14 Outubro 2016
Num gesto concreto, Aarão e Ur ajudam Moisés a manter os braços estendidos para, com a sua oração, sustentar o combate de Israel. Paulo exorta Timóteo ao combate da fé. E Jesus, numa parábola de alerta, põe em cena um juiz sem vergonha e uma viúva obstinada. A Palavra, com sua força, modula a potência da oração.
A reflexão é de Marcel Domergue (+1922-2015), sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando as leituras do 29º Domingo do Tempo Comum, do Ciclo C. A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.
Eis o texto.
Referências bíblicas
1ª leitura: “Enquanto Moisés conservava a mão levantada, Israel vencia” (Êxodo 17,8-13)
Salmo: Sl 120(121) - R/ Do Senhor é que me vem o meu socorro, do Senhor que fez o céu e fez a terra.
2ª leitura: Graças às Escrituras, o homem de Deus estará preparado para realizar toda espécie de bem (2 Timóteo 3,14;4,2)
Evangelho: “E Deus não fará justiça aos seus escolhidos, que dia e noite gritam por ele?” (Lucas 18,1-8)
O silêncio de Deus
Se Jesus recorreu a esta parábola, é porque temos aí um problema: o aparente silêncio de Deus diante das nossas orações. As Escrituras, porém, estão cheias de convites para que apresentemos a Deus as nossas necessidades e preocupações, afirmando que seremos ouvidos.
Lembremos Lucas 11,9: "Também eu vos digo: Pedi e vos será dado, buscai e achareis, batei e vos será aberto." Melhor ainda, podemos ler em Mateus 6,7: "Nas vossas orações, não useis de vãs repetições, como os gentios, porque imaginam que é pelo palavreado excessivo que serão ouvidos. (...) Vosso Pai sabe do que tendes necessidade antes de lho pedirdes”.
O Pai não dará uma pedra ao filho que lhe pede pão... Podemos ficar perplexos diante de tantos textos contraditórios na aparência. Mas há também a experiência: quantas orações parecem ficar sem resposta!
Os de bom espírito dirão que por não rezarmos com bastante fé. E eis-nos aqui em vão nos esforçando para experimentar sentimentos de fé, enquanto a fé não pode ser fabricada, mas somente recebida.
Permanece verdade que não consiste a fé apenas em crer que Deus irá nos responder, mas também que já respondeu: "Tudo quanto suplicardes e pedirdes, crede que já o recebestes, e assim será para vós." (Marcos 11,24).
No entanto, o menos que se pode dizer é que, na maior parte do tempo, não é isto o que se vê.
A parábola
Vamos reler a parábola sobre este pano de fundo. Ela está construída em cima de um contraste: a oposição infinita que há entre o bem e o mal; entre um juiz sem qualquer moralidade, e Deus.
A quem Deus se assemelha? Não a este juiz, por certo. E, no entanto, eles têm pontos em comum: o poder de decidir e o pedido insistente que lhes é dirigido.
Quando, então, intervém um "a fortiori": se um juiz, que não ama ninguém e procura tão somente a sua tranquilidade, acaba por satisfazer a viúva, com mais forte razão, irá Deus ouvir o pedido dos que Ele ama, de todos estes homens e mulheres que são os "seus escolhidos".
Mas, por que falar de uma viúva? Porque, assim como o órfão, na Bíblia, a viúva é a figura da impotência: não tem ninguém para defendê-la neste universo patriarcal. Podeis ser tão fracos quanto é possível sê-lo, desprovidos de tudo, sem referência nem mérito, e Deus vos escuta!
Pois é ao pobre que Deus escuta com prioridade. Exatamente por isso temos de tomar consciência de nossa pobreza; a nudez do homem, a nudez de Adão e Eva diante de Deus. A nudez de todo nascimento.
A parábola continua a nos dizer que Deus não se faz esperar: responde imediatamente. Ou, como diz Marcos, já respondeu. Conforme observamos, no início deste comentário, isto não nos salta aos olhos.
Podemos por certo escolher acreditar, mesmo quando à noite, mas isto não impede que nos interroguemos sobre o modo pelo qual Deus responde.
A resposta de Deus
A última frase é a que deve nos esclarecer: "O Filho do homem, quando vier, será que ainda vai encontrar fé sobre a terra?" A resposta de Deus é sempre uma nova vinda do Cristo em nossas vidas.
A expressão "fazer justiça" deve nos alertar. Quem de fato virá "fazer justiça" quando os tempos se cumprirem? Estamos acostumados a procrastinar esta "vinda na glória" para um futuro indeterminado.
Da minha parte, penso que ela se produz no limite do tempo, ou seja, nesta verticalidade que supera cada um dos nossos instantes e que é a eternidade. Assim, a intervenção de Deus é imediata e permanente.
Agora e na hora da nossa morte, cada um dos nossos instantes faz morrer, aliás, o que o precede. Buscai a Deus e O encontrareis: Ele já está aí e a nossa fé é que O encontra.
As coisas seguem com certeza o seu curso, mas tudo isto que é o visível dobra-se numa face escondida. Conforme o visível, a oração de Jesus no Getsêmani permanece sem resposta e o cálice mortal não se afastará dele: a sua crucifixão está inscrita na Bíblia porque inscrita na vontade dos homens.
Assim sendo, a vinda de Deus para nos fazer justiça, para nos trazer a justiça que perdemos, reveste-se sempre da forma pascal. Por isso é que "dia e noite gritamos por ele": na noite da ausência aparente e das injustiças que temos de suportar; e na luz do dia da certeza da ressurreição.
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