11 Abril 2011
"Como se faz para fazer o bem quando é tão fácil escorregar para a barbárie, quando basta deixar-se levar pelo fluxo das pulsões para se esquecer da nossa humanidade comum?"
O questionamento é da filósofa italiana Michela Marzano, doutora em filosofia pela Scuola Normale Superiore di Pisa e atual professora da Universidade de Paris V - René Descartes. O artigo foi publicado no jornal La Repubblica, 11-04-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
A 50 anos de distância do processo de Adolf Eichmann (foto), a noção de "banalidade do mal" teorizada por Hannah Arendt ainda tem sentido? No dia 11 de abril de 1961, começou em Jerusalém um dos processos mais espetaculares do século XX, o do homem que, durante o regime nazista, havia coordenado a organização das transferências dos judeus para os campos de concentração e de extermínio.
O anúncio da captura e do processo de um dos principais atores da solução final reabre um capítulo que havia permanecido ainda em suspenso depois de Nuremberg e atrai a atenção e a curiosidade de todos aqueles que, mais ou menos deliberadamente, buscam se esquecer dos horrores da Segunda Guerra Mundial.
O que poderia levar um alto funcionário a se pôr ao serviço de um projeto louco e celerado? Tratava-se de um "monstro" ou de um "homem qualquer"? Dois anos depois, Hannah Arendt publicou seu próprio relato do processo e formulou, pela primeira vez, uma hipótese escabrosa: Eichmann não é um "monstro". Qualquer um de nós, em determinadas condições, pode cometer atos monstruosos. Mas pode-se ousar falar do Holocausto evocando, mesmo que só como hipótese teórica, a ideia de que o mal pode ser banal?
Em Paris, a Fondation pour la Mémoire de la Shoah celebra nestes dias o 50º aniversário do processo e organiza uma série de debates e uma mostra imponente: desde o dia 8 de abril até o dia 28 de setembro, o público pode ter acesso a muitos documentos inéditos, extraídos de filmes, gravações e fotografias do processo. Em Washington, o Center for Advanced Holocaust Studies hospedará em maio um encontro internacional com a participação da historiadora Deborah Lipstadt que critica duramente, no seu recentíssimo The Eichman Trial, a posição de Arendt. Depois de David Cesarani e Saul Friedländer, que contestam a ideia de que só a "máquina burocrática" pôde levar adiante o extermínio, Lipstadt coloca em discussão o conceito de "banalidade do mal".
Banalizar o mal contribuiria só para "absolver" a cultura europeia da culpa de antissemitismo. Mas de qual banalidade estamos falando? Hannah Arendt não queria absolver ninguém. Não pretendia fornecer nenhuma explicação histórica da catástrofe nazista. Buscava uma chave de leitura antropológica e filosófica da ação humana. Da maldade. Da incapacidade de se dar conta do mal cometido...
Durante o processo, Eichmann jamais deixou de proclamar sua inocência, explicando como, na sua vida, nada mais fez do que obedecer às ordens, respeitando as leis e assumindo seu próprio dever. "As suas ações eram monstruosas, mas quem as fez era quase normal, nem demoníaco, nem monstruoso", escreveu então Arendt para explicar o inexplicável.
Existe uma "banalidade do mal" que não se pode levar em consideração se queremos evitar cair novamente na espiral infernal dos genocídios. Não certamente porque o mal, em si, seja banal. Nem porque aqueles que o cometam possam ser considerados banais. Mas porque todos podemos fazer o mal, às vezes sem nos darmos conta disso, mesmo que não sejamos nem sádicos, nem monstruosos.
Não se trata de negar que a perversão existe e que algumas pessoas experimentam uma "jouissance" particular ao fazer com que os outros sofram. Trata-se, ao contrário, de explicar que o bem e o mal não são separados por uma barreira insuperável. Mesmo que a barreira exista sempre, superá-la é muito mais fácil do que se possa imaginar.
Nenhum de nós está protegido da barbárie. Ninguém pode saber como se comportaria em circunstâncias particulares. Ou, melhor, todos podemos "banalmente" fazer o mal, porque barbárie e civilização convivem em todo ser humano. A cega obediência ao dever pode induzir qualquer um a agir sem refletir. E, quando se deixa de pensar, não se é mais capaz de distinguir entre o que é certo e o que é errado.
O conceito de banalidade do mal não é, portanto, nem um simples slogan, como comentou Gershom Scholem no momento da publicação do livro de Arendt, nem um modo para minimizar aquilo que a própria filósofa alemã considerava como "a maior tragédia do século".
Ao contrário. É, talvez, a única possibilidade para explicar a radicalidade do mal humano: radical justamente porque banal; radical porque todos podem fazê-lo, às vezes banalmente, mesmo que algumas pessoas escolham não fazê-lo. Não é difícil entender por que se faz o mal. A verdadeira dificuldade está em outro lugar: como se faz para fazer o bem quando é tão fácil escorregar para a barbárie, quando basta deixar-se levar pelo fluxo das pulsões para se esquecer da nossa humanidade comum?
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As polêmicas sobre Arendt a 50 anos do caso Eichmann - Instituto Humanitas Unisinos - IHU