24 Mai 2019
Publicamos aqui o comentário do monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, sobre o Evangelho deste 6º Domingo da Páscoa, 26 de maio (João 14, 23-29). A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Neste Tempo Pascal, a Igreja continua nos oferecendo os “discursos de despedida” de Jesus (cf. Jo 13,31-16,33), colocados na última ceia, mas que devem ser entendidos como palavras de Jesus glorificado, do Senhor ressuscitado e vivo que se dirige à sua comunidade abrindo-lhe os olhos para o seu presente na história, uma vez ocorrido o seu êxodo deste mundo ao Pai (cf. Jo 13, 1).
Nesse contexto de último encontro entre Jesus e os seus, alguns discípulos lhe fazem perguntas: primeiro Pedro (cf. Jo 13, 36-37), depois Tomé (cf. Jo 14, 5), por fim Judas, não o Iscariotes. Este lhe pergunta: “Senhor, por que vais te manifestar a nós e não ao mundo?” (Jo 14, 22). É uma pergunta que deve ter causado também sofrimento nos discípulos: depois daquela aventura vivida junto com Jesus por anos, ele vai embora e parece que nada realmente mudou na vida do mundo... Uma pequena e diminuta comunidade compreendeu algo porque Jesus se manifestou a ela, mas os outros não viram e não veem nada. Então, a que se reduz a vinda do Filho do homem sobre a terra, a sua vida à espera do reino de Deus iminente que ele proclamava?
Jesus, então, responde: “Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e o meu Pai o amará, e nós viremos e faremos nele a nossa morada”. É por isso que Jesus não se manifesta ao mundo que não crê nele, que lhe é hostil porque não consegue amá-lo: para ter a manifestação de Jesus é preciso amá-lo! Toda vez que se leem essas palavras, ficamos profundamente perturbados: Jesus, filho de Maria e de José, homem como nós, não nos pede apenas para sermos seus discípulos, para observar o seu ensinamento, mas também para amá-lo, porque, amando-o, cumpre-se aquilo que ele quer e, fazendo aquilo que ele quer, amamo-lo.
Em todo caso, aqui o amor é definido como necessário para a relação com Jesus. Amar é uma palavra desafiadora, mas Jesus a utiliza, lendo a relação com o discípulo não só na fé, na obediência ao ensinamento, no seguimento, mas também no amor.
Mais profundamente, Jesus especifica que quem o ama, no amor por ele permanecerá fiel à sua palavra – resumida para o quarto Evangelho no “mandamento novo”, “amem uns aos outros como eu os amei” (Jo 13, 34; 15, 12) –, será amado pelo Pai, de modo que o Pai e o Filho virão fazer sua morada junto dele: habitação de Deus em quem ama Jesus! Se faltar o amor, em vez disso, não haverá reconhecimento dessa presença quando Jesus estiver “ausente”; depois da sua vida terrena, de fato, depois de subir para junto do Pai (cf. Jo 20, 17), Jesus estará ausente, mas, se o amor permanecer, ele estará presente no seu discípulo.
Diante dessas palavras, a nossa compreensão vacila, mas a experiência vivida em uma relação de amor pode vir em nosso socorro, quando o/a amado/a está ausente, mas temos uma certa experiência da sua presença em nós, na expectativa de que retorne e, com a sua presença face a face, renove a relação de amor e a preencha.
Essa é uma experiência do ausente que só os amantes podem conhecer, e Jesus a promete, porém, indicando-a no espaço da fidelidade à sua palavra, da realização dos seus mandamentos. Por isso, ele especifica que a sua palavra, aquela dada aos discípulos e às multidões em toda a sua vida, não era palavra sua, mas sim palavra de Deus, do Pai que o havia enviado ao mundo. Essa palavra, agora dada aos fiéis, que permanece para sempre, é capaz de fazer sentir a presença de Jesus quando a própria palavra for lida, meditada, escutada e realizada pelo cristão; será um sinal, um sacramento eficaz, que gera a Presença do Senhor.
Jesus não está mais entre nós com a sua presença física, como glorificado, ressuscitado pelo Espírito e vivento junto do Pai; mas a sua palavra, conservada na Igreja, torna-o vivo na assembleia que o escuta, Presença divina que faz de cada ouvinte a morada de Deus.
Aquela “Palavra” (Lógos) que “se fez carne (sárx)” (Jo 1, 14) em Jesus de Nazaré fez-se voz (phoné) e, portanto, lógos, palavra dos humanos, e em cada fiel se faz Presença de Deus (Shekinah), faz-se carne (sárx) humana do fiel, continuando a habitar no mundo (cf. Jo 17, 18).
E o Espírito de Deus, que também é o Espírito de Cristo, é absolutamente o artífice de toda essa dinâmica de presença.
É o outro Enviado pelo Pai,
é o outro Mestre enviado pelo Pai,
é o outro Consolador enviado pelo Pai.
Jesus sobe ao Pai, e o Espírito Santo, que era o seu “companheiro inseparável” (Basílio de Cesareia), a partir de Cristo desce sobre todos os fiéis como um Paráclito, chamado ao seu lado como defensor e consolador; será justamente ele quem ensinará todas as coisas, fazendo recordar todas as palavras de Jesus e, ao mesmo tempo, renovando-as no hoje da Igreja. Há uma única diferença entre Jesus e o Consolador: Jesus falava diante dos discípulos que o escutavam, enquanto o Consolador, que, com o Filho e o Pai vem habitar no fiel, fala como um “mestre interior”, com mais força, poderíamos dizer... Nós não somos órfãos, não fomos deixados sozinhos por Jesus, e aquele Deus a quem tínhamos que descobrir fora de nós, diante de nós, agora devemos descobrir em nós como presença que colocou em nós a sua tenda, a sua morada.
Certamente, ao ir embora, Jesus vê a sua obra, aquela que humanamente realizou em obediência ao Pai, “incompleta”, porque os discípulos ainda não entendem, porque a verdade na sua plenitude ainda não é revelável, e ele mesmo ainda teria muitos ensinamentos para dar, muitas coisas para revelar... No entanto, eis que Jesus nos ensina a arte de “deixar ir”: ele vai embora sem ansiedade pela sua comunidade e pelo seu destino, mas, em vez disso, com a confiança de que existe o Espírito, o Consolador e Defensor,
que agirá na comunidade que ele deixou;
ensinará muitas coisas necessárias e que ele mesmo, Jesus, havia se inibido de ensinar
porque a comunidade não estava pronta para recebê-las e compreendê-las;
e, sobretudo, dará aos discípulos grande força e muitos dons que eles não possuíam.
“O Espírito Santo vos ensinará tudo e vos recordará tudo o que eu vos tenho dito”: promessa que vemos realizada na vida da Igreja e na nossa vida, nas nossas histórias. Hoje, compreendemos o Evangelho mais do que ontem, mais do que mil anos atrás. Para a salvação dos homens e das mulheres de ontem, essa compreensão era suficiente, mas, para nós, hoje, é necessária outra compreensão, que se deveu à “corrida” do Evangelho na história (cf. 2Ts 3, 1), porque nela o Evangelho se dilata, e a Igreja o aprofunda, o compreende melhor e mais.
A fé dos grandes Padres da Igreja ainda é a fé da Igreja de hoje, mas muito mais aprofundada. O Evangelho lido no Concílio de Trento é o mesmo Evangelho lido por nós hoje, mas hoje o compreendemos melhor, como afirmava o Papa João XXIII. Estamos no tempo em que o Espírito Santo, que é sempre Espírito do Pai, procedendo dele, mas também Espírito do Filho, por ser seu “companheiro inseparável”, está presente nos caminhos da Igreja e age quando ela o invoca e lhe obedece.
Assim, na Igreja, há paz, o shalom, a vida plena deixada por Jesus, não a paz mundana, mas a paz sustentada pela esperança, porque Jesus disse ainda: “Vou, mas voltarei a vós”. “Ausentou-se o nosso pastor” [recessit Pastor noster], cantamos no responsório do Sábado Santo; mas, neste Tempo Pascal que dura até o dia do Senhor, podemos cantar: “Eis, o nosso Pastor retorna”, porque vem a nós todos os dias nesta descida do Pai e do Filho na força syn-kata-batica, con-descendente do Espírito Santo. Ele vem com a Palavra, fielmente; vem com os eventos da história, nos quais, para além das evidências, está sempre operante; vem na nossa carne que se esforça e luta, mas para ser transfigurada pela sua vinda gloriosa.
Mas nós amamos Jesus? De acordo com as suas afirmações escutadas e interpretadas, de fato, se não o amamos, não somos capazes de permanecer fiéis à sua palavra. Se, ao contrário, vivemos tal amor e tal obediência ao Senhor, a sua vida se torna a nossa vida.
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''O Espírito Santo, o Consolador, vos ensinará tudo'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU