07 Abril 2011
"Sit down, sit down. Stop, sit down". "Sentem-se, sentem-se. Segurem-se", gritavam aos berros os marinheiros das lanchas "301" e "302" da Guarda Costeira italiana aos 300 desesperados amontoados em um velho barco de madeira de apenas 10 metros. Mas eles, que já se sentiam salvos depois de dois dias em mar aberto, continuavam se movendo. Passavam de um lado para o outro, procuravam chegar primeiro aos barcos que haviam ido a socorrê-los.
A reportagem é de Francesco Viviano, publicada no jornal La Repubblica, 07-04-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Um deles agarrou a corda lançada pela lancha, outros continuavam agitando-se a bordo. Muita coisa para permanecer em equilíbrio, e o barco de madeira que embarcava água do mar, de repente, virou. Caíam aos montes entre as águas agitadas, homens, mulheres, crianças. Todos os 300. Muitos desapareceram logo na escuridão da noite, e, entre as ondas de quatro a cinco metros de altura, outros eram engolidos pelo mar depois de poucos minutos. Outros, pouquíssimos, continuavam gritando: "Help me, help me", socorram-me, socorram-me.
Salvaram-se apenas 51. Todos os outros, cerca de 250, acabaram no cemitério do canal da Sicília, 36 milhas ao sul de Lampedusa. Não se sabe nada deles. Fantasmas eram, fantasmas continuarão sendo.
A tragédia se consumou nesta quarta-feira, pouco antes do amanhecer, às margens de Lampedusa. O barco havia partido da Líbia em guerra há dois dias e vagava pelo mar à espera de um milagre. O alerta foi disparado pouco antes das duas horas da noite desta quarta-feira. A Guarda Costeira maltesa avisou a italiana que há havia recebido um telefonema de um telefone via satélite. Era a voz de um desesperado que pedia socorro.
O alarme, apesar de a zona do mar estar sob controle de Malta, que deveria ter realizado o socorro, foi desviado para o comando geral da Marinha Militar italiana em Roma. Depois, o SOS geral com a ordem a todas as embarcações e navios que se encontravam naquela área a se dirigirem ao barco à deriva devido às ondas de 34,57 graus norte e 12,37 graus leste.
A embarcação mais próxima era o pesqueiro a motor Cartagine, 36 milhas ao sul de Lampedusa e a dez do objetivo assinalado. "Puxamos logo as redes e nos dirigimos à posição que nos havia sido assinalada. Chegamos depois de algumas horas. O mar estava feio, força quatro ou cinco. Estava uma escuridão", conta Francesco Rifiorito, 47 anos , capitão do Cartagine.
"De longe, vimos chegar as lanchas da Guarda Costeira e nos aproximamos à espera de ordens. Os faróis das lanchas iluminaram aquele barco de madeira, inacreditavelmente lotado de pessoas, que saltava entre as ondas. Depois, vi o barco desaparecer e ouvia gritos no meio do mar". O capitão lembra: "O barco, com a sua carga de desesperados, recém havia virado, e todos os 300 haviam acabado na água".
A lancha "301", comandada pelo chefe Domenico Sorrentino, quase havia enganchado o barco. "Um marinheiro havia conseguido lançar uma corda que havia sido pega por um daqueles 300. Mas eles se agitavam. Os socorristas gritavam para ficarem quietos e não se moverem, porque, com aquele mar, o barco tão carregado podia virar", diz um marinheiro da Guarda Costeira. Nas lanchas, gritava-se e xingava-se, jogavam boias salva-vidas e cordas no mar, procuravam-se homens, mulheres e crianças a serem salvos.
"Mas o mar os engolia aos poucos, um depois do outro. Era um inferno", diz Ninni, um jovem subcapitão de segunda classe, já veterano de dezenas de intervenções feitas nestes últimos anos em Lampedusa. "Alguns – continua – conseguiram agarrar o salva-vidas que havíamos jogados, outros as cordas. Puxamos até cansar 30, 40, 50 pessoas. Não as contamos, mas muitos outros não estavam mais".
Via rádio, a Guarda Costeira comunicava ao pesqueiro a motor Cartagine que se aproximasse e procurasse homens no mar. "Aproximamo-nos, mas não se via nada", conta o capitão Rifiorito. "Ouvíamos apenas gritos e, quando os víamos, logo depois desapareciam entre as ondas. Os seus gritos nos guiavam naquele mar em tempestade. Antes, avistamos um, depois outro e depois mais outro. Resgatamo-los, mas não era fácil, porque havia o perigo de atropelá-los. Depois, não ouvimos mais nada. O silêncio havia retornado, e nos dirigimos para o porto de Lampedusa, com os sobreviventes que resgatamos, fazendo-os ficar na sala das máquinas".
E lembra: "Estavam exaustos, e todos adormeceram. Despertaram-se na doca de Lampedusa, mas eram mortos que caminhavam como os outros, desembarcados das lanchas da Guarda Costeira. Eram quase todos homens e pouquíssimas mulheres, nenhuma criança. Era como se jamais tivessem nascido, porque todos acabaram no fundo do mar".
No Bar dell`Amicizia de Lampedusa, quatro marinheiros com os olhos afundados, os rostos marcados pelo cansaço e pela raiva, comem alguma coisa e bebem água mineral. "Era um inferno. Já salvamos centenas e centenas, mas nesta quarta-feira era impossível. Até na nossa lancha era um pesadelo. Os botes de bordo se chocavam uns contra os outros, caíam no mar e não podíamos fazer nada. Mas podemos enfrentar essa situação com duas lanchas de alto mar? Policiais, guardas florestais são mais de 2 mil. Nós, das lanchas `CP 301` e `302` somos menos de 20. O que esperam para mandar outros meios e mais homens? Serão necessárias outras tragédias? Nesta quarta-feira, foi uma derrota para nós, porque queríamos salvar todos, mas não conseguimos. Não era possível".
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Quando o Mediterrâneo se transforma em um inferno - Instituto Humanitas Unisinos - IHU