21 Novembro 2016
Papa Francisco é muitas vezes chamado de o "Papa das surpresas", por uma série de razões. Uma delas são suas escolhas inesperadas de clérigos para o grau de cardeal, como aconteceu com 16 bispos e um padre idoso no sábado, na Basílica de São Pedro.
Estes novos cardeais incluem prelados de 11 dioceses e seis países que nunca tiveram um cardeal, e de lugares fora do circuito Europeu tradicional em termos de influência eclesiástica: por exemplo, a Albânia, além da República Centro-Africana, Lesoto, Maurícia, Bangladesh, Malásia e Papua Nova Guiné.
A reportagem é de David Gibson publicado por Religion News Service, 18-11-2016. A tradução por Luísa Flores Somavilla.
Mas a verdadeira surpresa nessas escolhas, assim como em outras nomeações, é que elas foram uma surpresa para muitos dos próprios novos cardeais e colaboradores mais próximos do Papa.
Joseph Tobin, de Indianápolis, por exemplo, descobriu que teria a honra de vestir o chapéu vermelho nas primeiras horas da manhã do dia 9 de outubro, quando ligou seu iPad para fazer suas orações e viu a notícia de que o Papa tinha lhe incluído na lista dos novos cardeais anunciados no Vaticano.
"Estou sem palavras pela surpresa frente à decisão do Santo Padre", twittou Tobin, alguns momentos depois.
O Padre Ernest Simoni, um padre albanês de 88 anos de idade que passou anos na prisão e fazendo trabalho forçado durante a ditadura comunista, estava assistindo Francisco ler a lista na televisão e ficou surpreso ao ouvir o seu nome.
"Eu não acreditava no que estava vendo e ouvindo", disse Simoni à Reuters. "O Papa falou, mas eu não conseguia acreditar. 'Será que ele pode estar falando de outro Ernest?' eu me perguntei."
Enquanto cumpria sua agenda de compromissos, no início de 2015, o cardeal José Lacunza Maestrojuán, do Panamá - mais um país que nunca tinha tido um cardeal -, ficou sabendo de sua nomeação quando sua irmã, na Espanha, mandou uma mensagem a ele no serviço de mensagens instantâneas WhatsApp: "Você não tem nada para me contar?" ela escreveu. Lacunza pensou que seria muito "inusitado" e não acreditou nela, até receber um telefonema de um cardeal da vizinha Nicarágua, felicitando-o.
Então como Francisco encontra os candidatos e decide a quem conceder uma honra tão importante - o direito de votar em um conclave para escolher quem será o novo papa, dentre os próprios cardeais?
Se ele não está seguindo o costume normal de escolher os bispos das dioceses tradicionalmente "poderosas" e na Cúria Romana, então é preciso muito empenho para encontrar pessoas que representem a abordagem aberta e pastoral ao ministério que ele favorece, ou que tenham uma mensagem a transmitir sobre as prioridades da Igreja.
Ao que parece, o Papa Francisco prefere fazê-lo do seu próprio jeito.
Em mais de três anos de pontificado, é de conhecimento comum no Vaticano, e causa de certa frustração, que o Papa gosta de definir o seu próprio cronograma e dispensar os protocolos e formalidades habituais. Ele mantém a sua própria agenda, liga para quem quiser quando quiser, de seu próprio celular - e parece ser a sua própria empresa de recrutamento e seleção.
Analistas do Vaticano, e os registros de Francisco sobre a seleção dos 55 cardeais (44 deles com menos de 80 anos e aptos a votar em um conclave), em seus três consistórios desde a sua eleição, em 2013, indicam que o processo de análise do pontífice geralmente envolve três estratégias principais.
A primeira é que ele segue seu instinto. Francisco valoriza muito os encontros pessoais. No caso de Simoni, em sua visita à Albânia, em 2014, o Papa foi às lágrimas com a descrição do padre das duas décadas de prisão e tortura que sofreu por se recusar a renunciar à sua fé.
Tal fidelidade e humildade são qualidades que Francisco quer exaltar. Além disso, como cardeais de mais de 80 anos não podem votar em um conclave, sua nomeação a cardeal é mais uma honra pessoal do que uma indicação sobre quem poderia ser o próximo papa.
Em segundo lugar, Francisco tem um Rolodex mental, uma lista de contatos impressionante. Frequentemente, o Papa conhece os candidatos em potencial melhor do que eles supunham.
Tobin, por exemplo, disse que estava chocado que Francisco o tivesse escolhido, já que ele advinha de uma diocese relativamente pequena e sem grande expressividade. Na verdade, Papa Francisco gosta de honrar lugares fora do circuito tradicional como uma forma de mostrar que as "periferias" da Igreja importam mais do que os centros de poder. Além disso, o estilo pastoral de Tobin tem a ver com o do Papa.
Mas ao falar com repórteres no início deste mês, quando ele foi apresentado por Francisco como o novo líder da Arquidiocese Newark em Nova Jersey (também uma surpresa), Tobin contou uma história que indica o quão bem o Papa se lembra das pessoas.
O cardeal ordenado comentou que ele e Francisco - então cardeal Jorge Mario Bergoglio, de Buenos Aires - encontraram-se pela primeira vez durante uma reunião do Vaticano de uma semana, em 2005. Tobin fala espanhol fluentemente e, portanto, os dois estavam no mesmo grupo no Sínodo, e sentaram-se lado a lado.
Um dia, durante um coffee break, Tobin disse a Bergoglio que, por mais que estivessem felizes com a eleição do então Papa Bento XVI, que havia se tornado Papa alguns meses antes, após a morte de João Paulo II, "com toda a honestidade, cardeal, você era o candidato favorito da minha mãe". (Dizem que Bergoglio era um forte candidato naquele conclave de 2005.)
Bergoglio ficou surpreso ao ouvir isso. "Como é que a sua mãe me conhece?" — perguntou. Tobin explicou: "Bem, ela leu no jornal que você é quem faz a limpeza e cozinha suas refeições e que tem um carro simples. E, francamente, ela está farta dos príncipes da Igreja!"
Bergoglio riu, mas nunca esqueceu. Cinco anos mais tarde, quando Bento XVI escolheu Tobin para um cargo na Cúria Romana, o corpo administrativo papal, ele foi surpreendido ao receber uma breve nota de Bergoglio, na Argentina, dizendo que estava orando por ele e acrescentando: "Lembro-me de nossas conversas e do bom gosto de sua mãe".
Três anos mais tarde, em 2012, Tobin foi efetivamente exilado de Roma e enviado para Indianápolis, por ter discordado da investigação do Vaticano das religiosas norte-americanas sobre a ortodoxia doutrinária, que mostrou-se desastrosamente impopular.
Poucos meses depois, Bento XVI renunciou e Francisco foi eleito, e ele deixou bem claro que não gostou da forma como Tobin havia sido tratado. E agora, tornou-o cardeal.
O terceiro método do Papa Francisco para a seleção de pessoal é o sistema consagrado de indicações. A Igreja Católica é essencialmente uma aldeia global onde é incomum um clérigo ter seis graus de distância de outro.
"É óbvio que cada vez que ele pensa no próximo consistório" - a cerimônia formal de ordenação de cardeais - "o Papa procura informações sobre pessoas qualificadas", disse Andrea Tornielli, jornalista do Vaticano de longa data, do jornal italiano La Stampa.
O Papa pergunta a bispos e outras pessoas de sua confiança, disse Tornielli, especialmente se pretende chamar a atenção a uma área mais remota, sobre a qual sabe pouco, ou transmitir uma mensagem sobre um assunto específico, como na nomeação de um cardeal da devastada Síria para embaixador do Vaticano - também uma estreia para um diplomata do Vaticano.
"Todos os papas têm contatos e amigos aos quais pedem informações, para ter outros pontos de vista", disse Tornielli. "Isso não é novidade."
A especialidade de Francisco, no entanto, é fazer as escolhas finais ele próprio.
Alguns críticos se perguntam se a consulta do Papa Francisco é ampla o suficiente para evitar escolhas questionáveis. Outros temem que trazer tanta diversidade geográfica e cultural ao Colégio dos Cardeais de maneira tão rápida poderia dificultar sua atuação como um corpo coeso que tem de se reunir para aconselhar o Papa em determinados assuntos ou deliberar em conjunto quem será o novo pontífice.
Mas a opinião mais comum é que Francisco é um exímio caça-talentos, disposto e capaz de procurar até encontrar os candidatos mais importantes para o futuro da Igreja, em sua opinião.
Como disse Tobin: "Às vezes eu acho que o Papa Francisco vê muito mais em mim do que eu mesmo".
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Papa Francisco, o recrutador - Instituto Humanitas Unisinos - IHU