29 Outubro 2012
Um copo do "Beijo de Judas" saía por R$ 4 na ExpoCristã, maior feira religiosa de negócios na América Latina, que movimentou R$ 100 milhões no mês passado em São Paulo.
Vendido no estande "Cocktail Gospel", o drinque de caju, maracujá, grenadine e leite condensado (sem álcool) é apenas um dos refrescos da indústria voltada a consumidores evangélicos.
A reportagem é de Anna Virginia Balloussier e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 28-10-2012.
A expansão desse grupo tem magnetizado a atenção de vários setores da economia brasileira. Gigantes como a seguradora Mapfre e o banco Bradesco (fundado pelo evangélico Amador Aguiar) já têm departamentos especializados para essa clientela -e serviços que vão de auxílio-funeral a previdência privada para pastores.
O mercado imobiliário é outro que segue o galope demográfico dos evangélicos. Segundo dados do IBGE liberados em junho, eles saltaram de 15,4% da população em 2000 para 22,2% dez anos depois. Até 2020, prevê-se que serão 57 milhões.
A entidade Sepal (Servindo aos Pastores e Líderes) estima que, a cada ano, surjam 10 mil novos templos. Hoje há cerca de 300 mil pelo país. Só a construção de dois megatemplos no Brás (zona leste de São Paulo), encomendados por igrejas rivais e previstos para 2013, deve absorver quase R$ 400 milhões.
MULTIPLICAI-VOS
Números que enchem os olhos e os cofres das construtoras. Em 2011, a Sobrosa enviou, por e-mail, sua proposta para erguer um templo da Igreja Mundial do Poder de Deus, do apóstolo Valdemiro Santiago, dissidente da Igreja Universal que hoje lidera a denominação neopentecostal que mais cresce no Brasil.
O orçamento inicial, de R$ 70 milhões, sofreu reajustes para cima (a igreja prefere não divulgar o novo valor). A estrutura terá 35 mil m² e abrigará 15 mil fiéis. A planta também inclui edifício garagem com mais de mil vagas.
Virou a maior obra da empresa, que lista Kellogg's e São Paulo Futebol Clube em sua cartela de clientes. E trabalhar com os religiosos requer adaptação. "A igreja concentra bastante poder de decisão em poucas pessoas. O próprio Valdemiro opina muito", afirma o sócio-diretor Eduardo Sobrosa.
Já o bispo Edir Macedo escolheu a Construcap para erguer uma réplica, orçada em R$ 300 milhões, do Templo de Salomão - o muro das Lamentações, em Jerusalém, é o que teria restado após a destruição do local, no ano 70.
A nova Igreja Universal ocupará 74 mil m² na av. Celso Garcia, num prédio de 11 pavimentos, com estúdio de TV, escolas bíblicas para 1.300 crianças e hospedagem para pastores visitantes.
O bispo, que em seu culto já propôs "uma vaquinha" entre fiéis para pagar contas de luz e água da estrutura em "fase de acabamento", promete dimensões que superam "as do maior templo da Igreja Católica da cidade de São Paulo, a Catedral da Sé".
PREVINIDOS
Com tanto dinheiro fluindo, sentir-se seguro é preocupação crescente no meio. Há uma miríade de dispositivos de segurança à venda para igrejas, como uma urna blindada antifurto, lacrada com alumínio, para a coleta do dízimo. "Há pessoas que se infiltram e, em vez de doar, tiram da oferta", afirma William Dumont, sócio da empresa responsável pela novidade, a Pão da Vida.
Teme-se também prejuízos com o "sinistro" (como o desabamento do teto da igreja Renascer em 2009). De janeiro a setembro, o grupo de seguros BB Mapfre arrecadou R$ 7 milhões só com o segmento religioso. Atualmente, atende 19 instituições - além do Brasil, opera na Argentina, no Chile e no Uruguai.
"Temos produtos desenvolvidos para diferentes instituições, como acidentes pessoais, automóveis, vida e microsseguros. E também seguros empresariais para templos e previdência grupal para pastores e fiéis", afirma o superintendente da companhia Pablo Gonzalez Alvarez.
Criador da ExpoCristã, onde vários desses produtos eram negociados, Eduardo Berzin Filho aponta erros comuns quando empresários de fora buscam dialogar com esse filão -como usar o termo "rezar" em vez de "orar". Mas vê avanços. "Agora já sabem que evangélico não é extraterrestre nem xiita."
Para o pastor carioca Silas Malafaia, que planeja abrir mil igrejas de sua Assembleia de Deus Vitória em Cristo até 2020, o mercado ainda não chegou lá. "São seres humanos que estão aí, comendo, comprando roupa, penteando, usando cartão de crédito. Mas é uma linguagem muito própria, entende?"
Bíblia divide espaço com Cartão Gospel e 'emagrecimento divino'
A ideia de um "dinheiro de plástico" para fiéis era vendida entre panfletos que propagandeavam pílulas para um "emagrecimento divino" e Bíblia eletrônica portátil ("ouça a voz de Deus em qualquer lugar num simples toque").
O cartão pré-pago Gospel Fidelidade, da bandeira Visa, foi apresentado na ExpoCristã, no fim de setembro.
A empresa gaúcha Aplub, que também oferecia cursinhos preparatórios só para evangélicos querem prestar concurso público, anunciou ainda um guichê de autoatendimento para usar o cartão.
A máquina é como um terminal que se encontra nos bancos, feita na medida para ser implantada nos templos. Por meio dela, a pessoa realiza operações como pagar o dízimo, acessar orações e comprar produtos on-line.
Hoje, muitas denominações já adotam em seus cultos máquinas de débito e crédito. Poucas, contudo, divulgam seus números. Uma exceção é a Assembleia de Deus sob comando de Silas Malafaia, no Rio, que recolhe R$ 50 milhões por ano com dízimo e calcula que 60% são transações eletrônicas.
É por "não depender de uma avaliação de crédito" que o Gospel Fidelidade tem entrada em vários grupos neopentecostais, diz Marcelo Malavolta, sócio da PilCard, uma das empresas que desenvolveram o produto. O mínimo para abrir um pré-pago é R$ 8. As igrejas servem como parceiras, repassando a ideia para seus seguidores, e não têm custo com a adesão.
Malavolta enumera outras iscas para atrair o consumidor evangélico: "Temos sorteio de viagens para Jerusalém, títulos de capitalização e combos como auxílio-funeral, que podem ser incorporados às despesas do mês".
Por ora, segundo ele, o "dinheiro de plástico" despertou interesse de igrejas como Batista, Renascer e Assembleia de Deus Bom Retiro.
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Expansão de evangélicos atrai empresas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU