17 Junho 2011
Uma reflexão sobre as pessoas, os movimentos, os instrumentos que levaram à vitória do referendo italiano. Germes de uma mudança em curso.
A análise é do sociólogo italiano Ilvo Diamanti, professor da Università degli Studi di Urbino "Carlo Bo", em artigo para o jornal La Repubblica, 15-06-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
O referendo passou, mas os seus efeitos – políticos e sociais – vão durar muito tempo. Porque o sucesso do referendo, por sua vez, é efeito de outros processos, amadurecidos em âmbito político e social. E porque o referendo sempre marcou as reviravoltas da nossa história republicana.
Desde 1946 – quando nasceu, juramente, a República. Depois: em 1974, o referendo sobre o divórcio. O 1968 transferido para o plano dos costumes. A reviravolta laica e antiautoritária da sociedade italiana. Em 1991, exatamente há 20 anos, o referendo sobre a preferência única para a Câmara. É o Muro de Berlim que cai sobre nós. Anuncia o fim da Primeira República e o início da Segunda.
Em 1995, o referendo contra a concentração das redes de TV. Portanto, contra a posição dominante de Berlusconi. Fracassa. E torna difícil, a seguir, qualquer ação contra o conflito de interesses. Dali em diante, todos os referendos revogativos fracassam. A partir daquele de abril de 1999. Referia-se à abolição da quota proporcional na lei eleitoral. Não atingiu o quórum por um punhado de eleitores. Marca o fim do referendo como método de reforma e de mudança institucional, por obra da sociedade civil. Porque os referendos são instrumentos de democracia direta. Complementares, mas também críticos com relação à democracia representativa. Aos partidos e aos grupos dirigentes que os lideram. Por isso, têm a capacidade de modificar bruscamente o curso da história. Quando a brecha entre a sociedade civil e a política torna-se muito grande.
Nos últimos 20 anos, essa lacuna foi preenchida – de modo artificial – pela personalização, pelo intercâmbio direto entre os líderes e o povo, por meio da mídia. Agora, esse ciclo parece ter acabado. O referendo de domingo passado disse isso de modo muito claro e direto.
À espera de ver o que vai mudar – na minha opinião, muito em breve –, tentamos entender o que aconteceu e por quê.
1. O referendo, como já havíamos escrito, é o terceiro turno dessa longa e intensa temporada eleitoral. O seu resultado, portanto, havia sido favorecido pelos primeiros dois turnos. As administrativas. Pelo sucesso da centro-esquerda em Milão, Nápoles, Turim, Bolonha, Cagliari, Trieste. E pela derrota paralela do PDL e da Liga. Principalmente, mas não só, no Norte. Os referendos haviam sido dissociados, temporariamente, pelas eleições administrativas, para impedir seu sucesso. Ocorreu exatamente o contrário. As eleições administrativas agiram como multiplicadores da mobilização e da participação. Um efeito bumerangue, para o governo, como lamentou Gad Lerner ao jornal Infedele.
2. As questões individuais postas pelo referendo, como de costume, não foram avaliadas de modo específico pelos eleitores. A diferença entre propriedade e uso da água, a utilidade da pesquisa nuclear. Em segundo plano. No centro da atenção dos cidadãos, outras questões, não de mérito, mas substanciais. O valor do bem comum. O bem comum como valor. Novamente: a segurança entendida não como "medo do outro", mas sim como a proteção do ambiente. A busca do futuro, para nós e para as gerações mais jovens.
3. Lidos nessa chave, os referendos tornaram-se a ocasião para o surgimento de uma mudança do clima de opinião, agora no ar – quem não tem o nariz entupido pelo preconceito o respirava tempos atrás. Uma reviravolta moderada, anunciada pela eleição administrativa, reforçada pelo referendo. Uma reviravolta de linguagem, de vocabulário, que restituiu dignidade a palavras até ontem esquecidas e impopulares. Lembram-se do altruísmo e da solidariedade? Quem tinha mais a coragem de pronunciá-las? Por isso, paradoxalmente, o referendo sobre o legítimo impedimento, o mais político, o mais temido pela maioria, e sobretudo pelo seu chefe, passou quase para o segundo plano. Arrastado pelos outros.
4. Aqui está uma chave, talvez "a" chave do resultado. Os referendos refletem a mudança subterrânea, ocorrida e amadurecida na sociedade. Que, segundo Giuseppe De Rita, teria finalmente se fragmentado. Nessa galáxia, atravessada por emoções mais do que por razões, pelas paixões mais do que pelos interesses, cresceu um movimento difundido. Repleto de jovens e muito jovens. Cuja voz ecoa através de milhares de pequenas manifestações, nos milhares de pequenos lugares da vida cotidiana. Através do contato direto. Através da Rede. Por isso é pouco visível. Mas ativo e vital. O ostracismo da maioria governista, o silêncio da MediaRai. Ajudaram-lhes. Legitimados. Porque a TV MediaRai e os seus patrões, agora, são o passado.
5. No entanto, uma participação tão alta teria sido impensável se não tivesse envolvido outros setores da sociedade. O povo da Rede, embora amplo, é uma elite. Jovem, culta, cosmopolita. Não teria estourado se não tivesse envolvido pais, avós, tios. Um eleitorado amplo e politicamente transversal. O sucesso dos referendos, de fato, brota do impulso dos movimentos sociais, do apoio dos partidos e dos eleitores da centro-esquerda. Mas mesmo dos da centro-direita. Olhe-se para a geografia eleitoral da participação. As regiões do Norte (agora não mais) Padano manifestaram as taxas de participação entre as mais elevadas. Observemos, além disso, o resultado global obtido pelas eleições europeias em 2009 pelos partidos da centro-esquerda, esquerda e pela UDC. Aqueles que apoiaram a oportunidade de votar nessa ocasião. Pois bem, fica evidente que a participação foi muito mais ampla do que com relação à sua base. No Nordeste: votaram 32% (e cerca de 1,7 milhão) de eleitores a mais. No Noroeste: 29% (e cerca de 3,5 milhões) de eleitores a mais. Na Itália, em geral, 28% (e cerca de 13 milhões) de eleitores a mais. (Elaborações Demos, sobre dados do Ministério do Interior; indicações semelhantes provêm das análises do Instituto Cattaneo sobre dados das eleições políticas de 2008).
6. Daí o sentido geral dessa passagem eleitoral. Mudou o clima de opinião. O tempo da democracia pessoal e medial – como observou Ezio Mauro – talvez esteja no fim. Enquanto isso, entreveem-se os sinais de uma democracia de pessoas, lugares, sentimentos. Paixões. Os partidos e os homens que lideraram o período anterior, francamente, parecem subitamente velho e fora do tempo. O PDL – mas também a Liga. Berlusconi – mas também Bossi. Conseguiam falar com a "barriga das pessoas", enquanto a esquerda pretendia falar com a "cabeça". Por isso, a centro-esquerda era popular. E a esquerda, impopular. Até ontem. Hoje, descobrimos que, além da barriga e da cabeça, há também o coração. Falar ao coração: é importante.
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Jovens e velhos na Internet: o povo dos desobedientes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU