Por: Jonas | 29 Junho 2016
Atilio Borón é cientista político, sociólogo, analista internacional, pesquisador do Conselho Nacional de Investigações Científicas e Técnicas (CONICET) da Argentina. Escreveu grande quantidade de livros e artigos. E foi fonte de consulta de vários presidentes, entre eles Hugo Chávez e Fidel Castro. Nesta entrevista – que fará parte de um livro sobre pensadores de Nossa América –, Borón analisa a política dos Estados Unidos para a região e afirma que “sempre que a América Latina avançou um pequeno passo pelo caminho da unidade, a resposta norte-americana foi buscar uma forma de desarticular esse processo”, que lá os presidentes “não são os que decidem. É dito a eles o que precisam fazer e pronto. Alguns desobedecem. Kennedy desobedeceu e o mataram”.
A entrevista é de Héctor Bernardo, publicada por Rebelión, 28-06-2016. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Existe uma constante na política norte-americana para a América Latina?
É claro. E foi claramente estabelecida a partir de 1823, com a Doutrina Monroe, quando os Estados Unidos disseram: “A América para os americanos”. Na realidade, estavam dizendo: “A América para os norte-americanos”. Ratificaram essa postura no Congresso Anfictiônico, em 1826, quando os norte-americanos se opuseram abertamente e sabotaram essa primeira tentativa de integração latino-americana. Os Estados Unidos não tiveram nenhuma dúvida de que precisavam impedir a unificação das “nações tributárias”. Agiram assim ao longo de dois séculos. Sempre que a América Latina avançou um pequeno passo pelo caminho da unidade, a resposta norte-americana foi buscar uma forma de desarticular esse processo.
Fizeram isto com a tentativa da União Pan-Americana, em 1889-1890. No entanto, naquele momento, a Argentina se opôs a essas tentativas. Os governos argentinos daquela época eram conservadores, mas também eram anti-ianques. Sáenz Peña, representando o governo argentino, foi quem mais se opôs. O outro era Manuel Quintana e os dois, depois, foram presidentes. Eram membros da oligarquia, mas de uma oligarquia de um calibre diferente da que temos hoje. Depois, os Estados Unidos se opuseram à criação da Comissão Econômica para América Latina (CEPAL). Eles sabiam muito bem que na medida em que houvesse uma instituição que estudasse a problemática comum da América Latina, haveria um ímpeto muito grande nos esforços de integração latino-americana. Não puderam freá-la, mas a oposição foi evidente.
Nos anos 1960, quando surge a Revolução Cubana, eles criam o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e lançam a Aliança para o Progresso. Depois, tentaram avançar com a ALCA, quando isso fracassou, meteram os tratados bilaterais. Nesse momento, que a UNASUL e o MERCOSUL ganham preponderância, avançam com a Aliança do Pacífico. Uma política constante e coerente. Não se pode negar a coerência dos Estados Unidos neste ponto.
Nesse sentido, não tem havido muitas diferenças entre republicanos e democratas?
Não, em nada. Seria possível acreditar que em alguns há melhores intenções, mas o certo é que Roosevelt amparou fortemente a ditadura de Anastasio Somoza. Também Bill Clinton teve uma conduta lamentável em relação a América Latina e a de Barack Obama ainda é necessário ver como avança. Será necessário observar se sustenta a decisão de 17 de dezembro, de reestabelecer os vínculos com Cuba. Uma decisão difícil de sustentar porque tem todo o Congresso contra. Apesar disso, algo bom sairá dali. O fato de Cuba ter recuperado os heróis que estavam presos é uma grande vitória.
Essas medidas de Obama são uma resposta à derrota que sofreu nas eleições legislativas da metade do ano passado?
Acredito que claramente há uma conexão, porque, embora a derrota que sofreu não tenha sido tão espetacular como se disse, sim, foi uma derrota forte. Isto também tem a ver com o fato de que já não lhe resta nada a fazer. Por ter perdido o controle do Congresso, é difícil que lhe aprovem leis, seguramente terá que apelar ao mecanismo do veto. Obama é um homem inteligente, diferente de Bush que não era em nada, por isso percebeu que era um grande erro continuar com uma política fracassada para Cuba e, então, afastou-se dessa linha. Contudo, é preciso ter cuidado porque quem também quis se afastar foi Kennedy, e o mataram. Desafiar as grandes orientações do complexo-militar industrial dos Estados Unidos não é gratuito. O assassinato de Kennedy tem muito a ver com a política que adotou em relação a Cuba e a União Soviética. Política que não era a que o establishment queria. A política de Obama também se afasta dessa linha. Veremos que resultados traz.
Há aqueles que enfatizam que a América Latina não é uma prioridade para os Estados Unidos. Qual a sua opinião sobre essa afirmação?
Essa é uma das grandes mentiras que circulam. Muito pelo contrário, a América Latina é a região que mais lhes importa. A doutrina para América Latina (a Doutrina Monroe) é de 1823, a doutrina que fazem para Europa é de 1918, quase um século depois. Quando chega a reorganização global do Exército norte-americano, o primeiro comando que armam é o Sul, depois é que pensam no Europeu e no da Ásia, mas primeiro o da América Latina. Quando assinam os famosos tratados para a contenção do comunismo, o primeiro que assinam é o TIAR (Tratado Interamericano de Assistência Recíproca), em 1947, depois, em 1949, criam a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte). Por quê? Porque a primeira coisa que lhes interessava era assegurar esta parte do mundo. Isto tem a ver com as concepções geopolíticas que neles têm predominado e que apresentam a tese de que Estados Unidos têm uma possibilidade de defesa, na medida em que controlem o que eles chamam “a grande ilha americana”, que segundo esta concepção vai do Alasca à Terra do Fogo. A partir desta visão, acredita-se que se essa “ilha americana” cai na parte sul nas mãos inimigas, mais cedo ou mais tarde a segurança norte-americana estará em risco.
Outro tema que é fundamental é o das exuberantes riquezas de recursos naturais que há na região, começando pela água e não o petróleo. O petróleo irá desaparecer e a humanidade seguirá seu curso. No entanto, caso não houver água, a espécie humana se acaba. E, aqui, está quase a metade da água doce do planeta Terra. As estimativas vão de 42 a 45%, segundo a forma como medem os aquíferos subterrâneos. Com os 7% da população mundial estão quase 50% da água doce do mundo e eles têm um problema grave de desertificação. Nos Estados Unidos já pensam em como chegarão à água desta região e já há propostas. Sobretudo, porque primeiro pensam em levar a água da região Mesoamérica e sul do México.
A América Latina lhes interessa pela água, o petróleo, os minerais estratégicos, a biodiversidade. Eles contam com um staff de diplomatas muito bons, muito estudiosos. Por isso, conseguiram nos convencer de nossa irrelevância. Essa foi a grande capacidade do establishment diplomático que possuem. Ao contrário, os presidentes são figuras marginais. Não são os que decidem. É dito a eles o que precisam fazer e pronto. Alguns desobedecem. Kennedy desobedeceu e o mataram.
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"Nos Estados Unidos já pensam em como chegarão à água da América Latina". Entrevista com Atilio Borón - Instituto Humanitas Unisinos - IHU