31 Março 2010
O cardeal Carlo Maria Martini entra na sala do instituto para jesuítas não distante de Gallarate. Mas ele logo fala de Jerusalém: "Da minha janela, eu via toda a Cidade Velha, seguia os lugares da Paixão. Agora, vejo esse panorama com o Espírito". Ele se apoia em uma bengala, com sua figura alta e elegante, o perfil mais sutil. Idade e doenças são mantidas sob controle pelo carisma, assim como foi com o Papa Wojtyla. No cardeal Martini, a fragilidade do tempo é exaltada pela força da fé e da razão.
Encontramo-nos com ele para discutir sobre novas tecnologias, cultura, ideias e religião no tempo da Internet, das redes sociais e do Twitter. Martini se senta sob um grande Crucifixo, e o olhar do célebre biblista logo se revela confortável com os monitores mais amados pelos nossos filhos.
A reportagem é de Gianni Riotta, publicada no jornal Il Sole-24 Ore, 26-03-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
Cardeal Martini, há duas passagens do Evangelho de João que voltam frequentemente à mente nestes dias de novas tecnologias, de novas mídias: "Conhecereis a verdade, e a verdade vos fará livres", e outra que diz, ao invés, mais sombriamente: "Os homens preferem as trevas à luz", palavras que Leopardi coloca em "La ginestra". Quando o senhor olha para as novas mídias, fica mais animado pela esperança de que conhecer a verdade nos torna livres ou mais preocupado pela escolha das trevas?
Fico mais contente porque as mídias existem, são muito ampliadas: eu mesmo as uso com muito gosto, por isso, me move mais a confiança de que as mídias podem criar pontes entre as pessoas. Depois, elas também podem ser mal usadas, mas o objetivo de comunicar é muito bonito.
No seu livro "Il lembo del mantello", há já alguns anos o senhor falava da televisão e do rádio como elementos de um Cântico das Criaturas da comunicação do nosso tempo. A Internet e as novas mídias podem fazer parte desse universo?
Sim, certamente fazem parte, porque o projeto de Deus é um projeto comunicativo, isto é, ampliar a comunhão entre os homens. E o projeto eterno de Deus é uma grande comunhão de todos com todos, portanto, certamente essas mídias se inserem nesse projeto.
Quem tem menos de 20 anos tem mais intimidade com as imagens do computador do que com a palavra do livro. O senhor dedicou a sua vida à palavra da cultura e à Palavra da Fé. Essa passagem à imagem lhe preocupa?
Estou preocupado com os desvios culturais, porque o livro continua sendo fundamental, muito precioso, portanto é preciso tomá-lo nas mãos. Não estou muito preocupado pelo fato de que a Palavra (com "P" maiúsculo) passe também pelas diversas mídias. Assim, como diz Platão, a palavra é principalmente falada, é dita, mas isso não exclui que os livros tenham um grande valor.
A Wikipédia: uma enciclopédia online escrita por leitores. É muito bonito que as pessoas possam se reunir em um esforço cultural universal. Ao mesmo tempo, porém, há muitas vezes uma rejeição da autoridade, da experiência. Essa democracia da comunicação se torna perigosa se a autoridade na aprendizagem for renegada?
Eu uso frequentemente a Wikipédia porque me atualizo buscando usar o computador, e por isso vejo, pelo contrário, o seu lado positivo. Entende-se que isso pode ser mal usado e, assim, criar uma democracia que não seja a igualdade de todos, mas sim atitude negativa para com alguns. Mas os usos errados, sempre possíveis, não retiram importância dos bons usos.
As novas tecnologias são indispensáveis nos países em desenvolvimento. Na África, a Internet é utilizada nos hospitais com poucos médicos e nas escolas com poucos professores para difundir conhecimento. Como as novas mídias podem ser usadas nas zonas menos desenvolvidas?
Parece-me que, no mundo, principalmente na África, essas mídias são muito preciosas, porque colocam as pessoas, mesmo muito isoladas, em comunicação com um mundo mais vasto. Portanto, considero que é uma benção de Deus, que pode ser mal usada, mas as realidades que são difundidas são muito importantes e muito bonitas.
O século XIX foi um século da "mass media". O século XXI parece ser um século da "personal media": cada um cria a sua própria informação, busca o que quer online. Para vocês, homens da Igreja, que desafio é esse?
Acredito que o desafio consiste em encontrar um equilíbrio entre a comunhão de muitos e o valor pessoal de cada um. Parece-me que o desvio em favor da pessoa pode ser excessiva, mas se for equilibrada com uma comunhão então ela se torna uma possibilidade nova para o homem.
Falando da Internet, o senhor cita Platão. Hoje, muitos buscam os pais teóricos da Internet, e há quem cite o jesuíta Teilhard de Chardin ou o filósofo Walter Benjamin. Quando o senhor olha a Wikipédia pela manhã, em quem pensa? De quais teorias a Internet deriva?
Na verdade, não saberia dizer quais são as personalidades concretas, mas a Carta a Diogneto é muito importante, porque estabelece o papel do cristão na sociedade, e, por isso, acredito que as raízes estão muito distantes. Tudo o que leva a colocar os homens em comunicação é possível de ser utilizado, faz com que com esses instrumentos frutifiquem. [A Carta a Diogneto, texto cristão do século II de autor anônimo, diz que "os cristãos, de fato, não se distinguem dos outros homens, nem por sua terra, nem por língua ou costumes. Com efeito, não moram em cidades próprias, nem falam língua estranha, nem têm algum modo especial de viver. Sua doutrina não foi inventada por eles, graças ao talento e especulação de homens curiosos, nem professam, como outros, algum ensinamento humano. Pelo contrário, vivendo em cidades gregas e bárbaras, conforme a sorte de cada um, e adaptando-se aos costumes do lugar quanto à roupa, ao alimento e ao resto, testemunham um modo de vida social admirável e, sem dúvida, paradoxal. Vivem na sua pátria, mas como forasteiros; participam de tudo como cristãos e suportam tudo como estrangeiros. Toda pátria estrangeira é pátria deles, e cada pátria é estrangeira"].
O que mais lhe apaixonou na Internet?
Eu busco, por exemplo, a explicação de todas as pessoas ou os nomes que não conheço, também geográficos. Depois, uso muito o e-mail e às vezes recebo muitos: fico como submerso, então não levanto a cabeça facilmente. Mas encontro a possibilidade de comunicar com muitas pessoas em tantos lugares do mundo, rapidamente, e busco assim utilizar essa possibilidade.
É destes dias a notícia de que o Facebook superou o Google, isto é, que um lugar de encontro online superou um lugar de busca online. O senhor também está no Facebook com uma página sua.
Sim, é verdade. Eu ainda estou procurando compreender o Facebook, porque ele me foi oferecido muitas vezes. Eu também recebia pedidos de amizade, mas acima de tudo não respondo porque ainda não conheço bem o que acontece, mas certamente é muito bem-vindo como possibilidade.
Em todas as revoluções da comunicação, não importa mudar o instrumentos, é preciso mudar os conteúdos. Enquanto Gutenberg imprimia Bíblias em latim, mudou pouco. Foi quando ele começou a imprimir Bíblias em vulgata que chegou a revolução. Quais são os novos conteúdos para a Internet, segundo o senhor? Qual é a Bíblia em vulgata hoje?
Todos os velhos conteúdos clássicos, principalmente religiosos como a Bíblia, são muito importantes para a Internet. Eu posso ver a Internet e encontrar as passagens da Escritura com muita facilidade. Depois, acredito que os grandes clássicos devem ser postos na Internet: grandes clássicos como Platão, Aristóteles, como Alessandro Manzoni, como Dante Alighieri. Eles devem ser transmitidos pela Internet e podem ajudar muito a formação cultural das pessoas.
O senhor passou a sua vida em bibliotecas. Dê um conselho aos jovens que se sentam diante da Internet e têm uma biblioteca de todo o saber do mundo ao alcance das mãos.
É o mesmo que em uma biblioteca grande, onde é preciso um critério de escolha. Não posso ir a uma biblioteca e pegar os livros por acaso. Devo saber o que quero, qual é o caminho que eu devo seguir, quais são as pessoas que posso ouvir. Por isso, acredito que os jovens devem prestar muita atenção nos motivos da sua escolha.
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Martini: "Na Internet, eu me reencontro com os grandes e os esquecidos" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU