08 Março 2011
Encontraram-se há 21 anos em Assis, onde ela visitava pela primeira vez a mais espiritual das cidades e esperava, diz hoje, "ainda encontrar ali, talvez, um São Francisco". Deixaram-se no verão passado às margens do Ganges, onde ele, sacerdote católico dotado da aura de um mestre oriental, tocou a última etapa do seu caminho sobre a terra e, com a bênção de uma santa hindu e o viático de um brâmane budista, empreendeu a viagem para o além já vivido como uma ressurreição ao longo da sua existência.
A reportagem é de Alessandra Iadicicco Milano, publicada no jornal La Stampa, 07-03-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Ele era – é – Raimon Panikkar, o grande teólogo hispano-indiano, teórico do diálogo inter-religioso, ministro da Igreja Católica disposto ao mais radical encontro com as outras fés. Ele faleceu no último 26 de agosto aos 91 anos, em Tavertet, na terra catalã da mãe, e poucos dias depois restituía suas próprias cinzas ao Ganges, segundo os ritos do credo hindu do pai.
Ela é Milena Carrara Pavan, a mais estreita colaboradora do mestre, companheira de um longo trecho do seu caminho, tradutora dos seus escritos em italiano, responsável pela sua Opera Omnia. É ela que está coordenando o grandioso projeto de reunir todo o corpus da produção de Panikkar em uma única edição italiana pela editora Jaca Book a ser traduzida depois para as outras línguas.
Milena me mostra o segundo daqueles que, no total, serão cerca de 20 volumes. Intitula-se Religione e religioni (Jaca Book, 486 páginas) e chegará nas livrarias na próxima quarta-feira. E é considerado o "livro dos livros" de Panikkar, porque contem o núcleo do seu pensamento: a ideia singular, universal, única de uma religiosidade entendida como encontro com o mistério e a pluralidade dos caminhos traçados pelas diversas tradições para conduzir o homem ao encontro com o divino.
"É uma ideia tão simples na sua pureza e essencialidade", afirma Milena, que a recolheu todas as vezes reformulada em todas as páginas de Panikkar. "É como avistar com renovada surpresa o cume do monte sagrado enquanto se realiza a `pradakshina`, a caminhada ritual aos seus pés. `Miralo!`, exclamava Raimon com o seu lendário estupor quando, em 1994, fomos juntos em peregrinação às encostas do Kailash, no Tibete. `Veja-o!`, dizia todas as vezes que as nuvens se abriam e, avistando o cume, entrevia `o todo` ou `o nada` ou `o vazio` ou `a harmonia`, como aos poucos chamava aquele mistério nos diários dos quais, no fim da obra completa, publicarei alguns fragmentos. O que ele via também se devia chamar com o nome que a sua religião lhe ensinava: era o Cristo que os Evangelhos pregavam, observando com escrúpulo extremo a liturgia e conseguindo, todas as vezes, atrair e emocionar quem assistia às suas funções. Mas era também o Cristo desconhecido do Hinduísmo, que ele reencontrou na idade adulta depois do retorno da terra do pai e ao qual dedicou um dos seus livros mais conhecidos. Ou o Buddha, do qual abraçou o pensamento para aprofundar e reforçar sua própria identidade cristã".
A luminosidade dessa intuição, por fim, se refrataria para Panikkar por meio das diversas facetas das faces do divino. Ele a viu entreabrir-se e tornar-se sempre mais clara por meio de um longo percurso de estudos e de meditação, uma intensa experiência espiritual e de um grande trabalho intelectual, uma laboriosa busca de conhecimento. Testemunhas dessa grandeza são, ao mesmo tempo, a vida e a obra do grande pensador religioso. E não é por acaso que, no fim da sua vida, Panikkar decidiu retomar em suas mãos toda a sua própria obra para restituí-la ao mundo com a integridade de um testamento espiritual. "Trabalhamos nisso nos últimos anos", relata Milena Pavan.
"No início, Raimon era titubeante: ele insistia em destacar `eu não vivo para escrever, escrevo para viver. Mas depois o projeto editorial de Sante Bagnoli, diretor da Jaca Book, o convenceu: recompor o corpus de um autor ao próprio autor ainda vivo. Com extrema vitalidade, lúcido até o último momento, Raimon se dedicou a essa tarefa até o fim". Como? Onde? "Entrincheirados por trás das colunas de livros na sua casa de Tavertet, dividimo-los por assuntos: a mística e a laicidade sacra, o confronto entre as religiões e o diálogo intercultural, os Veda, o Buddha e a religião do Cristo que, por meio de todo encontro com o outro, Panikkar reconhecia sempre como o seu "SatGuru", o único guia. Esses temas estão todos entrecruzados entre si. E Raimon não cessava de remanejar os escritos, acrescentar notas, artigos publicados em seguida, cartas, textos de aulas universitárias...".
Escrevia para viver e viver completando os seus escritos até um segundo antes de morrer. "Ainda em julho – lembra Milena –, como há muitos anos fazíamos a cada verão, passamos duas semanas juntos na minha casa à beira do mar da Costa Brava. Ele não podia renunciar a isso e, contrariando a proibição do médico, preocupado com o seu coração frágil, ele permaneceu comigo trabalhando duro por 15 dias. Depois, voltou para a Catalunha e, perto do Ferragosto [dia 15 de agosto, início das férias de verão na Itália], Jorge, o boliviano que o ajudava, me alertou que Raimon estava cada vez mais frágil: estava prestes a falecer. Fui encontrá-lo por um final de semana: os últimos três dias em que ficou consciente. Líamos juntos o Evangelho todas as manhãs. E no domingo, depois da recitação do Ângelus, pousou suas mãos sobre a minha cabeça para me dar a sua bênção. Depois, olhamo-nos e soube que não o veria mais. `Agora vá`, lhe disse sorrindo. `Sim, agora estou pronto`. Nos dias posteriores, perdeu a consciência e, em breve, nos deixou. Para dar-lhe a minha saudação, fui até as margens do Ganges, como lhe havia prometido. Anos antes, navegando no rio sagrado, ele havia pedido para ser cremado segundo o rito hindu. Assim, eu mesma tive a honra de oficiar as suas exéquias. Fiz com que as suas cinzas fossem abençoadas por Amma, a famosa santa indiana dos abraços, e pelo lama Monlam na presença de centenas de monges budistas. Depois, dispersei-as sobre as águas, certa de entregá-lo à sua última viagem rumo à Fonte".
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Com Panikkar na montanha sagrada - Instituto Humanitas Unisinos - IHU