Por: MpvM | 15 Janeiro 2021
"É certo que seguir o Mestre significa se deixar transformar por Ele. Ele quem rompe o silêncio e sana os nossos ouvidos e corações da doença das demasiadas vozes que nos confundem. Para tanto, é preciso, fundamentalmente, sabermos: o que buscamos? Quais são as vozes que estamos escutando e deixando que invadam os nossos corações? Buscar é um dos verbos que o humano mais deve conjugar em sua vida, seguir algo ou alguém é fazer morada naquilo que encontraremos em nossas vidas, que tenhamos consciência do que buscamos para compreender o que seguimos, discernir para escolher o verdadeiro: Cristo.
A reflexão é de Elisângela Pereira Machado, osf, religiosa da Congregação das Irmãs Franciscanas Bernardinas, OSF. Ela é mestra em Filosofia pela UNISINOS/RS (2012) e doutoranda em teologia sistemática pela PUCRS (bolsista CNPq), pesquisadora nas áreas de Educação, Ensino Religioso e Espiritualidade, Bíblia na perspectiva do Sagrado feminino, Antropologia Teológica e Mística, a partir das obras de Edith Stein – Santa Teresa Benedita da Cruz.
Leituras do Dia
1ª Leitura - 1Sm 3,3b-10.19
Salmo - Sl 39,2.4ab.7-8a.8b-9.10 (R.8a.9a)
2ª Leitura - 1Cor 6,13c-15a.17-20
Evangelho - Jo 1,35-42
A Liturgia da Palavra deste Domingo nos oferece uma profunda reflexão sobre o Mistério do chamado de Deus na vida do humano e a resposta desse em relação à vida cristã. Um chamado que é desafio e que se atualiza ao longo da história da humanidade em sua autenticidade e comprometimento no dinamismo do chamado-resposta na vida da fé que professamos. Ou seja, ao humano é pedido que se coloque numa atitude de atenção, escuta e disponibilidade a voz de Deus.
À vista disso, temos na primeira leitura o chamado de Samuel (1Sm 3, 3-10.19), uma cena vocacional do Antigo Testamento que se desenvolve na Tenda do Senhor, lugar onde se encontrava a Arca da Aliança - sinal visível da promessa realizada a Moisés da fidelidade da presença de Deus na jornada do Povo. O chamado acontece sempre dentro de um contexto social, político, econômico, religioso, porque toda Missão - Resposta ao Chamado deve ser concreta e real.
O Livro de Samuel refere-se a uma das épocas mais caóticas da História do Povo de Deus (meados do séc.VI. a.C. – final do reinado de Davi 972 a.C.). Da sedução do período pré-monárquico, das instituições tribais que buscam coligações diante do ataque de inimigos e que se percebem insuficientes diante da pressão militar exercida pelos filisteus. Samuel é um servidor do santuário da Arca e o relato de sua vocação marca todo um novo período profético. Um chamado na noite, enquanto dormia, da voz de Deus que atinge maior nitidez, clareza quando cessam os ruídos externos e internos do ser. É visto que Samuel é chamado quatro vezes por YHWH (Javé), contudo, somente quando orientado por Eli, Samuel silencia, abre o coração e identifica a voz do Senhor. Um silêncio que não luta contra a exterioridade, mas que busca dilatar a profundidade, a interioridade. Na noite, no discernir das muitas vozes, uma apenas conduzirá o humano a crescer, se desenvolver junto de Deus e de seu povo, não deixando cair por terra, fenecer a Sua Palavra (Sm 3,19).
É preciso a certeza de que a voz de Deus, o chamado do Mistério carece de corporeidade para então ser visível e profetizar. Na segunda leitura da Carta de Paulo aos Coríntios (1Cor 6, 13-15.17-20) é visto que somos chamados em nossa individualidade nome pessoal, mas também, em nossa missão comunitária. Somos corpos – partícipes, membros do Corpo de Cristo. De fato, a antropologia cristã nos orienta que o corpo é o lugar em que se manifesta, historicamente a realidade da vida nova que inunda o ser que acredita e que adere ao chamado de Cristo. A corporeidade não é algo desprezível e condenável, como pensavam algumas correntes filosóficas bem representadas na cidade de Corinto, mas, é algo dotado de suprema dignidade, pois é nele que se manifesta para o mundo a realidade da vida de Deus.
É possível nas entrelinhas do texto encontrarmos uma moralidade proclamada pelo apóstolo que deve refletir além da sexualidade (do combate às prostituições do culto pagão do período presente na comunidade grega de Corinto) uma moralidade que diz respeito ao cuidado como um todo. Aqui vale a provocação do escritor José Saramago quando questionado sobre a obscenidade, a imoralidade de nosso tempo, respondia o autor: imoral, obscena é a fome. Podemos junto a isso, acrescentarmos muitas outras ‘obscenidades’ expostas em nossos dias: vozes e gritos que impedem o amor de ser ouvido e experienciado, violência, preconceitos e injustiças... Por certo, há de se cuidar do corpo, dos corpos, de si e do outro, da natureza e do cosmos, da vida em seu mais amplo sentido de comunhão com o Projeto de Deus. É preciso o corpo para experienciar a noite e escutar Deus que nos quer encontrar.
Portanto, a vocação-chamado se realiza em um corpo totalidade, conexão e comprometimento, um corpo dotado de identidade e que sabe o que busca. E isso se constata no Evangelho desse Domingo (Jo 1, 35-42), na provocação da voz de Jesus, quando seguido pelos discípulos de João, rompe o silêncio e questiona: O que procuras? Uma pergunta que ressoa no coração das vocações de André e Simão Pedro. A voz de Deus emana do corpo do Cordeiro, do Homem de Nazaré, d’Aquele que assume e viverá um messianismo, totalmente diferente do proclamado pelo Batista. Buscar saber onde o Mestre mora é parte na travessia do seguimento; é querer aprender de Jesus um novo jeito de ser, de ser humano, de ser inteiro, de ser autêntico e comprometido com YHWH-Senhor-Pai.
E o melhor modo para tamanha aprendizagem é o seguimento, a proximidade, a intimidade, atitudes de atenção, de escuta, contemplação e ação. Seguir o Mestre é passar pelas noites que a vida irá oportunizar, porque Ele mesmo é a luz que orienta os passos que podem ser dados. Ele provoca a essa aproximação: Vinde e Vede! Ele é quem nos orienta para que possamos escutar a verdadeira voz do Senhor e dar testemunho de um verdadeiro Cristianismo. Um Cristianismo que instiga o humano a buscar para o que veio e desperta o mesmo a profetizar o Reino. Um caminho de esperança para os tempos obscuros em que estamos todos atravessando. Por isso, é vital para o Cristianismo que os cristãos voltem a se reunir, buscar Jesus em sua essência, mensagem, missão.
É certo que seguir o Mestre significa se deixar transformar por Ele. Ele quem rompe o silêncio e sana os nossos ouvidos e corações da doença das demasiadas vozes que nos confundem. Para tanto, é preciso, fundamentalmente, sabermos: o que buscamos? Quais são as vozes que estamos escutando e deixando que invadam os nossos corações? Buscar é um dos verbos que o humano mais deve conjugar em sua vida, seguir algo ou alguém é fazer morada naquilo que encontraremos em nossas vidas, que tenhamos consciência do que buscamos para compreender o que seguimos, discernir para escolher o verdadeiro: Cristo.
Comentário de Enzo Bianchi: O que procuram?
Comentário de José Antonio Pagola: Tornar-nos mais cristãos
Comentário de Annette Havenne: 2º Domingo do tempo comum - Ano B - Qual é a sua graça?
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2º Domingo Do Tempo Comum - Ano B - Discernir as muitas vozes e se decidir por Jesus - Instituto Humanitas Unisinos - IHU