25 Junho 2011
O especialista espanhol Javier de Lucas, professor da Universidade de Valência, acusou os Estados da União Europeia de descumprir a Convenção de Genebra ao negar o status de refugiados para aqueles que fogem dos conflitos armados nos países árabes. Em vez disso, ele elogiou a política migratória argentina.
A reportagem é de Juan Nicenboim, publicada no jornal Página/12, 24-06-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A União Europeia viola os direitos dos refugiados que chegam à Europa a partir da Líbia e da Síria, diz o espanhol Javier de Lucas, um dos maiores especialistas em migrações na Europa. De visita à Argentina para participar de um congresso sobre migrantes e refugiados, organizado pelo Ministério Público da Defesa e pela Embaixada da Espanha na Faculdade de Direito da Universidade de Buenos Aires, o professor de Filosofia do Direito da Universidade de Valência acusou os governos europeus de descumprir a Convenção de Genebra e, em troca, elogiou a política migratória argentina.
Para De Lucas, a União Europeia e as Nações Unidas estigmatizaram os imigrantes, ao tratá-los a partir de uma lógica de mercado. "Há um olhar de suspeita sobre os imigrantes: eles não são um exército de reserva para a delinquência nem uma ameaça às fontes de trabalho. Ao direito formal estatalista, escapa o pluralismo jurídico. O Direito construiu um conceito restritivo que fomenta a estigmatização dos imigrantes", argumentou, durante a sua conferência no congresso.
Em contraste, o professor destacou o papel da Argentina ao reconhecer os direitos humanos universais prévios das pessoas migrantes e refugiados, algo que, segundo De Lucas, não ocorre na Europa. "A lei (25.871) de imigração argentina promulgada em 2004 é uma referência internacional. A Argentina reconhece e garante o direito humano a migrar. No resto do mundo não é assim. A Argentina é uma exceção na proclamação inequívoca de mecanismos de garantia para reconhecer a migração como um direito humano. Não é assim na Espanha ou na União Europeia".
Eis a entrevista.
Em que ção se encontram os milhares de refugiados que, desde o início das guerras civis na Síria e na Líbia, desembarcam em massa nas costas europeias?
No caso da Líbia, eles passam para Túnis e, dali, para as costas de Lampedusa (Itália) e para Malta, porque estão a uma distância quase equivalente. No caso da Síria, a maioria dos refugiados está indo para a Turquia, que não é um Estado europeu, no sentido formal. O problema é que se trata de pessoas que fogem de uma perseguição como resultado de uma guerra, em que se confirmou a existência de práticas ao menos próximas – se não diretamente constitutivas de crimes contra a humanidade –, de violações massivas, torturas e, sem dúvida, privação da vida.
O que os Estados que os abrigam podem fazer?
Os Estados da União Europeia e, claro, a Itália, que estaria envolvida por causa de Lampedusa, e Malta, que é um Estado membro da União Europeia, são Estados partes no sistema do Direito dos Refugiados que é estabelecido pelo sistema da Convenção de Genebra e pelo Protocolo de Nova York. Portanto, não é que eles possam, mas sim que devem. E como Estado parte, têm todo o o dever, em primeiro lugar, de não rejeitar e, em segundo lugar, de oferecer os meios para que essas pessoas que têm as condições para reivindicar o direito de asilo possam ser reconhecidas como refugiados. Não estamos falando de capacidades de escolha, mas sim obrigações.
Quais as diferenças entre a figura legal que ampara os refugiados e a dos imigrantes?
Os elementos de violência descritos concorrem na definição de refugiados do artigo primeiro da Convenção e, portanto, a partir desse ponto de vista, os Estados não podem se dar ao luxo de alegar que se trata de imigrantes econômicos clandestinos. Em primeiro lugar, é preciso deixar claro que aqueles que fogem das suas costas claramente têm a condição de refugiados nos artigos da Convenção. Uma vez que se proceda para a avaliação disso é que os Estados podem avaliar os casos individuais. Ou seja, ou temos a certeza de que a pessoa está fugindo, ou se trata de um migrante econômico. Os Estados não podem inverter a presunção favorável aos refugiados que fogem de uma guerra.
Como o senhor qualificaria a atuação dos Estados da União Europeia perante as migrações da Síria e da Líbia?
A União Europeia é um espaço decadente. Eu acho que aqui é preciso falar claramente de descumprimento de deveres internacionais dos Estados da UE. Estão infringindo e descumprindo ao não dar abrigo e asilo ao alcance dos demandantes, como os obriga a Convenção. Trata-se de violações de princípios jurídicos elementares com relação à guerra na Líbia. As pessoas que fogem para Lampedusa têm todos os elementos do status de refugiados, e a União Europeia tem obrigações jurídicas para proteger esses direitos. É escandaloso que um poder jurídico que pretendo exportar ao mundo a união como linha básica de atuação seja incapaz de garantir os direitos dos refugiados que chegam às costas de Malta e de Lampedusa.
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"A migração é um direito humano" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU