A orgia de crédito fácil que sustentou o crescimento chinês nos últimos três anos começa a provocar uma ressaca de dimensões ainda desconhecidas. Os primeiros sinais dessa ressaca se manifestam na paralisação de obras, falência de empresas privadas, queda na venda de imóveis e previsão de aumento dos créditos podres nos balanços dos grandes bancos estatais.
A reportagem é de
Cláudia Trevisan e publicada pelo jornal
O Estado de S. Paulo, 23-10-2011.
O aperto monetário promovido pelo banco central (Banco do Povo chinês) para conter a inflação e evitar uma bolha especulativa no setor imobiliário secou as fontes de financiamento para vários setores, incluindo braços do próprio governo.
Com a inflação acima de 6% há quatro meses, a política de agressiva expansão do crédito foi colocada em xeque, depois de os bancos terem concedido em três anos empréstimos no valor de quase US$ 3,8 trilhões, mais da metade dos US$ 7 trilhões de Produto Interno Bruto (PIB) que o país deverá alcançar em 2011.
Apesar das turbulências no horizonte, a maioria dos analistas acredita que a China será capaz de realizar um pouso suave, com o crescimento desacelerando para cerca de 8% no quarto trimestre e algo entre 8% e 9% no próximo ano. A velocidade vem diminuindo desde os últimos três meses de 2010, quando o PIB aumentou 9,8%. Nos períodos sucessivos, a cifra foi de 9,7%, 9,5% e 9,1%, respectivamente.
Mas há um número cada vez maior de observadores que vê um cenário sombrio diante da segunda maior economia do mundo. Para eles, o modelo de superinvestimento movido a crédito chegou a seu limite e o país enfrentará uma crise que inevitavelmente levará à redução de seu ritmo de expansão.
Alguns analistas, como o professor da Universidade de Pequim,
Michael Pettis, preveem uma freada drástica, com crescimento de 3% em um futuro não muito distante.
Nouriel Roubini, que previu a bolha imobiliária nos EUA, disse na semana passada considerar o pouso suave da China uma "missão impossível". Em sua avaliação, o crescimento baseado no excesso de investimentos sempre leva a um pouso brusco.
Mesmo os mais pessimistas acreditam que a hora da verdade só chegará depois que a transição política para a futura geração de líderes comunistas for completada, em março de 2013, quando
Xi Jinping deverá assumir o lugar de
Hu Jintao na presidência da China.
As autoridades de Pequim agiram nas duas últimas semanas para tentar conter alguns dos problemas mais agudos provocados pelo aperto monetário, com a injeção de recursos em determinadas áreas.
No setor privado, o caso mais evidente de sufocamento pela falta de dinheiro ocorre na cidade de
Wenzhou, símbolo do empreendedorismo chinês. Cerca de 20% das empresas quebraram neste ano e pelo menos 80 empresários fugiram por não serem capazes de pagar dívidas contraídas no mercado informal de crédito, no qual os juros são mais altos e ao qual recorreram em razão da dificuldade de obter linhas formais nos bancos.
Socorro
A dimensão do problema pode ser dada pelo tamanho do fundo que o governo estuda criar para socorrer o setor privado da cidade e evitar que uma onda de falências atinja outras regiões do país: US$ 15 bilhões, mais de um terço dos US$ 40 bilhões que o Fundo Monetário Internacional (FMI) emprestou à Argentina na crise de 2001, que levou ao calote do país.
O setor público também enfrenta dificuldades decorrentes do excesso de endividamento e do aperto monetário. O Ministério das Ferrovias tem uma dívida de US$ 317 bilhões e administra uma série de obras construídas a toque de caixa que não dão o retorno financeiro necessário para o pagamento dos empréstimos.
A falta de recursos provocou a paralisação das obras de construção de 10 mil quilômetros de ferrovias, de acordo com reportagens publicadas na semana passada pelo
China Daily, jornal editado pelo Conselho de Estado chefiado pelo primeiro-ministro
Wen Jiabao.
Relatório do Ministério dos Transportes divulgado na segunda-feira afirmou que a escassez de capital levou várias províncias a atrasarem em até três meses os pagamentos de fornecedores e de empresas de engenharia responsáveis pela construção de estradas.
Para responder à demanda por investimentos do pacote de estímulo lançado em novembro de 2008, muitas províncias criaram veículos especiais de investimentos para escapar da proibição de lanças bônus e contrair empréstimos bancários.
Levantamento divulgado pelo Escritório Nacional de Auditoria em junho identificou 6.576 entidades desse tipo, que tinham uma dívida de 10,7 trilhões de yuans (US$ 1,7 trilhão) em dezembro de 2010.
Diante das dificuldades de caixa das províncias e governos locais, o governo suspendeu parcialmente a proibição existente há 17 anos para a emissão de títulos e permitiu que quatro localidades lancem papéis no mercado em um programa-piloto: as cidades de
Xangai e
Shenzhen e as províncias de
Zhejiang e
Guangdong.
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China fecha as portas do crédito e enfrenta ressaca - Instituto Humanitas Unisinos - IHU