Há quatro anos como diretor executivo do
Fundo Monetário Internacional (FMI) em Washington, representando o Brasil e mais oito países de América Latina e Caribe, o economista
Paulo Nogueira Batista Jr. tem visão privilegiada do cenário econômico mundial.
Para o economista, que emite opiniões em caráter pessoal e não em nome do FMI, cresceu o risco de repetição de crise semelhante à de 2008. As causas principais são a falta de perspectiva de crescimento nos Estados Unidos e na Europa e as dificuldades de financiar dívidas públicas.
Se uma nova crise chegar,
Batista avalia que o Brasil está mais preparado para enfrentá-la, embora não descarte surpresas, especialmente em torno do endividamento privado em dólar. O economista, que é casado com a catarinense
Lia Soncini e passa férias em Santa Catarina, falou com o Grupo RBS sobre a nova onda de crise.
A entrevista é de
Estela Benetti e publicada pelo jornal
Zero Hora, 07-08-2011.
Eis a entrevista.
Como o senhor analisa o rebaixamento da nota de crédito dos EUA pela agência Standard & Poors?
Não foi uma decisão inesperada. O próprio secretário do Tesouro dos EUA,
Thimoty Geithner disse que não sabia que efeito teria todo o processo tumultado do aumento do limite de endividamento sobre a classificação de risco americano. É um fato marcante. E claro que agências pequenas dos EUA e uma agência chinesa já tinham reduzido a nota. A decisão da
S&P vai repercutir muito segunda-feira. O processo da dívida foi tortuoso e o resultado, incerto. O governo e o Congresso fecharam um plano que tem ordem de magnitude, mas não tem especificação. A briga política entre republicanos, democratas e a Casa Branca lançou um foco agudo de atenção sobre as debilidades fiscais americanas.
Há motivo para esse derretimento todo nos mercados mundiais?
A onda de pessimismo faz parte da crise. De repente, os mercados resolveram focar na acumulação de indícios vindos dos EUA e da Europa de que a situação é mais grave do que parecia. Os indícios de desaceleração da economia americana, as dificuldades de Itália e
Espanha nos mercados de crédito, a incerteza quanto ao resgate da Grécia e a contenção do contágio, a sensação de que a solução para o limite de endividamento dos EUA foi enganosa, porque abalou a credibilidade do país e passou a sensação de que o problema fiscal não foi enfrentado. O pano de fundo dessa turbulência no mercado é de que há percepção de que tanto EUA quanto Europa empurraram o problema com a barriga. A Europa, com o acordo parcial alcançado na reunião de líderes em Bruxelas, há duas semanas. E os EUA, com esse esparadrapo que republicanos e Casa Branca costuraram. Aí a coisa começa a ficar feia porque há incapacidade política para encontrar soluções convincentes nos dois principais centros mundiais.
Na sua opinião, há risco de nova crise global?
Aumentou o risco de repetição de uma situação de crise semelhante à de 2008. Não é que seja provável, mas esse risco existia antes e foi ampliado.
Que impactos pode causar à economia brasileira?
Vai depender da intensidade da crise externa. Vamos supor que essa crise tenha intensidade semelhante (à de 2008). O Brasil está mais preparado, porque as reservas aumentaram. O país tem instrumentos que pode acionar, não só reservas, mas depósitos compulsórios. O Banco Central e o Tesouro podem reagir com mais rapidez no caso de reversão do fluxo de capitais. É claro que, se houver um choque externo semelhante ao de 2008, ninguém fica imune. O Brasil é um dos mais protegidos, mas não é invulnerável.
Por quê?
Acumulamos alguns problemas, deixamos que se agravasse notadamente a valorização do real. Em 2008, apareceu um problema não conhecido – empresas não financeiras tinham feito apostas na valorização do real que de repente se reverteu. Não estou dizendo que isso vai ocorrer de novo. O setor público é credor em moeda estrangeira, mas o setor privado acumulou dívidas em dólares porque é mais fácil se endividar em dólar. O Brasil adotou medidas de caráter prudencial para proteger o sistema financeiro de uma possível reversão do quadro mundial.
Os EUA mostraram capacidade de dar a volta por cima. Podem surpreender outra vez?
É evidente que os americanos estão atravessando uma crise grave, que não vai se resolver imediatamente. É uma crise econômica e política. Eles vão reagir, ou esse é o início do declínio dos EUA como grande potência. Essa questão não está clara porque a crise é gravíssima, os sintomas de degeneração do sistema americano são visíveis, mas não é a primeira vez que se anuncia o declínio dos EUA.
Há um país ou bloco com capacidade para assumir a liderança?
A situação é peculiar. Velhas potências do Atlântico Norte, EUA e Europa atravessam uma crise sem precedentes. Os emergentes não estão preparados para ocupar o espaço que está sendo deixado. Estamos numa fase de multipolaridade instável. Com vários centros de poder emergente, como China, Índia e Brasil.
O senhor está no FMI, que teve um papel importante na negociação dos acordos em países da Europa. Como vê o cenário europeu?É mais nítido o declínio de longo prazo do continente, o envelhecimento. Os europeus se precipitaram quando foram para a unificação monetária sem ter feito, antes, uma unificação fiscal e, mais ainda, política. Antes, quando os ventos eram favoráveis, essa tensão entre governos nacionais, política fiscal nacional e política monetária continental não era tão aparente. Quando a crise bateu, a partir de 2008, fissuras apareceram.
Grécia,
Portugal e
Irlanda são as mais óbvias, mas, agora, o problema aparece também na terceira e na quarta maiores economias da zona do euro, que são
Itália e
Espanha. Você tem uma situação em que os conflitos de interesse nacional dentro da Europa são de tal ordem que a governança está claudicando.
Como o Brasil está sendo visto lá fora?
Estou na diretoria do
FMI há quatro anos. Desde que eu cheguei lá, em 2007, o Brasil é visto como um sucesso, uma grande oportunidade, um mercado atraente, um país bem administrado, cada vez mais ouvido, mais influente. Isso continua, mas não é um processo linear.
Comunicar erro.
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
"Aumentou o risco de uma crise como a de 2008". Entrevista com Paulo Nogueira Batista Jr. - Instituto Humanitas Unisinos - IHU