24 Fevereiro 2014
"Ninguém pode servir a dois senhores. Porque, ou odiará a um e amará o outro, ou será fiel a um e desprezará o outro. Vocês não podem servir a Deus e às riquezas. Por isso é que eu lhes digo: não fiquem preocupados com a vida, com o que comer; nem com o corpo, com o que vestir. Afinal, a vida não vale mais do que a comida? E o corpo não vale mais do que a roupa? Olhem os pássaros do céu: eles não semeiam, não colhem, nem ajuntam em armazéns. No entanto, o Pai que está no céu os alimenta. Será que vocês não valem mais do que os pássaros? Quem de vocês pode crescer um só centímetro, à custa de se preocupar com isso?
E por que vocês ficam preocupados com a roupa? Olhem como crescem os lírios do campo: eles não trabalham nem fiam. Eu, porém, lhes digo: nem o rei Salomão, em toda a sua glória, jamais se vestiu como um deles. Ora, se Deus assim veste a erva do campo, que hoje existe e amanhã é queimada no forno, muito mais ele fará por vocês, gente de pouca fé!
Portanto, não fiquem preocupados, dizendo: O que vamos comer? O que vamos beber? O que vamos vestir? Os pagãos é que ficam procurando essas coisas. O Pai de vocês, que está no céu, sabe que vocês precisam de tudo isso. Pelo contrário, em primeiro lugar busquem o Reino de Deus e a sua justiça, e Deus dará a vocês, em acréscimo, todas essas coisas. Portanto, não se preocupem com o dia de amanhã, pois o dia de amanhã terá suas preocupações. Basta a cada dia a própria dificuldade."
(Correspondente ao 8º Domingo do Tempo Comum, ciclo A do Ano Litúrgico.)
O capítulo 6 de Mateus é continuação do Sermão da Montanha, onde Jesus apresenta aos seus seu programa de vida. Depois Ele explicitará mais sua proposta, sinalizando algumas atitudes para seus discípulos/as.
No evangelho de hoje, o tema central é o sentido cristão da Providência.
As palavras de Jesus: "Ninguém pode servir a dois senhores. Porque, ou odiará a um e amará o outro, ou será fiel a um e desprezará o outro", não precisam explicação, só necessitamos que elas ecoem em nosso coração e nos perguntemos com sinceridade a quem servimos, qual é o centro de atenção da minha vida.
E como conhecedor do ser humano Jesus denuncia o outro senhor: "Vocês não podem servir a Deus e às riquezas".
Essas palavras de Jesus se inserem na linha da luta contra a idolatria e defesa do primeiro mandamento ("não terás outros deuses diante de mim").
Para Ele a riqueza pode converter-se num deus a que damos culto e que nos faz cair na idolatria.
Se olharmos ao nosso redor, veremos que esta denúncia de Jesus continua sendo gritante. Vivemos numa época na qual o 'deus' é o mercado, ele até determina quem é ser humano e quem não é!
Aqueles que não têm renda suficiente para entrar no jogo do mercado não existem. Assim assistimos ao abandono, ao esquecimento por parte do Estado, dos milhões de pessoas que vivem em situações miseráveis. Quem lembra quantas pessoas morreram pelos desastres acontecidos neste ano no Brasil, as trágicas consequências da construção das hidrelétricas em Belo Monte?
Quem lembra a devastação que está acontecendo na Amazônia, e o trabalho escravo, e o tráfico de crianças que acontecem nessa região? Quem lembra os diferentes conflitos que acontecem na África, onde populações inteiram são dizimadas e oprimidas? Poderíamos continuar a lista dos esquecidos porque não têm bens para servir ao deus mercado! E se têm são explorados para alimentar a ambiciosa fome de ganância deste deus que só favorece a mínima parte da população mundial!
Que diferente do Deus de Jesus, que se revela como um Deus que tem um amor incondicional por todo ser humano, por toda sua criação, mostrando também um amor preferencial aos pobres e pequeninos.
A quem nós servimos? Estamos caindo na idolatria do dinheiro, do deus mercado?
Segundo o Antigo Testamento, dá-se culto ao dinheiro de três formas:
- Mediante a injustiça direta (roubo, fraude, assassinato para ter mais). O dinheiro se converte no bem absoluto, acima de Deus, do próximo e de si próprio. Temos como exemplificação desta injustiça o caso da Raposa Serra do Sol, dos fazendeiros que encomendaram a morte da Ir. Dorothy e de tantos outros.
- Mediante a injustiça indireta, o egoísmo, que não prejudica diretamente o próximo, mas faz com que nos despreocupemos de suas necessidades. Infelizmente o ditado "cada um na sua, e o outro que se vire!" rege a maioria de nossas relações sociais.
- Mediante a inclinação pelos bens deste mundo, que nos fazem perder a fé na Providência. E obviamente essa inclinação nos leva ao acúmulo desmedido de bens, entrando na correria frenética do consumismo.
Nosso querido Dom Luciano Mendes de Almeida denunciou em mais de uma oportunidade que o vírus, o mal de nosso tempo era o acúmulo! A preocupação quase obsessiva das pessoas é ter sempre mais, só pelo fato de ter!
A saída que este bispo apresentava para eliminar o vírus era a partilha e assumir um estilo de vida mais austero.
A passagem de hoje é considerada por alguns como uma das mais utópicas e alienantes do Evangelho. Entretanto, precisamos descobrir que as coordenadas em que Jesus se move são uma profunda fé em Deus e um desapego absoluto aos bens deste mundo.
O estilo de vida de nosso Mestre é simples. Ele não precisa de muito para viver e o que tem é para partilhar. Sem dúvida, viver deste jeito nos dias de hoje é uma profecia!!
Mas não quero terminar sem sinalizar que o principal desta confiança na Providência é a preocupação pela construção do reino de Deus e sua justiça.
Se nos esforçamos na construção de outro mundo onde prevaleçam relações de igualdade, de solidariedade, onde se lute pela justiça e pelos direitos de todos/as, onde se cuide com carinho de nossa mãe natureza, então: "Deus dará a vocês, em acréscimo, todas essas coisas".
Crer na Providência não significa cruzar os braços diante das necessidades próprias ou alheias, mas evitar a angústia, confiando em que Deus nos ajudará através de nosso esforço e de outras pessoas.
Finalizando, podemos terminar com o conceito de São Paulo sobre a providência: Quando uma pessoa passa necessidade, os demais não pedem a Deus que a ajude; eles a ajudam. Assim o fizeram os cristãos da Grécia em favor dos de Jerusalém (2Cor 8-9).
As Bem-aventuranças
Felizes são pobres com espírito
E aqueles que compartem com os pobres
Os riscos e a esperança,
Porque eles têm o Reino em suas vidas!
Contrariamente a toda propaganda
De produtos que dão felicidade,
Felizes os aflitos,
Porque eles sentirão em suas cruzes
A ternura de Deus, que é Pai e Mãe!
Felizes os que têm misericórdia
E não deixam passar um sofrimento
Sem achegar-se dele
E nele derramar-se, no óleo e no vinho:
Eles encontrarão misericórdia!
Pedro Casaldáliga
Referências
KONINGS, Johan. Espírito e mensagem da liturgia dominical. Porto Alegre: Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindis, 1981.
SICRE, José Luis. O quadrante. Introdução aos Evangelhos. São Paulo: Paulinas, 1999.
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A proposta de Jesus - Evangelho de Mateus 6, 24-34 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU