01 Julho 2011
Estudiosos de diversas disciplinas, de Salvatore Settis a Piero Bevilacqua, passando por Guido Viale, têm enfrentado em seus textos mais recentes a questão do meio ambiente, ponto crucial para prospectar "horizontes do futuro". Muitos lugares descritos por antigos viajantes estão hoje apagados, cobertos pela capa de concreto que constitui a versão itálica da cidade difusa.
A análise é de Alberto Ziparo, professor de planejamento ambiental da Università degli Studi di Firenze, Itália, em artigo publicado no jornal Il Manifesto, 26-06-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
No seu recente Il Grande Saccheggio (Ed. Laterza, 2011, 217 páginas), Piero Bevilacqua sublinha como a questão ambiental é o aspecto mais dramático da crise econômica – uma crise que destrói não apenas os recursos ecopaisagísticos, mas também, e principalmente, o tecido político-cultural e as subjetividades civis e sociais.
Para sair dela, é preciso "revalorizar" o território – com um sentido, porém, que seja distante tanto das "teorias do valor" marxianas, quanto do conceito de "valor de mercado" (muitas vezes mais financeiro do que econômico) com os quais hoje se pretenderia até redefinir (e vender a preço inferior) também os bens comuns e culturais como o meio ambiente, o território, a paisagem.
Falar de "valorização" significa, ao contrário, referir-se aos ditames do Código da Paisagem ("reatribuição de peso sociocultural") ou aos do Programa Territorialista (afirmação dos valores "verticais", intangíveis, intransferíveis, típicos dos lugares).
Ecologista por força
De fato, não devemos esquecer jamais que, tempos atrás, o território não era exclusivamente "fator de produção" e que ele se tornou isso apenas com as revoluções industriais "modernas". Em primeiro lugar, como lembra Angelo Turco em Configurazioni della territorialità (Ed. Franco Angeli, 2010, 336 páginas), "habitamos os lugares", depositando "extratos de civilização" que não degradavam, mas sim enriqueciam a paisagem, justamente por causa das relações virtuosas entre o ambiente natural e os objetos que, pouco a pouco, ali encontravam lugar.
Tempos atrás, certamente, faltava a tecnologia para hiperconsumir, para ofender o meio ambiente. O homem era "forçosamente" ecológico, mas, adquirida a tecnologia necessária, se iludiu que poderia "garantir-se a sustentabilidade com o projeto", até que o peso dos interesses econômicos foi tal que permeou e modelou todo o espaço (Walter Benjamin dizia que "o território da contemporaneidade é desenhado pela estatística").
Um futuro possível (também econômico), portanto, requer o bloqueio do consumo do solo, o saneamento ambiental, a reconversão ecológica das produções e uma alta taxa de desmaterialização (inovação social, assim como tecnológica, mobilidade sustentável e energias renováveis, recuperação das culturas típicas, encurtamento dos intermediários, consumos de "quilômetro zero").
Desse tipo é a Green Economy prefigurada por Guido Viale no seu La conversione ecologica. There is no alternative (NdA Press, 2011, 184 páginas). Uma visão da economia ecológica que analisa com cuidado o termo "desenvolvimento", talvez aqui mais próximo do "decrescimento" e que, no entanto, é fundamentado em uma retomada "coltural [de cultivo] e cultural" dos contextos.
Muitas referências em uma direção semelhante chegam também da última obra de Salvatore Settis, Paesaggio, costituzione, cemento. La lotta per l`ambiente contro il degrado civile (Ed. Einaudi 2011, 326 páginas). Ao enfatizar o possível lado cultural da green economy, muitos discursos políticos e midiáticos costumam lembrar que "a Itália é o país que possui, senão 70%, 60% ou talvez 50% dos bens histórico-culturais" de todo o planeta e, portanto, "o que estamos destruindo ou degradando" – os bens culturais – "devem e podem se tornar uma voz importante da nossa economia, talvez cruzada com um turismo inteligente".
Oportunamente, Settis enfatiza a futilidade de tais argumentações e lembra, ao contrário, o sentido "constitucional da nossa paisagem" ("A Itália foi o país do mundo que forneceu dignidade constitucional à paisagem, com o artigo 9 da Carta").
Um sentido constitucional que não é só o reconhecimento cultural desse Bel Paese, já conotado por um alto valor social (a importância da paisagem agrária italiana, descrita por Emilio Sereni, depois dos viajadores do Grand Tour [1]), mas que sanciona o êxito de sistemas de regras com os quais a comunidade nacional – até mesmo muito antes da Unidade –, protege seu patrimônio cultural e ambiental, e afirma assim "a sua própria constituição como cidadania" – justamente com "a relação muito estreita entre natureza e cultura, a criação da famosa paisagem italiana (Hannah Arendt)".
A citação é de Settis, que assim continua: "Essa Itália não era imóvel, ou melhor, mudada a cada dia, a cada hora, devagar, com cuidado. Essas mudanças, também profundas, mas sempre meditadas, foram durante séculos o fruto maduro de uma mediação mental e social entre a herança do passado e algumas hipóteses para o futuro: mas quaisquer que fossem desejadas e projetadas, a agulha da bússola estava sempre fixa em um sólido sentido de familiaridade do espaço vital".
Monumentos da antiguidade clássica
Essa continuidade é bem sublinhada por Ilaria Agostini, que no seu Il paesaggio antico (Ed. Aion, 2009) nos oferece algumas notáveis descrições dos diversos contextos do Bel Paese de ontem por parte dos viajantes do Grand Tour, incluindo famosos estudiosos dos séculos XVIII-XIX. "Chamados à Itália pelas maravilhas antigas de Roma, pelas recentes descobertas arqueológicas do Vesúvio e pelas riquezas naturais de Tiburtino, mas também pelas mudadas condições geopolíticas, os voyageurs focam a atenção sobre as curiosidades de história natural e sobre obras de arte: a paisagem agrária arqueológica – como definida por Piero Camporesi – pode constituir o pano de fundo, mas às vezes se revela como protagonista da cena até ser lida ela mesma como monumento da antiguidade clássica".
A estudiosa florentina descreve as visitações de três contextos ecoagrícolas: a Campagna Romana, Tivoli e o Tiburtino, a Campania Felix. Esses ambientes "constituem, nas décadas entre os séculos XVIII e XIX, as etapas fundamentais do Voyage da Itália (...) e oferecem aos protagonistas, no contexto agrário de ascendências milenares, o testemunho arqueológico do assentamento clássica, o espírito na relação entre a ideia do antigo e a longue durée da nossa cultura material". Exemplares ícones daquela fértil territorialização que soube dar origem ao Bel Paese.
As laranjeiras de Chateaubriand
Chama a atenção pensar que muitos dos contextos "cantados" por expoentes notáveis da história da cultura ocidental, de Montaigne a Cassini, de Madame de Stael a Chateaubriand, de Bornstetten a De Sade, estão agora apagados, cobertos por "blobização de cimento" [2], que constitui a versão itálica da cidade difusa.
E o estudo de Ilaria Agostini é ainda mais importante porque destaca como os viajantes e os intelectuais captavam um clímax, que significava relações virtuosas – ainda que forçadas – não só entre ambiente, paisagem e território (ainda não constituídos como modos, e portanto disciplinas, diferentes, para ler o mesmo objeto espacial), mas entre categorias éticas, estéticas e pragmáticas do saber prático, cotidiano.
Aquele que hoje é "Gomorra", ontem era o Éden: "A partir de Gaeta, encontramo-nos, sob todos os efeitos, no Sul. Depois de sair de Fondi – escrevia Chateaubriand em 1804 –, saudei a primeira laranjeira: essas belas árvores estavam cheias de frutos maduros... A estrada para Nápoles atravessa uma jardin continuel: o ar é tão doce e o campo tão repleto de todos os tipos de verduras, em todas as estações; é como o paraíso terrestre".
Estamos distantes daquele mar de "cimento e resíduos" que hoje submerge tudo isso e que é também, observa Piero Bevilacqua, a melhor representação da destruição dos tecidos sociais, culturais e civis. No entanto, apesar de toda essa decadência – defende Bevilacqua –, o Bel Paese apresenta agora, para além do patrimônio cultural, trechos de paisagem de absoluta excelência e relevância.
Há o suficiente para concordar com Settis: um alto marco sobre o qual é possível apoiar aquele cenário de sociedade sustentável, esboçado por Guido Viale (cuja green economy torna-se assim funcional à qualidade da experiência dos lugares; mas sem determiná-la) é a tutela, que significa não só a conservação do patrimônio, mas também a capacidade frui-lo, de acordo com as suas características. A nova centralidade da cultura e da qualidade de vida em um cenário social próximo futuro constitui, em suma, a estrutura principal de um programa político. Bevilacqua e Viale concordam: saímos da crise abandonando a centralidade do PIB e assumindo a dos lugares de vida.
É interessante notar como os diversos autores que citamos até aqui, embora provindo de experiências científicas e culturais muito diferentes, convergem com o Programa Territorialista de Alberto Magnaghi. Enquanto este desenvolveu esse conceito no âmbito de trajetórias internas às ciências territoriais, os outros chegam às mesmas considerações, mas movendo-se a partir de diferentes campos: sociologia, antropologia, geografia, economia, até mesmo filosofia.
Firmitas, utilitas, venustas
No projeto territorialista, surge uma mente glocal, capaz de manifestar as atitudes locais de processos globais. O cenário futuro evolui segundo os critérios do "desenvolvimento local autossustentável". Serge Latouche, no entanto, protesta, afirmando que, depois de ter percorrido um longo caminho na crítica ao conceito de desenvolvimento, Magnaghi e os territorialistas também caem "na armadilha do desenvolvimento local".
Aqui convém se concentrar naquela que parece ser uma nuance, mas é uma pedra angular do projeto territorialista: no Desenvolvimento Local Autossustentável, o conceito de desenvolvimento é um pretexto: o que deve crescer é o cesto de grandezas representativos dos valores que estruturam o lugar, características típicas do contexto, não repetíveis nem transportáveis: ecologia, cultura, arqueologia, produções, cultivos...
A afirmação geral desses recursos também pode significar decrescimento das variáveis econômicas, "desenvolvimento por subtração", segundo a irônica definição de Osvaldo Pieroni. O próximo "projeto de território" torna-se, portanto, "cenário da sociedade futura".
No seu Verso il Progetto di Territorio (Ed. Aion, 2009), Daniele Vannetiello propõe um avanço possível do eixo da pesquisa por meio de uma revisitação de uma imponente revisão de projetos de requalificação e projeto de arquiteturas, cidades ou territórios, por meio das categorias vitruvianas de firmitas, utilitas e venustas, recentemente repropostas por Francoise Choay: "Na grade que assim se determina foram inseridos, em concatenação lógica, objetos capazes de definir regras de ação relativas ao seu âmbito específico... e surge a substância normativa a eles subentendida".
A busca de normas e regras, especifica Vannetiello, "é aqui entendida propriamente em sentido antropológico, convictos como estamos, com Claude Levi Strauss, de que a regra `fundamenta a sociedade humana e, em certo sentido, é como a sociedade`".
Apesar desse esforço de clareza, o estudo – de notável relevância também pelas dimensões e pelas modalidades de investigação dos casos propostos em análise – suscita, no fim, algumas leves dúvidas sobre o emprego das categorias vitruvianas, que corre o risco de se tornar, no fim, didático assim como tendencialmente rígido: o uso em forma de manual e até de tratado de categorias que poderiam se revelar úteis "depois de um processo de desconstrução e de recontextualização" torna-se sempre problemático. Além disso, a valência normativa de muitos projetos é predominantemente técnico-gerencial e deixa sobre o pano de fundo, às vezes de modo excessivo, as características locais da ação social. Mas aqui vêm em auxílio os últimos eventos não só do programa de pesquisa, mas também da evolução de toda a área científico-cultural dos territorialistas.
Não por acaso, no reconhecimento de um novo sujeito social – re-emergente da fase líquida –, Settis propõe "ações populares", provavelmente em torno dos crescentes "traços de novas comunidades", que, segundo Zygmunt Bauman, encontram-se "individualmente juntas" em torno das novas sensibilidades – não apenas estéticas, mas novamente éticas e pragmáticas – perante a paisagem (sobre concepções "estruturais" de estética similares, Paul D`Angelo se centra em Estetica, Ed. Laterza 2011, 234 páginas).
Entre "joie de vivre" e política
Além disso, na recente reproposição do seu Progetto Locale (Ed. Bollati Boringhieri, 2010, 334 páginas), Alberto Magnaghi lembra como, nesse sentido, andava a experiência – embora inacabada – da Rede do Novo Município, que, juntamente com outras redes de instituições e subjetividades locais, tentava ressubstanciar as políticas institucionais (não só urbanísticas e paisagísticas) por meio do encontro entre gestões municipais "avançadas", pesquisa inovadora in loco, associações e movimentos de proteção e de afirmação do bem comum. Um caminho que, provavelmente, pelas características da fase sociopolítica em que vivemos, se revelou muito – talvez em demasia – difícil.
Hoje, o grupo "multidisciplinar" dos territorialistas passa, talvez, "da mobilização direta à promoção da aprendizagem social", como diria John Friedman, propondo-se uma fertilização mais lenta, de mais longo prazo, mas sempre de baixo, não só de instituições políticas e técnico-profissionais, mas também de setores crescentes de "sociedades sensíveis", entre as quais deveriam estar as figuras pertencentes às inúmeras tipologias de "defensores do território".
No manifesto da jovem (desde dezembro de 2010) Sociedade dos Territorialistas, lê-se: "O desenvolvimento da sociedade local é medido tanto por meio do crescimento do seu bem-estar, entendido como joie de vivre, felicidade pública, buen vivir, quanto por meio da capacidade de promover participação política, abertura dialógica aos valores e aos conhecimentos dos outros; é medido, enfim, com a elaboração de percursos críticos e alternativos...".
Os aspectos mais interessantes dessa "convergência de especialidades diversas" vão, em suma, bem além das tentativas de construir ações de proteção ambiental e dos bens comuns, para prospectar "horizontes de futuro", possível quadro científico de referência para um arquipélago já muito grande de associações, grupos, comitês, que, conectados em "redes de redes", pretendem predispor estratégias de bloqueio da degradação rumo à restauração da qualidade social.
Notas:
1 - Grand Tour era o nome dado a uma tradicional viagem pela Europa, feita principalmente por jovens de classe-média alta. O costume floresceu desde cerca de 1600 até o surgimento do tráfego ferroviário em grande escala, na década de 1840, e costumava estar sempre associado a um determinado itinerário. A tradição ainda continuou depois que as viagens por trem e navio a vapor facilitaram os deslocamentos, e jovens americanos e de outros locais do mundo também a realizaram. (Nota da IHU On-Line)
2 - Neologismo italiano (blobbizzazione) em referência do filme A Bolha [The Blob], de 1958, que conta a história de um meteoro que cai no interior dos EUA e espalha uma ameaça gosmenta e terrível aos humanos. Capaz de aumentar de tamanho conforme vai se alimentando, até chegar a um tamanho descomunal, a "bolha" coloca em risco todos os habitantes da cidade. (Nota da IHU On-Line)
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Do Éden a Gomorra: horizontes de futuro para o meio ambiente - Instituto Humanitas Unisinos - IHU