Por: Jonas | 26 Julho 2016
“Um documento papal de grande qualidade: ensinamento autêntico da sacra doutrina que nos leva à relevância contemporânea da palavra de Deus”. Foi assim que se expressou o cardeal Christoph Schönborn (foto) – em uma entrevista ao editor de La Civiltà Cattolica, Antonio Spadaro – a respeito da Exortação Apostólica Amoris Laetitia, a qual também avalia, “é claro”, como um ato do magistério.
Fonte: http://goo.gl/KJAiHP |
A reportagem é de Cameron Doody, publicada por Religión Digital, 23-07-2016. A tradução é do Cepat.
Para Schönborn – a quem o Papa Francisco considera um de seus mais fiéis intérpretes, já que confiou a ele e não ao cardeal Müller, Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, a apresentação do documento – “está claro” que na Amoris Laetitia “o Papa exerce seu papel de pastor, de mestre e professor da fé, após ter se beneficiado das consultas dos dois sínodos sobre a família”.
Para o arcebispo de Viena, a exortação apostólica sobre o amor na família está marcada pela “delicadeza de sua composição” e uma “quantidade ainda maior de detalhes que contém uma catequese rica”. O cardeal defende, na contramão de outras figuras de peso na Igreja, como os cardeais Burke e Caffarra, que o valor doutrinal do escrito se afirma de forma vigorosa e decisiva, e mais ainda quando Francisco escreve sobre a urgência de sua mensagem, a impossibilidade para a Igreja de manter a mesma leitura de alguns aspectos do mundo de hoje, ou quando o Pontífice se dirige à Igreja inteira.
'A Alegria do Amor’ é um ato do magistério que faz com que a doutrina da Igreja seja presente e relevante para hoje”, opina Schönborn. “E da mesma forma em que interpretamos o Concílio de Niceia à luz do Concílio de Constantinopla, e o Primeiro Concílio do Vaticano à luz do Segundo, agora temos que ler as declarações anteriores do magistério sobre a família à luz da contribuição da Amoris Laetitia”.
É que a chave da exortação apostólica reside, para o cardeal, em sua “profunda abertura à realidade”, para além do que qualifica como a “perspectiva abstrata doutrinária”. Na opinião de Schönborn, o Papa se opõe a toda domesticação e generalização “elitista” de princípios não conectados com a vida e o testemunho de cada um que se encontre com o Senhor “no caminho”, tal como demonstra a insistência do Pontífice em que o amor seja “artesanal” (n. 221), por exemplo – algo capaz de amadurecer, moldar ou se aprofundar –, e não alguma realidade preexistente que já vem perfeita.
De fato, para o Cardeal, esse é o cerne de todo o documento: os repetidos clamores do Papa, em chave “bíblico-realista”, pela essência da família como uma experiência vital, frente à “fria moral de escritório” (312) – com sua idealização do amor – que a Igreja veio pregando até aqui.
A especial contribuição de Francisco em sua exortação, segundo Schönborn, é a de ter levado em conta “a variedade infinita de situações concretas” nas quais as pessoas se encontram. Para além de uma mera mudança das “regras”, o que o Papa propôs é que sejam a consciência e o discernimento individuais – e não uma casuística abstrata ignorante das circunstâncias concretas e particulares de cada um – os que determinem se as consequências ou os efeitos das regras precisam ser sempre os mesmos (300).
“A complexidade das situações familiares, que já vai muito além daquilo ao qual estávamos acostumados nas sociedades ocidentais, há apenas algumas décadas, obrigou a uma visão mais criteriosa destas situações”, afirma Schönborn. Sutileza a qual o Papa chegou em seu desenvolvimento de uma ideia já contida na Familiaris Consortio, a exortação apostólica de São João Paulo II: que a situação “objetiva” de uma pessoa não revela tudo acerca de suas relações, nem com Deus e nem com a Igreja.
“Acredito que um ponto fundamental da elaboração de 'A Alegria do Amor’ é que todos somos chamados a pedir a misericórdia, a desejar a conversão”, continua Schönborn. De pouco servem, segundo o cardeal, hipostasiar problemas abstratos, e os discursos generalizantes, quando aquilo para o qual somos realmente chamados, no caso da recepção dos sacramentos, é “ao discernimento individual do corpo de Cristo”.
E mais uma vez o Papa Francisco nos leva ao miolo do assunto com sua leitura de 1Cor, 11, 17-34 (186), trecho no qual São Paulo medita sobre esta mesma questão: o que realmente significa “discernir o corpo”.
Como explica o cardeal Schönborn, assim como Paulo se dá conta, nesta passagem, de que alguém possa viver, de portas para fora, em conformidade com as “regras” – e ainda possa carecer deste dom vital do discernimento –, não podemos dar como fato, por outro lado, que uma pessoa que viva em uma “situação de pecado objetivo” não possa se beneficiar com a ajuda dos sacramentos.
Está aí, para o cardeal Schönborn – este chamado a um discernimento e uma misericórdia que somos obrigados a colocar em prática, ainda que nos levem a um desconcertante confronto com a realidade do mundo e a fragilidade inerente ao ser humano –, o verdadeiro propósito e valor da Amoris Laetitia. Aquele que talvez tenha sido quem melhor entendeu a revolução franciscana na Igreja nos recorda, nesta entrevista com Spadaro, que “o chamado à misericórdia nos orienta para a necessidade de sairmos de nós mesmos” – e de “nossas seguranças pré-fabricadas” – para podermos encontrar e estar reunidos com Jesus Cristo.
Nota da IHU On-Line:
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Christoph Schönborn: “É claro que a ‘Amoris Laetitia’ é um ato do magistério” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU