20 Fevereiro 2015
O povo de Israel vagou durante quarenta anos pelo deserto e foi difícil para ele resistir às provações. Marcos diz que Jesus foi também para o deserto, onde permaneceu por quarenta dias, afrontando as tentações. Quanto a nós, elas também estão à nossa espreita!
A reflexão é de Marcel Domergue, sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando as leituras do 1º Domingo da Quaresma - Ano B. A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.
Eis o texto.
Referências bíblicas:
1ª leitura: A aliança de Deus com Noé, após ter escapado do dilúvio (Gênesis 9,8-15)
Salmo: 24 (25) - R/ Verdade e amor são os caminhos do Senhor.
2ª leitura: O batismo é hoje a vossa salvação (1 Pedro 3,18-22)
Evangelho: «Jesus foi tentado por Satanás (...) e os anjos o serviam» (Marcos 1,12-15)
Quarenta dias
O número quarenta é simbólico. Representa a duração de uma existência humana e a duração também da história da humanidade. Deste modo, Noé enfrentou por quarenta dias as águas mortais do abismo primitivo. Foi um novo nascimento, uma nova criação. A primeira leitura nos diz que estamos indo em direção a um universo em perfeita aliança com Deus. As nuvens ameaçadoras de novas chuvas diluvianas serão mantidas à distância pelo arco de luz que sinaliza a aliança de Deus com todos os viventes. E, enquanto estivermos caminhando sobre as águas do não ser, está ainda por vir a realidade que este arco representa. Para os Hebreus, foram quarenta anos no deserto. Ao fim do caminho, a Terra Prometida. Uma pátria que esteve sempre no horizonte, à medida que dela ia-se aproximando, à espera da «pátria melhor» de que fala Hebreus 11,13-16. Para Jesus, quarenta dias no deserto, submetido à fome, à sede e atormentado pela tentação do poder e do domínio. E não irá acompanhá-lo por toda a vida esta mesma tentação? Até que, no último dia, pedirá ao Pai que afaste dele o cálice que deverá beber? Como vemos, aos quarenta dias da Quaresma não faltam referências bíblicas. Poderíamos citar ainda outras, mas vamos nos contentar com 1 Reis 19,6-8, onde se vê Elias caminhar quarenta dias e quarenta noites até à montanha de Deus, o Horeb.
Para onde vão os nossos caminhos?
Temos aí o que pode enriquecer o sentido que damos à Quaresma. Este é com certeza um tempo especial, bem enquadrado pela liturgia, mas que significa toda a nossa existência. Sinaliza as nossas apostas, caminhos e provações. Por que este número, quarenta? Porque, ao que parece, quarenta anos representa o tempo que dura uma geração. Um ser humano procria convencionalmente quando tem vinte anos: e, vinte anos depois, os seus filhos e filhas chegam por sua vez à idade de procriar. Deste modo, a geração toda que saiu do Egito morreu nas areias do deserto. As crianças nascidas durante o Êxodo é que irão entrar na terra prometida. A Quaresma nos convida, de qualquer forma, a lembrarmos o que está em jogo no decurso dos nossos dias. Para onde vamos? O que buscamos? Para onde se dirigem as nossas preferências? O nosso caminho, sinuoso às vezes, pode estar semeado de obstáculos, sofrimentos e fracassos. A Quaresma convida-nos a manter um afastamento, a que nos desembaracemos do imediato, para localizarmos o que temos de viver na trajetória da nossa existência. Ao fim do caminho, esperamos encontrar a terra onde corre o leite e o mel, num universo em perfeita aliança com Deus e, portanto, com todos. É claro que a Quaresma deveria ser um tempo de reflexão e de reorientação para nós. E é evidente que isto deverá nos conduzir a compartilharmos e a nos ocuparmos com os problemas postos a um número tão grande de excluídos. Voltaremos a falar sobre isto.
Sobreviventes
Este subtítulo quer fazer alusão à aventura simbólica de Noé. Não é uma aventura entre outras, mas sim a parábola de toda a existência humana. De fato, é exatamente o que quer dizer a segunda leitura que estabelece um paralelo entre a arca de Noé e o batismo: «Salvas por meio da água». Paulo irá mais longe, ao explicar que o batismo nos faz passar pela morte e pela ressurreição do Cristo (Romanos 6,3-5 e Colossenses 2,12). Assim como Noé, o mundo passa também pela morte, para chegar à ressurreição. Uma recriação e um renascimento do mundo. A água e o vento estão aí, assim como em Gênesis 1. O batismo, tanto o de Jesus como o nosso, contém os mesmos elementos. Batismo, sem dúvida, só se recebe uma vez. Mas, justamente porque é para ser vivido e revivido em cada coisa até na hora da nossa morte, assinalará a passagem definitiva e, assim, coroará tudo o que teremos significado ao longo dos nossos dias, dos nossos «quarenta dias». Tudo isso nos ajuda a compreender a coerência que há entre a Quaresma e o acontecimento pascal de que ela prepara a celebração. Mais uma vez; a Quaresma não é um tempo entre outros, mas sim a imagem de todos os tempos, de todo o nosso tempo. Lembra-nos a Boa Nova da Ressurreição e da derrota da morte. Acolher a esta Boa Nova muda a nossa vida e é esta mudança que é chamada de conversão. Trata-se de passar da tristeza à alegria.
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Quarenta dias da Quaresma - Instituto Humanitas Unisinos - IHU