Árvore que viceja entre construções

Mais Lidos

  • Eles se esqueceram de Jesus: o clericalismo como veneno moral

    LER MAIS
  • Estereótipos como conservador ou progressista “ocultam a heterogeneidade das trajetórias, marcadas por classe, raça, gênero, religião e território” das juventudes, afirma a psicóloga

    Jovens ativistas das direitas radicais apostam no antagonismo e se compreendem como contracultura. Entrevista especial com Beatriz Besen

    LER MAIS
  • De uma Igreja-mestra patriarcal para uma Igreja-aprendiz feminista. Artigo de Gabriel Vilardi

    LER MAIS

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

19 Agosto 2011

"O impacto da morte subverte todas as convicções. Onde está a transcendência? Qual lei a ser seguida quando todas as referencias parecem ruir e algumas realmente estão em ruínas?", escreve Robson de Freitas Pereira, psicanalista, comentando o filme A Árvore da Vida de Terrence Malick, em artigo publicado no jornal Zero Hora, 20-08-2011.

Eis o artigo.

Qual nossa possibilidade de elaborar as perdas, as separações que acontecem ao longo da vida? Como se faz o luto de um irmão, de um filho que morreu? Buscando referências estáveis, num mundo definitivamente desestabilizado. Revisitando o passado, fazendo a travessia do amor e do ódio permanente que atravessa cada história pessoal, cada família.

Em A Árvore da Vida, Terrence Malick, exercitando seu estilo, mostra como a busca de respostas pode ser contada cinematograficamente, relacionando a intimidade do sujeito, com o próprio surgimento da vida na Terra. Mostrando que o homem só percebe suas conexões com a natureza, quando a Terra já foi devastada, os recursos estão quase esgotados e os homens quase ocos.

Talvez a inventividade de um cineasta se revele também em sua persistência. Malick é um destes. Desde Terra de Ninguém (Badlands, 1973) e Cinzas do Paraíso (Days of Heaven, 1978), fotografia deslumbrante, economia de diálogos, contida expressividade dos atores e um espaçamento do tempo fazem o tecido delicado e impactante para mostrar as contradições do sujeito na sua relação com o mundo e os outros. Fez isso no cenário de guerra em Além da linha Vermelha (The Thin Red Line, 1998). Agora, mostra o mundo norte-americano (e por consequência o nosso) do pós-guerra do Vietnã, pós-11 de setembro, quando ruíram as torres gêmeas.

Não por acaso, Jack, o personagem interpretado por Sean Penn, é arquiteto. Construindo torres de aço e vidro, morando em espaços assépticos e abertos. A morte do irmão o leva a questionar sua arquitetura, a relação com a família e a terra de onde vieram. Sim, eles saíram de Waco, Texas, lugar emblemático de um destes embates sangrentos entre uma comunidade fortemente armada e as autoridades federais.

Neste roteiro de uma odisseia, Jack é levado a rever sua infância e percorrer a fina linha divisória entre o passado e o futuro. O diretor nos mostra o paradoxo das relações fraternas – amo meu irmão e sou cruel com ele. E a formação de um menino que tem clareza do ódio ao pai e que a vida familiar seria bem melhor sem ele. Afinal, a mãe é amor, delicadeza, alegria. Identificar-se ao pai é assumir sua suposta maldade. Brad Pitt (O’Brien) interpreta um pai modelo dos anos 1950: rígido e ambicioso como Deus manda, educando os filhos para que eles sejam perfeitos e invejando os vizinhos como um medíocre qualquer.

O impacto da morte subverte todas as convicções. Onde está a transcendência? Qual lei a ser seguida quando todas as referencias parecem ruir e algumas realmente estão em ruínas? Somos forçados a percorrer territórios que pareciam abandonados, e, como dizia Octavio Paz: "buscarme (...) los otros qui no son si yo no existo. Los otros que me dan plena existencia" . Talvez aí, haja uma chance de reconciliação e um novo olhar para a árvore que, teimosamente, viceja entre as construções.