21 Junho 2010
O estudo Impactos da mudança do clima na produção agrícola partiu do atual zoneamento de riscos agrícolas do Brasil para prever o cenário que a agricultura brasileira viverá, em alguns anos, em decorrência do aquecimento global. O professor Hilton Silveira Pinto participou da pesquisa que revelou, por exemplo, que o nordeste vai sofrer tamanho impacto que passará a ser uma região árida, e não mais semiárida, causando intensa desertificação nesses estados. “O Ceará, por exemplo, perderá cerca de 80% da área agricultável, o que faz com que a própria alimentação e subsistência agrícola sejam um problema para o nordeste, causando migrações bastante grandes”, apontou.
Em entrevista à IHU On-Line, realizada por telefone, Hilton trouxe alguns dados do estudo, comparou-o com o relatório Stern e apresentou cenários que o Brasil pode viver se nada fizer em relação às mudanças climáticas. “Gestores ou mesmo políticos ligados à agricultura brasileira, em sua maioria, não acreditam ou não estão tomando qualquer providência sobre isso. Alguns dirigentes de instituições e inclusive da própria meteorologia ainda têm dúvidas quanto ao problema. O que é muito ruim porque isso significa que não há um movimento de prevenção”, disse.
Hilton Silveira Pinto é Engenheiro Agrônomo pela Universidade de São Paulo, onde também fez especialização em Engenharia Rural e mestrado em Geografia. É doutor em Agronomia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho e pós-doutor pela University Of Guelph (Canadá). Atualmente, coordena o projeto de pesquisa sobre Mudanças Climáticas e Agricultura do Brasil para a Foreign and Commonwealth Office, da Embaixada Britânica no Brasil. Também colabora na área de meteorologia e climatologia do Hospital Albert Einstein (SP) e é pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária e da Universidade de Campinas.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O senhor pode nos explicar no que consiste e os objetivos do estudo “Impactos da mudança do clima na produção agrícola”?
Hilton Silveira Pinto – Esse estudo foi dividido em duas partes: uma tinha como objetivo ver se as principais culturas agrícolas do país iriam aumentar ou diminuir se nada for feito daqui pra frente. No segundo momento, o objetivo era fazer uma estimativa de quanto essas conseqüências vão custar em termos econômicos para o país.
IHU On-Line – E qual é a importância desse estudo para a agricultura brasileira?
Hilton Silveira Pinto – O trabalho teve uma significação muito grande para a agricultura brasileira desde seu início, quando ocorreu o estabelecimento do chamado zoneamento de riscos agrícolas do Brasil. O zoneamento de riscos climáticos brasileiro significa que nós temos uma integração com cada município do país sobre o que plantar, onde plantar e quando plantar. O que fizemos com isso? Transportamos o conhecimento sobre a geografia agrícola brasileira de hoje para fazer pensar num cenário futuro para 2020, 2030, 2050, de forma que possamos estimar quais seriam os prejuízos que algumas culturas teriam e quais seriam as vantagens de outras culturas, no futuro, em função do aquecimento global.
A única questão que temos pendente é a credibilidade. Isso é muito ruim porque, no Brasil, hoje, fala-se muito em financiamento de pesquisas que atuem sobre a questão do aquecimento global, mas age-se muito pouco. As empresas financiadoras de pesquisas no Brasil estão investindo muito pouco neste problema. E isso é ruim porque certamente nós teremos um problema futuro que dever[a custar para o Brasil algo ao redor de um trilhão de reais para que isso fosse reposto depois, daqui há 10 ou 20 anos. Um investimento prévio poderia eliminar este problema.
IHU On-Line – De que forma seu estudo mede o impacto do aquecimento global na economia brasileira?
Hilton Silveira Pinto – Hoje, no Brasil, temos conhecimento de quais culturas agrícolas se desenvolvem com núcleo econômico em cada município do país. As políticas públicas de cada cidade diz o que, onde e como plantar. Assim, no estudo, utilizamos esses dados para entender qual seria o zoneamento agrícola no futuro. Usamos 2010 como base para nossa pesquisa e, a partir dos cálculos que fizemos, vimos que só na área de grãos, o Brasil perderá, por ano, 7,5 bilhões de reais. Mas a cana passará por um superávit de 27 milhões de reais por ano.
IHU On-Line – E é no sentido econômico que o estudo se assemelha ao Relatório Stern?
Hilton Silveira Pinto – Sim. Quando nós recalculamos todos os valores que tínhamos aqui, no Brasil, chegamos ao seguinte resultado: provavelmente, em 40 anos, vamos perder um PIB inteiro. Isso significa que teremos algo próximo a 2,5% de queda na produção brasileira se nada for feito até lá. Esse é um número muito parecido com o do Relatório Stern. Ou seja, a indicação é que se a gente investir cerca de 2,5% do PIB agrícola brasileiro, conseguiremos manter pelo menos o plantel que temos de variedades de métodos para mitigação e assim por diante.
IHU On-Line – O senhor pode apresentar um quadro dos principais impactos das mudanças do clima na agricultura brasileira nas próximas décadas?
Hilton Silveira Pinto – Se nada for feito em relação aos grãos de modo geral, em 2020, já teremos um grande prejuízo, algo em torno de 95% dos grãos do Brasil. O calor gerado pelo aquecimento fará com que a produção agrícola de grãos diminua, ano a ano, radicalmente até 2020.
IHU On-Line – Que culturas podem ser extintas nesses dez anos e quais podem se manter?
Hilton Silveira Pinto – Extinta nenhuma delas. Algumas regiões podem perder algumas culturas. O café, por exemplo, pode dimuinuir muito em São Paulo e Minas Gerais e aumentar no Paraná e no Rio Grande do Sul. A cana pode aumentar algo em torno de 170% até 2020 e, depois, em função do aumento da temperatura e da diminuição da água disponível para agricultura, tende a diminuir bastante.
IHU On-Line – A conclusão do estudo de que, nas próximas quatro décadas, o Nordeste poderá deixar de ser uma área semiárida para se tornar uma área árida, caminhando para uma desertificação completa terá que impactos na agricultura?
Hilton Silveira Pinto – De um modo geral, o nordeste brasileiro não é muito significativo em termos de produção agrícola. A produção nessa região é muito voltada para a agricultura familiar, de uso interno. Até certo ponto, isso é muito problemático, porque como o calor vai aumentando, a falta d’água também será maior, e a região passará a ser uma área árida. O Ceará, por exemplo, perderá cerca de 80% da área agricultável, o que faz com que a própria alimentação e subsistência agrícola sejam um problema para o nordeste, causando migrações bastante grandes.
IHU On-Line – Um novo movimento de migração pode surgir?
Hilton Silveira Pinto – Exato. Primeiro, em busca de novos trabalhos na área da agricultura. Segundo, porque a alimentação de subsistência vai ficar muito difícil. Alguns estados do nordeste sofrerão um processo intenso de desertificação. Com isso, a população rural migrará ainda mais para outros estados em busca de serviços e de novas culturas.
IHU On-Line – O senhor avalia que o agronegócio brasileiro tem consciência do tamanho da problemática ou é cético sobre os prognósticos da crise climática?
Hilton Silveira Pinto – Gestores ou mesmo políticos ligados à agricultura brasileira, em sua maioria, não acreditam ou não estão tomando qualquer providência sobre isso. Alguns dirigentes de instituições e inclusive da própria meteorologia ainda têm dúvidas quanto ao problema. O que é muito ruim porque isso significa que não há um movimento de prevenção.
A produção de uma variedade demora dez anos. E se não fizermos nada hoje, por exemplo, em relação à produção de variedades, daqui a dez anos, nós não teremos nenhuma solução para o problema que certamente vai acontecer. Quem tem trabalhado conosco acredita no problema e tem tentado desenvolver alguns projetos em termos de manejo agrícola e em termos de assistência técnica, pensando no futuro.
IHU On-Line – No estudo, o senhor fala em perdas econômicas. De que forma as mudanças climáticas podem influenciar na economia brasileira nessas próximas décadas?
Hilton Silveira Pinto – Vamos imaginar uma cultura típica do Rio Grande do Sul, no caso a soja. O problema com a soja seria o seguinte: o RS deixaria de produzir soja quase que de imediato, e o prejuízo brasileiro de perda com a soja daqui a dez anos é estimado em quatro bilhões e meio de reais por ano. Veja que isso é uma queda de produção do segundo produto de exportação que nós temos. Se pensarmos o café, por exemplo: a diferença de área com potencial de produção desse produto no Brasil leva a um cálculo de perda de quase 900 milhões de reais por ano em função destas áreas de potencial.
IHU On-Line – O que precisa ser feito imediatamente para mitigar as consequências climáticas na agricultura brasileira?
Hilton Silveira Pinto – Tem dois aspectos que devem ser considerados seriamente. Nossos dirigentes têm que se conscientizar que o problema pode ser resolvido de forma tranquila. Primeiro: nós temos que desenvolver variedades que sejam tolerantes à seca e a altas temperaturas. Isso tem um preço. Cada variedade custa, para o Brasil, um milhão de reais por ano. O desenvolvimento de tecnologia e o melhoramento agrícola têm que ser reforçados no Brasil. Segundo: temos que fazer um remanejamento, um aumento de tecnologia agrícola para integrar pecuária e lavoura.
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Os impactos da mudança do clima na produção agrícola. Entrevista especial com Hilton Silveira Pinto - Instituto Humanitas Unisinos - IHU