07 Junho 2016
O novo filme de George Clooney é razoável. Mas sai do cinema com a impressão de que a obra não passa de uma adaptação do filme “Um Ato de Coragem”, protagonizado por Denzel Washington. Naquele filme o tema é a injustiça do sistema de saúde privado norte-americano. No que vi hoje a injustiça do sistema financeiro/televisivo (que leva as pessoas comuns como a sofrerem prejuízos) é problematizado.
O comentário é de Fábio de Oliveira Ribeiro, publicado por Jornal GGN, 06-06-2016
A revolta dos 99% contra os 1%, que inspirou o Movimento Occupy, chega assim ao cinema. A despolitização do conflito "Main Street x Wall Street" é evidente. O filme “Jogo do Dinheiro” coloca em cena um típico “nóia” desesperado que resolve fazer algo. Usando sua pistola automática ele controla um estúdio de TV e transforma seu fracasso financeiro, induzido pelo apresentador do programa, num show televisivo.
Nada no cinema norte-americano pode inspirar ações coletivas. O fim trágico do “nóia” funciona como um aviso: consuma na rua. Nos EUA o cidadão deve ficar em casa, assistir TV e não fazer nada ousado. Caso contrário ele pode acabar preso (filme “Um Ato de Coragem”) ou morto a tiros pela polícia (caso do protagonista em “Jogo do Dinheiro”).
O cinema "made in USA" é uma perversão estética: nele a arte não imita e não pode imitar a vida. Filmes como “Jogo do Dinheiro” criam uma vida artificial em que a política não é um tema seriamente abordado e a ação individual só produz desfechos melodramáticos. Os norte-americanos vão sendo assim domesticados pelo mercado enquanto suas consciências são formatadas pelos filmes.
A mimese deixou de existir nos filmes dos EUA (e isto não se aplica apenas aos filmes de HQ), pois até mesmo obras como “Jogo do Dinheiro” não mantém qualquer relação com a realidade. Como outros filmes, este também foi produzido para reforçar a ideologia dominante. O mercado não cria cidadãos, apenas consumidores dóceis (como os figurantes que assistem o melodrama encenado pelo terrorista amador e o apresentador de TV) ou “nóias” que são descartados a tiros na frente das câmeras.
O que evidência o compromisso de “Jogo do Dinheiro” com o sistema financeiro/televisivo supostamente criticado é o desfecho do melodrama. O “nóia” leva um tiro no peito, o especulador desonesto passa a ser investigado e o respeitável público pode novamente acreditar na integridade do capitalismo e da TV. O jornalismo volta a cumprir uma função pública relevante em razão de ter sido transformado num “reality show”. Nos EUA não existe e não deve existir nenhuma possibilidade de superação do capitalismo.
Ao fim do filme fiquei com a impressão de que ficou faltando algo. A caminho de casa, imaginei a cena que faltou em “Jogo do Dinheiro”: os idealizadores do filme poderiam ter metido George Clooney num traje de Superman fazendo-o voar e pairar ao lado da bandeira dos EUA no topo da Bolsa de Valores de NY. Está cena iria conferir maior relevância estética e artística ao filme, pois “Jogo do Dinheiro” apresenta um problema e sugere que problemas semelhantes devem continuar sendo produzidos. Portanto, o filme tem a estrutura de uma HQ, mas sem os típicos personagens das mesmas.
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Jogo do Dinheiro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU