11 Janeiro 2011
Mesmo com 12 mil ONGs operando no país, não se evitou um surto de cólera, que deixou mais de 3.000 mortos, constata Tyler Fainstat, diretor-executivo da ONG Médicos Sem Fronteiras no Brasil, em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 12-01-2011.
Eis o artigo.
Há exatamente um ano o mundo assistia comovido à tragédia que se abatia sobre o Haiti com o terremoto que matou mais de 200 mil pessoas e deixou outras 1,5 milhão desabrigadas.
Mesmo para uma organização como o Médicos Sem Fronteiras (MSF), que acumula quase 40 anos de experiência em situações catastróficas, o cenário era impressionante. Foi a maior emergência já enfrentada por nós.
Perdemos 12 pessoas da equipe de 800 profissionais que já trabalhavam no Haiti desde 1991.
Alguns se feriram; outros perderam seus familiares e amigos; e muitos ficaram desalojados.
Essas pessoas driblaram as suas dores rapidamente e, apenas minutos depois do terremoto, já atendiam as primeiras vítimas em locais improvisados.
Transformaram estacionamentos e ruas em grandes hospitais a céu aberto, já que dois dos nossos três hospitais haviam sido destruídos.
Ao redor do mundo, a reação das pessoas também foi proporcional à magnitude do terremoto. Milhares de dólares foram arrecadados para a emergência.
Atualmente, o Haiti abriga um dos maiores e mais ricos esquemas de ajuda humanitária do mundo. Estima-se que 12 mil organizações não-governamentais estejam hoje no país. No entanto, mais de um milhão de pessoas vivem em tendas, em condições deploráveis.
CÓLERA
O surto de cólera que o país vem enfrentando desde outubro do ano passado é a triste constatação da falha da ajuda humanitária.
Com tantas organizações atuando no país, como uma doença tão facilmente tratada e controlada pode ter causado a morte de mais 3.000 pessoas?
Depois do terremoto, pouco se fez para melhorar o saneamento no país, o que permitiu a propagação da cólera num ritmo vertiginoso.
Dez dias após o surto que atingiu Porto Príncipe, os habitantes de Cité Soleil, a maior favela da capital, ainda não tinham acesso a água potável clorada, embora várias organizações do grupo de água e saneamento coordenado pela ONU tenham captado recursos para isto.
INCOERÊNCIAS
O surto revelou incoerências como as campanhas de combate à cólera que "educavam" os haitianos para que eles lavassem as mãos antes de comer, sem levar em conta que, mesmo antes do terremoto, apenas 12% dos 9,8 milhões de haitianos tinham acesso à água tratada, de acordo com Centros de Controle de Doenças dos Estados Unidos.
É claro que é fundamental levar educação para a população, mas é preciso também haver investimentos em infraestrutura de água e de saneamento.
O surto de cólera no Haiti deixou claro que a comunidade humanitária, em geral, não foi capaz de evitar mortes desnecessárias.
Ainda há muito por fazer por uma população tão tragicamente afetada por uma catástrofe atrás da outra.
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Haiti. Resposta humanitária teve incoerências - Instituto Humanitas Unisinos - IHU