14 Fevereiro 2011
"O levante dos teólogos é uma rebelião no lar de idosos. Agora é a hora, principalmente, de os bispos alemães se manifestarem. O papa está ciente de que os maiores ataques contra a igreja vêm da própria igreja", afirma Peter Seewald, autor do livro "Luz do Mundo", em entrevista publicada pela agência austríaca kath.net, 08-02-2011. A tradução é de Luiz Marcos Sander.
Eis a entrevista.
Sr. Seewald, qual é sua opinião sobre a discussão a respeito do celibato e o memorando dos teólogos?
Nós todos estamos em busca do caminho certo. A igreja não pode ficar como está. O que está em pauta é uma purificação, um renascimento dos valores, um perfil mais nítido, o posicionamento da igreja na modernidade – em última análise, a tarefa de tornar a proposta do cristianismo mais clara nesta situação dramática e, assim, salvar pessoas. O memorando, entretanto, vai na outra direção.
Por quê?
O que está ocorrendo aqui é uma ação concertada de forças neoliberais, que estão forçando uma reforma que privaria a Igreja Católica de sua essência e, por conseguinte, de seu espírito e sua força. No final, então, teríamos uma igreja de todo mundo, na qual o critério de todas as coisas não é Deus, não é o evangelho, mas sim o membro de comunidade autônomo, dirigido pelos sumos sacerdotes do espírito da época. Como disse Paulo: "Virá tempo em que alguns não suportarão a sã doutrina; pelo contrário, segundo seus próprios desejos, como que sentindo comichão nos ouvidos, se rodearão de [novos] mestres. Desviarão os ouvidos da verdade, orientando-os para as fábulas" (2Tm 4,3).
Os responsáveis pelo memorando dizem que atingiram um ponto sensível com ele...
Decerto se pode expressar isso assim. Atingiram o ponto sensível de milhões de fiéis, que finalmente estão fartos dessa discussão que aturamos pacientemente durante anos. Afirma-se, com lágrimas de crocodilo nos olhos, que se pretende "tirar a igreja de sua ocupação paralisante consigo mesma". Nada disso. São justamente esses grupos que transformaram a ocupação consigo mesma praticamente numa mania e, com isso, estão impedindo há 25 anos que a igreja na Alemanha se volte para os verdadeiros problemas. Fico espantado com a falta de honestidade da discussão, os argumentos equivocados, o tamanho da demagogia praticada neste caso. Mas é possível que essa campanha também tenha um efeito de mobilização e solidarização entre as pessoas fiéis à igreja com o qual os responsáveis por ela não contavam. Quem semeia ventos pode acabar colhendo tempestades.
Quem está por trás do memorando?
Não se trata de um levante dos jovens, e sim de uma rebelião no lar de idosos. O establishment teológico se junta com políticos tão carismáticos e íntegros quanto Althaus e Schavan. Na linha de frente está um presidente de parlamento, Lammert, que convida o papa para um encontro e então lhe puxa a mitra por cima dos ouvidos. Que jogo infame! Não se devem esquecer aqueles agitadores que há muito perderam a missão canônica porque, ano após ano e dia após dia, tentaram de tudo para transformar o Filho de Deus num chefe de salteadores. Eles é que são verdadeiramente de ontem. Não levam ao futuro, e eles próprios tampouco têm futuro. Nunca vão verdejar nem florescer. Podem reunir funcionários atrás de si, mas jamais vão conseguir entusiasmar massas de pessoas, e muito menos jovens. Entretanto, como galhos podres, ainda poderão causar estrago quando caírem da árvore.
O senhor está bastante exaltado.
É realmente um jogo infame! E um jogo horrivelmente triste, quando alguém como o cardeal Lehmann crê ter de dizer em público que se envergonha do corajoso cardeal Brandmüller, que chama as coisas pelo verdadeiro nome. Agora é a hora daqueles teólogos se manifestarem que ainda se encontram sobre o fundamento da constituição católica. Agora também é a hora dos jornalistas com sensibilidade para a verdade e a justiça. E elas também estão se mostrando. Isto é a coisa boa nessa história.
Agora é, principalmente, a hora de os bispos alemães se manifestarem. Eles precisam deixar claro que a igreja não está lá onde os antipapas se encontram na mídia; ela não está lá onde se encontram os estrategistas políticos, os homens de ação com toda a sua frieza; a igreja está, isso sim, onde se encontram as pessoas que oram, onde se encontra Maria, onde se encontra Pedro. Onde se encontra Jesus, que nos deu esta palavra: "Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei minha igreja". Ela não falou de construir sobre a areia.
O que diz o papa sobre essa campanha?
Isto a gente decerto pode imaginar. Ele está ciente de que os maiores ataques contra a igreja vêm da própria igreja. Em janeiro de 2009, houve o caso em torno dos irmãos da Fraternidade Pio X. Em janeiro de 2010, a divulgação dos horríveis abusos cometidos por sacerdotes caídos. Agora, em janeiro de 2011, a ofensiva requentada dos teólogos contra uma marca essencial da Igreja Católica que visa a feri-la em seu íntimo. Veja bem: não são todos os críticos do celibato que são inimigos da igreja, O celibato não é um dogma. E, com efeito, nenhuma outra regra foi examinada tão intensivamente quanto ele. Como jovem teólogo, o atual papa também examinou criticamente essa questão. Em nossos três livros com entrevistas nós falamos detalhadamente sobre isso. No início de seu pontificado, principalmente, Bento XVI tornou o celibato um tema de discussão e deixou que a igreja universal decidisse sobre a questão. O resultado foi que há uma quantidade preponderante de argumentos não contra o celibato, e sim a favor dele. Os adversários também sabem disso, e isso os deixa mais furiosos ainda.
Não é mais permitido discutir sobre o celibato?
É permitido, sim. Mas não sempre e em todas as ocasiões. Talvez se devesse voltar a verificar a questão daqui a dez anos. Mas por ora ela está decidida. Ponto final. E é preciso aceitar isto. Para o bem da igreja. Para o bem de todos. Nós não podemos ficar levantando a mesma questão incessantemente, como pacientes do mal de Alzheimer. Isto seria como se o Partido Social-Democrata discutisse ininterruptamente apenas sobre o salário mínimo, só que há muito já existem resoluções inequívocas do partido a respeito disso. Quem hoje se opõe tenazmente a isso é um promotor de cisão. Coloca deliberadamente a unidade da igreja universal em jogo – em favor de um caminho para o qual não existe defesa convincente nem maioria. Sob este papa definitivamente não haverá um abrandamento nesta questão. "O celibato", nas palavras do papa, "é um grande sinal da fé, da presença de Deus no mundo." Seria loucura total abrir mão disso numa época tão distante de Deus que necessita com urgência de sinais como esse.
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"Quem semeia ventos colhe tempestades". Entrevista com Peter Seewald - Instituto Humanitas Unisinos - IHU