08 Julho 2016
Morte de aluno gay, negro e cotista na UFRJ é investigada como assassinato por homofobia. As conquistas das minorias estão incomodando?
A reportagem é de Débora Melo, publicada por CartaCapital, 08-07-2016.
Corpo de Diego Machado foi encontrado com marcas de violência e nu da cintura para baixo. Imagem publicada por CartaCapital.
Negro e homossexual, Diego Vieira Machado foi encontrado morto no último sábado no campus da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) na Ilha do Fundão, onde morava e cursava Letras. O corpo apresentava sinais de espancamento e estava nu da cintura para baixo. A principal linha de investigação da polícia aponta para assassinato por homofobia.
Machado, que tinha 29 anos, ingressou na universidade por meio do sistema de cotas e recebia bolsa de estudos. Uma amiga do estudante disse à imprensa que ele já havia sofrido ameaças e era vítima de preconceito também por ser nortista, do Pará. Além disso, em maio, um e-mail falsamente atribuído ao Sistema Integrado de Gestão Acadêmica da UFRJ trazia ofensas racistas e homofóbicas aos bolsistas.
“Sabemos a vida que vocês levam de baladas, drogas e promiscuidade. Tomem cuidado, observamos tudo e vamos contar tudo! Vamos começar por um certo alun@ que se diz minoria e oprimido por ser homossexual (...) Que gosta de mandar e receber nudes de seus amiguinhos pederastas (...) se acha afrodescendente e renega a sua educação cristã (...) Os gastos governamentais (bolsas, cotas etc) são desleais com quem contribui (...) não vamos ficar sustentando vocês para que vocês fumem seus baseadinhos”, dizia a mensagem, assinada por “Juventude Revolucionária Liberal Brasileira”.
A onda reacionária e os movimentos de direita que ganharam visibilidade a partir de junho de 2013 e se fortaleceram durante as eleições de 2014 e o processo de impeachment de Dilma Rousseff têm ganhado espaço também nas universidades.
De acordo com Wanderson Flor do Nascimento, professor do departamento de Filosofia da Universidade de Brasília (UnB), o aumento da intolerância no espaço acadêmico está estreitamente ligado ao empoderamento do discurso autoritário e, ainda, às recentes conquistas das minorias.
“A universidade foi e é, na maior parte de sua história, um espaço elitizado e que tinha a presença de ideias contra-hegemônicas apenas de forma marginal. A abertura recente das universidades públicas às classes populares através de políticas de acesso por reserva de vagas, entre elas as chamadas cotas, reduziu um pouco a hegemonia, mas não chegou a mudá-la. Entretanto, a reação a essas novas presenças foi impressionantemente potente”, diz Nascimento, que também é coordenador da Questão Negra da Diretoria da Diversidade (DIV) da UnB.
Em junho, o Instituto Central de Ciências (ICC) da UnB foi invadido por um grupo de extrema-direita que, carregando bandeiras do Brasil e aos gritos de “Bolsonaro presidente”, atacou os alunos com insultos racistas e homofóbicos e frases como “cotistas não passarão”. Para o professor Nascimento, a “defesa irresponsável de uma chamada liberdade de expressão” ajudou a mascarar e deu força aos discursos de ódio.
“Soma-se a isso a crítica tácita à ideia de equidade – que sustenta que, para atingirmos, de fato, a igualdade, devemos tratar as pessoas desiguais na razão de sua desigualdade – em favor de uma ideia abstrata de igualdade", diz. "O tratamento dado socialmente a determinadas pessoas culturalmente inferiorizadas as coloca em posição de desvantagem, e ignorar esse fenômeno é um dos pontos fortes desses discursos reacionários. Demandas de proteção para as populações vítimas do racismo e da homofobia são taxadas como privilégios”, afirma.
“O que não se assume é que esses direitos adquiridos por mulheres, pela população negra e pelas pessoas LGBT friccionam a hegemonia da presença masculina, branca, heterossexual e de classe média em espaços de prestígio, como a universidade”, continua Nascimento.
Estudantes protestaram em Brasília contra a criação da Lei de Cotas, em 2012 (Agência Brasil)
Um dos últimos bastiões da resistência às cotas raciais, por exemplo, é a Universidade de São Paulo (USP). Embora diversas unidades tenham aderido ao Sistema de Seleção Unificada (Sisu), que usa notas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e pode reservar vagas a alunos de escolas públicas e candidatos pretos, pardos e indígenas (PPIs) – não é obrigatório –, coletivos negros têm insistido na importância da reserva de vagas por meio de cotas raciais.
“A maior modalidade de ingresso continua sendo pelo vestibular da Fuvest. Nós não somos contra o Enem, mas achamos que é um método insuficiente para o ingresso de pessoas negras na universidade”, afirma Gabrielly Oliveira, 20 anos, estudante de Ciências Sociais e militante do coletivo "Por que a USP não tem cotas?"
Para Ramon Vilarino, 22 anos, que cursa Ciências Moleculares e integra o mesmo movimento, ampliar a presença de negros nos espaços acadêmicos significa ampliar a presença de negros no poder. “O progresso das cotas em outras universidades do País possibilitou que as pessoas negras tivessem voz e conseguissem pensar e falar sobre os próprios problemas. É complicado esperar que as pessoas brancas consigam entender e pensar políticas públicas eficientes para a população negra do Brasil”, afirma.
De acordo com o professor João Feres Júnior, coordenador do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (Gemaa) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), a resistência da USP às cotas raciais parte de uma concepção “elitista e racista”. “A USP é uma universidade conservadora. Eles entendem que, se mantiverem a entrada da universidade mais restrita à classe média branca, estarão ganhando com isso. É uma concepção elitista e racista”, diz.
Sobre o aluno assassinado na UFRJ, Feres Júnior diz acreditar que este é um caso isolado. “Eu acho que não dá para generalizar a partir de um caso uma tendência em relação às cotas ou em relação à diversidade”, diz. “Mas claro que existe uma insurgência da direita no Brasil. E quando a sociedade em geral se torna mais conflitiva, há um aumento do conflito também na universidade, que é parte da sociedade”, pondera.
A Faculdade de Letras da UFRJ afirma, em nota, que o campus tem “convivido com um aumento acelerado de atos violentos” assim como todo o Rio de Janeiro, mas que “há fortes indícios de que houve uma ação planejada” para matar Machado.
A Superintendência de Assuntos Estudantis da UFRJ, por sua vez, diz que “a violência urbana atinge de maneira desigual a população da nossa cidade e alguém com o perfil social do Diego – um estudante pobre, morador do alojamento da UFRJ, negro e homossexual – é um alvo em potencial”.
Em uma página no Facebook intitulada UFRJ da Opressão, seguida por cerca de 600 pessoas, um texto postado no dia seguinte à morte de Diego ironizava a hipótese de homofobia: “Pronta e morbidamente começaram a capitalizar o crime em prol da agenda 'viadista' que defendem”, diz a mensagem.
Reportagem publicada nesta semana pelo jornal The New York Times afirma que o Brasil está enfrentando uma “epidemia” de violência homofóbica. De acordo com levantamento feito pelo Grupo Gay da Bahia, quase 1.600 pessoas morreram em ataques motivados por ódio nos últimos quatro anos e meio no País.
Único parlamentar assumidamente homossexual no Congresso Nacional, o deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) tem cobrado das autoridades uma resposta para a morte de Machado na UFRJ. Para Wyllys, que é colunista de CartaCapital e professor universitário, o que acontece no espaço acadêmico está ligado à ascensão dos movimentos de direita no País, que reagem à visibilidade conquistada pelas minorias.
“Estamos vivendo um momento em que a intolerância tem crescido e que a extrema-direita tem buscado disputar a universidade. Não é que essas pessoas não existiam, elas estavam aí, mas agiam nos subterrâneos. Não havia ambiente político para elas expressarem a sua agenda. Mas, uma vez empoderada a extrema-direita, a passagem do discurso de ódio para os atos de ódio é muito curta”, afirma o deputado.
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Ódio na universidade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU