O
Roundup e seu princípio ativo, o
glifosato, estão novamente no centro de uma controvérsia. Em um relatório editado pela Earth Open Source (EOS), uma pequena ONG britânica, uma dezena de pesquisadores criticam as autoridades europeias por sua falta de pressa em reavaliar, à luz de novos dados, o herbicida de amplo espectro mais utilizado no mundo. O texto, que vem circulando na internet desde junho, reúne indícios segundo os quais o principal pesticida da
Monsanto seria potencialmente teratogênico – ou seja, responsável por malformações fetais.
A reportagem é de
Stéphane Foucart, publicada pelo
Le Monde e reproduzida pelo
Portal Uol, 09-08-2011.
Os autores do relatório citam, entre outros, um estudo publicado no final de 2010 na “
Chemical Research in Toxicology”, segundo o qual a exposição direta de embriões de anfíbios (Xenopus laevis) a doses muito pequenas de herbicida à base de glifosato causa malformações. Conduzidos pela equipe do embriologista
Andrés Carrasco, da Universidade de Buenos Aires, esses trabalhos identificam também o mecanismo biológico responsável pelo fenômeno: expostos ao agrotóxico, os embriões de Xenopus laevis sintetizam mais tretinoína, cujo efeito teratogênico é notório entre os vertebrados.
A
Monsanto refuta essas conclusões, explicando que uma exposição direta, “pouco realista”, permitiria também concluir que a cafeína é teratogênica... “O glifosato não tem efeitos nocivos sobre a reprodução dos animais adultos e não causa malformações entre a descendência dos animais expostos ao glifosato, mesmo em doses muito grandes”, diz a
Monsanto em seu website.
No entanto, o último relatório de avaliação do glifosato pela
Comissão Europeia, datado de 2001, que se baseia pelo menos em parte nos estudos toxicológicos encomendados pela própria empresa agroquímica, explica que em altas doses tóxicas, o glifosato provoca nos ratos “um menor número de fetos viáveis e um peso fetal reduzido, um retardo na ossificação, uma maior incidência de anomalias do esqueleto e/ou das vísceras”.
Segundo a
EOS, as observações de
Andrés Carrasco coincidem com os efeitos suspeitos sobre as populações humanas mais expostas ao Roundup. Ou seja, nas regiões onde as culturas geneticamente modificadas resistentes ao glifosato (as chamadas “Roundup Ready”) dominam e portanto onde o herbicida se expandiu de forma mais maciça. Uma análise dos registros da província argentina do
Chaco mostrou, no município de La Leonesa, que a incidência de malformações neonetais, ao longo da década de 2001-2010, havia quadruplicado em relação à década de 1990-2000. Segundo Carrasco, a comissão que realizou esse cálculo recomendou que as autoridades lançassem um estudo epidemiológico dentro das regras. “Essa recomendação não foi cumprida”, diz o pesquisador.
“É provável que haja um problema na América do Sul com os agrotóxicos, mas é muito difícil afirmar que ele está ligado especificamente ao glifosato”, acredita um toxicologista que trabalha na indústria e critica as “confusões” e as “comparações numéricas enganosas” do relatório da
EOS. “Além disso”, ele acrescenta, “a pulverização aérea é a norma ali, enquanto é proibida na Europa.”
Para a
Comissão Europeia, os indícios reunidos pela EOS não constituem motivo suficiente para mudar o cronograma atual. A última avaliação do
Roundup foi em 2002. A reavaliação estava prevista para 2012, mas o atraso acumulado por Bruxelas adiará essa nova análise para 2015.
Essa demora não é a principal razão dos protestos da ONG. “Novas regras de avaliação de pesticidas, potencialmente mais restritivas, estão sendo finalizadas”, diz
Claire Robinson, que coordenou a redação do relatório da
EOS. “Mas a reavaliação que será entregue em 2015 ainda se baseará na antiga regulamentação, para dar às indústrias tempo de se adaptarem”. Algo que a Comissão não desmente.
As novas regras – que, segundo fontes da indústria, devem ser “finalizadas no outono” – preveem uma análise obrigatória da literatura científica, além dos estudos apresentados pela indústria. Os trabalhos publicados nas revistas especializadas pelos laboratórios públicos deverão, portanto, ser sistematicamente levados em conta, mesmo que “isso não queira dizer que eles sejam hoje sistematicamente ignorados, longe disso”, relativiza
Thierry Mercier, da Agência Nacional de Segurança Sanitária, da Alimentação, do Meio Ambiente e do Trabalho (Anses).
No entanto, para a EOS, a diferença é grande. “Sob as antigas regras, é provável que o glifosato obtenha uma nova autorização”, diz
Robinson. “Então provavelmente será preciso esperar até 2030 para que esse produto passe por uma reavaliação séria, conforme ao novo regulamento, sendo que já sabemos desde hoje que ele causa problemas.”
Os estudos encomendados pela indústria devem responder a certos critérios a respeito das espécies animais inscritas nos testes, da natureza e da duração da exposição aos produtos testados, etc. Os laboratórios universitários – como o de
Carrasco – dispõem de uma maior liberdade. E as diferenças nas conclusões às vezes são consideráveis.
Um exemplo citado pela
EOS é o do
bisfenol A (BPA). Em um artigo científico publicado em 2005 na “
Environmental Health Perspective”,
Frederick vom Saal (Universidade do Missouri) dizia acreditar que 94 dos 115 estudos acadêmicos publicados sobre o assunto concluíam que o BPA tinha um efeito significativo sobre os organismos, mesmo em doses muito pequenas. Ao mesmo tempo, nenhum dos 19 estudos sobre o mesmo tema encomendados pela indústria revelava tais efeitos. Na França, o
BPA foi proibido nas mamadeiras, em 2010.
No caso do glifosato e de seu principal produto de degradação, o
ácido aminometilfosfônico (AMPA), diversos estudos publicados nos últimos anos revelam sua toxicidade para certos organismos aquáticos. “O glifosato ou o AMPA em si não são moléculas muito problemáticas, não mais do que outras, pelo menos”, explica
Laure Mamy, pesquisadora do Instituto Nacional da Pesquisa Agronômica (INRA) e especialista na evolução desses compostos dentro do meio ambiente. “O problema é a quantidade. É a dose que faz o veneno.”
Embora o glifosato se degrade relativamente rápido, “o
AMPA pode persistir por vários meses nos solos”. Na França, segundo o
Instituto Francês do Meio Ambiente (IFEN), essa molécula é agora o contaminante encontrado com mais frequência nas águas de superfície.
Portanto, seu sucesso é o principal problema do
Roundup, tanto que resistências surgiram nos últimos anos. Especialmente no continente americano, onde as culturas geneticamente modificadas associadas permitiram um uso maciço do Roundup, ervas daninhas começaram a se tornar cada vez menos sensíveis – ou até totalmente resistentes – ao herbicida da
Monsanto. “Quando essas resistências começam a ocorrer, às vezes a tentação é de aumentar as quantidades pulverizadas”, diz
Laure Mamy.
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Novas acusações atingem herbicida Roundup - Instituto Humanitas Unisinos - IHU