14 Setembro 2010
Autor da dissertação Sustentabilidade Ambiental do Etanol no Estado de São Paulo, Antonio Juliani concedeu, por email, a entrevista a seguir à IHU On-Line onde fala de sua pesquisa e nos dá um panorama da produção de etanol na região analisada. “O que me motivou também foi a necessidade de estudos científicos sobre o tema da sustentabilidade ambiental dos biocombustíveis no Brasil. Tanto o etanol quanto o biodiesel estão carentes de pesquisas que investiguem a sustentabilidade de suas cadeias produtivas”, explica Juliani.
Antonio Juliani é analista de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) e da Secretaria de Comércio Exterior (SECEX). É pesquisador do Centro de Desenvolvimento Sustentável (CDS) da Universidade de Brasília.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Qual foi a sua motivação para pesquisar o tema do etanol?
Antonio Juliani – Foram várias as motivações que me fizeram elaborar essa pesquisa. A primeira dela está relacionada com minha origem. Sou de Santa Rita do Passa Quatro, interior do estado de São Paulo que está localizada na região central do estado que se dedica à cultura da cana-de-açúcar há muito tempo. Cresci muito próximo dos canaviais, meus amigos na escola moravam nas usinas de cana-de-açúcar e minha família trabalhou, durante certo tempo, na década de 1970, para os usineiros da região.
Outra motivação está relacionada com o fato de ser Analista de Comércio Exterior, lotado na Secretaria de Comércio Exterior (SECEX), do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) e poder participar na condição de representante do MDIC, em reuniões no Ministério das Relações Exteriores (MRE). O assunto principal trabalhado dizia respeito às exigências de cunho ambiental que estão sendo feitas por mercados mais exigentes do mundo para provar a sustentabilidade da produção do etanol no Brasil para que esse biocombustível possa ser exportado para mercados como União Européia e Estados Unidos, dentre outros.
Por fim, o que me motivou também foi a necessidade de estudos científicos sobre o tema da sustentabilidade ambiental dos biocombustíveis no Brasil. Tanto o etanol quanto o biodiesel estão carentes de pesquisas que investiguem a sustentabilidade de suas cadeias produtivas.
IHU On-Line – A sua pesquisa constatou que os municípios produtores de etanol no estado de São Paulo não praticam um tipo sustentável de lavoura e nem conseguiram melhorar seu desenvolvimento socioeconômico. O senhor pode detalhar essas conclusões?
Antonio Juliani – A pesquisa foi feita levando-se em consideração os 306 municípios paulistas que estão envolvidos com a produção do etanol e que possuem plantações de cana-de-açúcar acima de cinco mil hectares. Ressalto que o número total de municípios do estado de São Paulo é de 645.
Não utilizei em meus estudos a informação relacionada com a existência nesses municípios de usinas, de destilarias. Dessa forma, pode ser que um determinado município tenha plantações de cana-de-açúcar, mas não seja necessariamente, produtor de etanol, por não possuir em seu município, uma unidade produtiva. Podemos destacar três grupos de municípios para análise.
O grupo I é formado por alguns dos principais municípios produtores de etanol no estado de São Paulo (com usinas em seus municípios) como Ribeirão Preto, Araraquara, Barretos, Guaíra, Piracicaba, Jaboticabal, Lençóis Paulista, Araçatuba, Bebedouro, São Carlos, Araras, Sertãozinho, dentre outros. Na realidade, somam 44 municípios e apresentam excelentes indicadores socioeconômicos, com alta renda, ótimos índices de escolaridade e de longevidade e baixos índices de vulnerabilidade social. Porém, os indicadores de sustentabilidade ambiental foram considerados intermediários. A sustentabilidade ambiental desses municípios não acompanha o nível de sustentabilidade socioeconômica apresentada pelos mesmos, que é muito mais elevada.
O nível de sustentabilidade ambiental encontrado, ressalta-se que está diretamente ligado aos indicadores ambientais que foram escolhidos para a consecução da pesquisa e a metodologia utilizada. Os indicadores ambientais escolhidos foram:
• indicador Ambiental I (Indicador de Vegetação Natural + Indicador de recomposição da vegetação nativa e manutenção de áreas verdes);
• indicador Ambiental II (Indicador de existência de Unidade de Conservação Ambiental Municipal + Indicador de existência de Legislação Ambiental municipal específica);
• indicador de Recursos Hídricos (qualidade da água);
• indicador de Qualidade do Ar;
• indicador da concentração municipal da cultura da cana-de-açúcar;
• indicador do nível de mecanização da colheita de cana-de-açúcar;
• indicador de adequação ao Zoneamento Agroambiental para o setor sucroalcooleiro do estado de São Paulo e;
• indicador de Uso de Adubação Verde.
O grupo II é formado por municípios que não são os produtores de etanol, mas que possuem extensas plantações de cana-de-açúcar em seus territórios, soma 44 municípios e apresentou níveis de sustentabilidade ambiental e níveis socioeconômicos, intermediários. São aqueles municípios que geralmente abastecem com cana-de-açúcar, as grandes destilarias do estado de São Paulo, que estão localizadas geralmente em municípios próximos e que são grandes produtores de etanol. Nesses municípios percebe-se que os indicadores sócios econômicos são intermediários, com renda, escolaridade e longevidade razoáveis, porém com altos índices de vulnerabilidade social, o que pode nos levar a concluir que a distribuição de renda nesses municípios é deficitária.
No grupo III estão os 218 municípios restantes, dos 306 analisados e é formado por municípios que apresentam baixos níveis de sustentabilidade ambiental associados com baixos níveis de desenvolvimento socioeconômico. Geralmente possuem pequenas plantações de cana-de-açúcar e grande vulnerabilidade social, mas que podem não estar diretamente associadas à cadeia produtiva do etanol. São inúmeros os fatores que contribuem para que esses municípios não alcancem o nível socioeconômico alcançados pelos municípios pertencentes aos outros grupos de análise.
A conclusão para essa pergunta é que os municípios produtores de etanol no estado de São Paulo possuem excelentes indicadores socioeconômicos (renda + longevidade + escolaridade + vulnerabilidade social), porém os indicadores de sustentabilidade ambiental são intermediários e não acompanham o bom nível dos indicadores socioeconômicos.
IHU On-Line – O senhor utilizou como indicadores para sua pesquisa o Índice Paulista de Responsabilidade Social (IPRS) e o Índice Paulista de Vulnerabilidade Social (IPVS). Pode explicar esses índices e como se deu a coleta de dados? Chegou a realizar pesquisa de campo?
Antonio Juliani – O IPRS foi elaborado pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE) por solicitação da Assembléia Legislativa do estado de São Paulo (ALESP). É sistema de indicadores socioeconômicos referentes a cada município do estado de São Paulo e que tem por objetivo subsidiar a formulação e avaliação de políticas públicas na esfera municipal.
O IPRS, assim como o IDH, reconhece a insuficiência da renda per capita como único indicador das condições de vida de uma população e considera que outras dimensões devem ser incluídas para a mensuração do desenvolvimento. Incorpora as dimensões da longevidade e da escolaridade de forma mais abrangente e não utiliza a média aritmética para obter seus resultados. Para cada uma das dimensões consideradas pelo índice foi criado indicador sintético que permite a hierarquização dos municípios paulistas de acordo com sua situação. Os três indicadores sintéticos são expressos em escala de 0 a 100, constituindo-se em combinação linear de conjunto específico de variáveis.
A abordagem metodológica do IDH não é usada na construção dos grupos de municípios do IPRS, pois se partiu do pressuposto de que a mensuração da qualidade de vida deve considerar vários aspectos insubstituíveis entre si. Dessa forma, não seriam passíveis de hierarquização. Tal opção deve-se ao fato de que o objetivo do IPRS não é apenas chamar a atenção para os vários aspectos da vida não contemplados pelo PIB, mas também proporcionar ferramenta analítica que revelasse a situação de cada um dos municípios paulistas nas dimensões centrais do desenvolvimento humano.
Constitui assim, instrumento de avaliação da situação dos municípios que aponta diretamente para as oportunidades, os limites e os desafios existentes. Em outros termos, buscou-se, com o IPRS, a construção de um instrumento de gestão pública. Para tanto, o IPRS sintetiza as três dimensões que o compõem, agrupando os municípios paulistas segundo a similaridade de suas situações. A partir da aplicação de uma análise de agrupamentos (Cluster analysis), foram identificados cinco grupos de municípios, definidos de acordo com a tabela abaixo:
Critérios Adotados para Formação dos Grupos de Municípios do IPRS.
O IPVS foi criado para complementar o IPRS pela Assembléia Legislativa do estado de São Paulo (ALESP) e pela Fundação Sistema Estadual e Análise de Dados (SEADE).
Trata-se de indicador que permite ao gestor público e à sociedade, visão detalhada das condições de vida dos municípios paulistas, com identificação e localização espacial das áreas que abrigam os segmentos populacionais mais vulneráveis à pobreza.
Baseia-se na pressuposição de que as múltiplas dimensões da pobreza precisam ser consideradas em estudo sobre vulnerabilidade social e para isso criou tipologia de situações de exposição à vulnerabilidade que expressa tais dimensões e que agrega aos indicadores de renda outros indicadores referentes à escolaridade e ao ciclo de vida familiar.
Leva em consideração o fato de que a segregação espacial é fenômeno presente nos centros urbanos paulistas e contribui para a permanência dos padrões de desigualdade social que os caracteriza. Utiliza método de identificação de áreas segundo os graus de vulnerabilidade de sua população residente e gera instrumento de definição de áreas prioritárias para o direcionamento de políticas públicas, em especial as de combate à pobreza.
O IPVS introduz a dimensão espacial na operacionalização do indicador de vulnerabilidade social a partir das características de indivíduos e famílias nela residentes. O local de residência de pessoas e famílias é resultado e influencia suas condições de vida. Considera todos os setores censitários do estado que foram classificados pelo IBGE para o Censo Demográfico 2000, como não especiais ou aglomerados subnormais. Os setores censitários correspondem à unidade de coleta do Censo Demográfico, sendo definidos como agrupamento contíguo de aproximadamente 300 domicílios.
O referido indicador consiste em tipologia derivada de combinação entre duas dimensões – socioeconômica e demográfica – que classifica o setor censitário em seis grupos de vulnerabilidade social, denominada Índice Paulista de Vulnerabilidade Social (IPVS), de acordo com a tabela abaixo:
IHU On-Line – Pode-se afirmar que as populações dos municípios que produzem etanol são mais pobres do que de outros municípios? O etanol é acompanhado pela pobreza?
Antonio Juliani – Minha pesquisa também analisou os municípios paulistas que não estão envolvidos com a cadeia produtiva do etanol, ou seja, aqueles que possuem plantações com cana-de-açúcar em seus territórios ocupando no máximo cem hectares de área. Convencionou-se na Dissertação que esses municípios seriam denominados de não produtores de etanol e somam 127 municípios.
Esse grupo de não produtores foi comparado com o grupo de municípios envolvidos com a cadeia produtiva do etanol – 306 municípios. No grupo de não produtores foram identificados 52 municípios com excelente nível socioeconômico e baixa vulnerabilidade social, o que corresponde a 41,30% dos municípios. Enquanto que no Grupo dos 306 municípios envolvidos com a cadeia do etanol foram identificados 44 municípios com excelente nível socioeconômico e baixa vulnerabilidade social, que corresponde a 14,40% dos municípios.
Ainda comparando os dados, 59 municípios dos 127 não produtores apresentam baixos índices socioeconômicos, o que corresponde a 47% dos municípios. Enquanto que 218 municípios dos 306 que estão envolvidos com a cadeia produtiva do etanol apresentam baixos índices socioeconômicos, correspondendo a 71% do total. De acordo com a aplicação do IPRS e do IPVS nos municípios paulistas que não produzem etanol e naqueles que estão envolvidos com a sua produção, conclui-se que os níveis socioeconômicos dos não produtores são mais elevados do que os níveis encontrados no grupo dos municípios envolvidos com a produção do etanol.
IHU On-Line – Sob a perspectiva ambiental, quais são os principais aspectos que merecem ser destacados?
Antonio Juliani – De acordo com os indicadores utilizados na pesquisa e o resultado da análise do Índice de Sustentabilidade do Etanol (ISE) elaborado a partir desse estudo, concluo que os principais aspectos ambientais que merecem ser destacados são:
1- Necessidade de maior envolvimento local, das prefeituras dos municípios que estão envolvidos com a cadeia produtiva do etanol no estado de São Paulo. Principalmente, no que diz respeito ao desenvolvimento de ações ou programas voltados para a manutenção de áreas verdes ou recomposição de vegetação nativa (matas ciliares e manguezais, por exemplo), incentivo do uso reacional da água, proteção das nascentes ou despoluição e limpeza de córregos e rios. Além da elaboração de legislação municipal específica para controle de poluição atmosférica.
2- Necessidade de criação de Unidades de Conservação Ambiental Municipal (UCAM) com o objetivo de proteger e preservar os ecossistemas em seu estado natural e primitivo, onde os recursos naturais são passíveis de uso indireto sem consumo. Ressalta-se que a inexistência de UCAM foi constatada em 265 municípios dos 306 analisados na pesquisa, correspondendo a 86,60% do total.
3- Necessidade de diminuição de fertilizantes minerais nas plantações de cana-de-açúcar devido à degeneração dos solos, contaminação de rios e lençóis freáticos e perda da fauna local, principalmente. É necessário que se valorize a adubação verde nas plantações de cana-de-açúcar no estado de São Paulo e nos outros estados brasileiros produtores de cana-de-açúcar para que o uso de fertilizantes seja reduzido nas atividades agrícolas do país.
4- Necessidade de diminuição da concentração das plantações de cana-de-açúcar nos municípios paulistas envolvidos com a cadeia produtiva do etanol. Enfatiza-se que esse indicador foi calculado utilizando-se a área ocupada comas plantações de cana-de-açúcar e a área total cultivada por cada município.
Dos 306 municípios avaliados, 113 apresentaram concentração das plantações de cana acima de 50%, enquanto que 48 municípios apresentaram concentração acima de 40%. Dessa forma, 161 municípios (52,60% do total) apresentaram concentração acima de 40%, evidenciando saturação dessa atividade nesses municípios.
Vale ressaltar que a maioria dos grandes produtores de etanol paulistas está entre os municípios que apresentam concentração muito alta de cana-de-açúcar em seus territórios sinalizando saturação em algum deles como: Morro Agudo, Guaíra, Araraquara, Jaboticabal, Ribeirão Preto e Sertãozinho, dentre outros.
Entende-se que a monocultura traz agravantes ambientais como o empobrecimento dos solos com o tempo e a redução da biodiversidade local, além do agravamento de problemas sociais relacionados com a redução do uso da mão de obra no campo e a expulsão das populações rurais para os centros urbanos prejudicando a agricultura familiar e a sustentabilidade das cidades.
Necessidade de eliminação do fogo nas lavouras de cana-de-açúcar do estado de São Paulo. A safra paulista de cana-de-açúcar vai de maio a novembro, coincidindo com período de baixas precipitações pluviométricas e piores condições de dispersão de poluentes atmosféricos. Dessa forma, aumentam as chances de as queimadas terem impactos negativos sobre a qualidade do ar e sobre a saúde das pessoas que vivem nas regiões canavieiras.
IHU On-Line – A sua pesquisa chegou a abordar a realidade dos trabalhadores do corte de cana?
Antonio Juliani – Não, infelizmente, não consegui abordar tão relevante assunto, principalmente pela pequena disponibilidade de dados e a impossibilidade de desenvolver trabalho de campo.
IHU On-Line – Qual é a interpretação, percepção das pessoas que vivem nos municípios sobre o etanol? E o poder local, os prefeitos, como avalia a economia do etanol em seus municípios?
Antonio Juliani – Conheço um pouco essa percepção pelo fato de ter vivido muito tempo em região canavieira no interior de São Paulo, mas não teria valor científico. Quanto ao poder local, por meio dos indicadores utilizados, percebe-se a necessidade de maior envolvimento, principalmente das prefeituras, em ações e programas voltados para a conservação dos recursos naturais além da criação de secretarias específicas para o meio ambiente. Não é comum você encontrar secretaria de meio ambiente na estrutura do poder municipal e essa é uma demanda necessária.
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Os caminhos do etanol. Entrevista especial com Antonio Juliani - Instituto Humanitas Unisinos - IHU