturgia.
Mesmo Paulo, ele também leigo, tendo chegado a Antioquia da Pisídia e dirigindo-se à sinagoga no dia de sábado, depois da leitura da Lei e dos Profetas, foi convidado a falar à assembleia: "Irmão, se você tem alguma palavra de encorajamento para o povo, pode falar" (cf. Atos 13, 15). Assim, Paulo pôde anunciar Jesus (cf. At 13, 16-43).
Sim, naquela época era possível, na sinagoga, "dar voz" a alguém. Hoje, no entanto, tudo isso parece impossível, e não porque seja proibido, mas sim porque não se buscam modalidades adequadas, não se quer exercer a inteligência para pensar e criar novas possibilidades. A preguiça e a repetição de "sempre se fez assim" parecem paralisar a vida eclesial das nossas comunidades. Quase todos estão convictos de ter que dar uma contribuição, de ter que ser responsável, de ter que ser cristão adulto, isto é, maduro na fé, pensantes, mas depois as ocasiões para expressar essa verdade parecem faltar.
Só em alguns momentos é que se buscou enxertar essa prática, que parece ser de direito para todas as comunidades cristãs. De outro lado, também deve-se dizer que, quando as coisas acontecem porque nos sentimos autorizados a "sequestrá-las" e não a exercê-las em paz e com direito, esse modo de proceder é causa de patologias dentro da comunhão católica. Mas não mantenhamos confinada a palavra dos batizados a qualquer intenção durante a oração dos fiéis, senão distorcemos a sua natureza e acabamos ouvindo frases intrincadas e homiléticas que não têm nada de invocação.
Mas, se quisermos comunidades cristãs em que os fiéis não sejam apenas os que realizam serviços na paróquia, mas sejam capazes de edificar a comunidade cristã com os seus dons, mesmo no espaço litúrgico que é o ventre original do nascimento, da formação, do discipulado e do seguimento do Senhor, então é preciso pensar e buscar... Repete-se muitas vezes que as nossas liturgias são chatas, asfixiantes, marcadas por um clericalismo maciço. Ao invés de indultar a esse lamento estéril, que se comece a reconhecer que há simples fiéis que podem ter voz e tomar a palavra, mesmo sob uma única presidência eucarística, a do presbítero em comunhão com o bispo. Que se encontrem formas convenientes, que tudo ocorra com ordem e decoro, salvaguardando a dignidade do rito, mas que se dê a palavra!
Às vezes, eu me digo que, se Jesus ou Paulo entrassem hoje em uma das nossas assembleias, não haveria jeito de lhes dar a palavra...
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''Demos mais voz aos fiéis durante a assembleia litúrgica''. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU