15 Outubro 2012
"Enquanto aqui no sul, a imagem da santa veio dentro de uma sacola de lixo, lá, há trezentos anos atrás, a estátua veio de dentro da água, catada que foi através do arrastão de uma rede de três pobres pescadores", escreve Antonio Cechin é irmão marista, militante dos movimentos sociais, autor do livro Empoderamento Popular. Uma pedagogia de libertação. Porto Alegre: Estef, 2010.
Eis o artigo.
No Galpão de reciclagem da Ilha Grande dos Marinheiros, em Porto Alegre, seis mulheres que trabalhavam juntas, ao abrirem uma sacola de lixo da coleta seletiva realizada pela Prefeitura, deram com uma imagem quebrada, cabeça separada do corpo, em meio a todo tipo de sujeira malcheirosa. Ficaram escandalizadas.
Como é que pode?!... exclamou uma delas. Então esse pessoal da cidade não respeita nem uma imagem de santo?... Santo não pode ser coisa de se jogar fora, em meio a tudo que é lixaredo?!... Despertara dentro delas o senso do sagrado.
Buscaram um pouco de cola e juntaram a cabeça ao corpo. Era uma imagem de uma santa conhecida: Nossa Senhora, a Mãe de Jesus. Em seguida foram buscar um coto de vela, também abundantes em meio aos descartes. Fixaram a pequena estátua de madeira junto a uma coluna do prédio e juntas rezaram uma Ave Maria em voz alta.
Na reunião semanal de avaliação e planejamento na beira do Guaíba, face ao fato da Aparição acontecida que os polarizara nos comentários sobre a semana, foi-lhes contada a história de outra aparição, acontecida em São Paulo no ano de 1717, em plena época do Brasil colônia de Portugal, em tempos de escravidão dos negros. Aqui se tratara também de aparição de uma santa, em tudo semelhante à que aconteceu nos dias de hoje na cidade de Porto Alegre, bairro arquipélago.
Enquanto aqui no sul, a imagem da santa veio dentro de uma sacola de lixo, lá, há trezentos anos atrás, a estátua veio de dentro da água, catada que foi através do arrastão de uma rede de três pobres pescadores. Do mesmo jeito que aqui: uma estátua quebrada, em dois pedaços, cabeça separada do corpo, esculpida em madeira e negra de rosto. Depois de um primeiro arrastão em que viera o corpo, seguiu-se um segundo lançar de rede em que veio a cabeça que faltava. A surpresa transformou-se em admiração pela coincidência de a cabeça encaixar com perfeição no corpo. Tão pequenina a cabeça e tão lépida em saltar para dentro de uma rede arrastada a esmo.
Tamanha façanha dos pedaços em dois lances sucessivos, fez com que os três rústicos pescadores descressem de diante de simples acaso. Um presságio de algo maior os invadiu. Como as seis mulheres de hoje no Galpão de Reciclagem de Porto Alegre, os três sentiram o senso do sagrado lhes saltar à flor da pele. Sob forte impulsão espontâneo, lançaram a rede pela terceira vez e... o milagre aconteceu: a rede voltou cheia de peixes.
Para almas simples de gente pobre, de profunda religiosidade, estavam diante de uma intervenção do céu: daí um milagre porque vindo do céu, totalmente incontrolável por leis da terra, mas algo vindo do além, ainda mais que haviam varado a noite, lançando a rede dezenas de vezes sem colher coisa alguma. O terceiro arrastão se impusera como gesto automático.
A rede voltou tão cheia de pescado, que só poderia mesmo ser fruto da intervenção sobrenatural da santa aparição. Ele era mesmo milagrosa. Havia dado a primeira demonstração do seu poder junto a Deus, o Pai dos pobres. Com sumo respeito e admiração levaram a preciosa estátua, para a casa do mais velho dos três. O acontecido se espalhou entre os vizinhos que fizeram questão de contemplar a Santa com os próprios olhos, sobre o altarzinho improvisado de Felipe Pedroso. Começaram a acender-lhe velas e a juntos rezar o terço do rosário. Hoje, a Mãe Aparecida é a padroeira do Brasil. Todos os anos arrasta multidões para o seu santuário na cidade de Aparecida do Norte.
Ouvida a história da aparição em São Paulo da Mãe Aparecida das Águas, em plena época da escravidão negra no Brasil, fizeram todos os catadores do Galpão da Ilha Grande em Porto Alegre a leitura do sinal dado pelo céu a eles, em meio a seus trabalhos de catação: A imagem de Maria, a Mãe do Homem Deus Jesus de Nazaré, não aguentara ser lixo jogado fora, no rio, porque lugar de lixaredo não é dentro da água que significa a origem e a continuidade da vida da natureza, mas a fonte principal da poluição pior na natureza. Viera com rosto e mãos negras, como resultado da poluição do rio Paraíba, para o qual a população despejava, além dos esgotos, tudo o que descartava como inútil.
Saltando para fora, toda enegrecida de tanto permanecer dentro da água, em plena época de escravidão negra, ela a Madrinha dos que não tem Madrinha na linguagem moderna do Negrinho do Pastoreio, vem nos alertar que os queridos filhos negros, desrespeitados e feitos escravos, são pessoas dignas como qualquer outra pessoa. Devem ser respeitados em sua cor, sua cultura riquíssima e devem ser tratados como seres feitos à imagem e semelhança de Deus conforme ensina a Bíblia.
Bastou essa explicação e as mulheres catadoras da Ilha Grande dos Marinheiros, dialogando entre elas fizeram a leitura do sinal de hoje: A mesma mãe Maria, hoje, aqui em nosso Galpão de Reciclagem, apareceu de dentro do lixo a fim de nos ajudar dizendo para nós mulheres pobres, triplamente discriminadas pela sociedade, como negras, pobres e como mulheres.
Maria, a Mãe e Madrinha dos catadores, quer que nos unamos umas às outras como recicladoras. Ela mesma quis ser catada e reciclada porque agora, retornada ao seu lugar de direito que é um altar, aqui mesmo dentro do recinto em que trabalhamos. Nos revela também, na era em que o planeta terra está doente pelo excesso de lixo descartado dentro dos cursos de água, que nós somos os profetas da Ecologia e os médicas do planeta pelo fato de sermos recicladores de resíduos sólidos que serão impedidos de aumentar a carga de poluição dos mananciais.
Ela foi a primeira no Brasil a nos alertar a respeito da Ecologia. Foi a primeira a nos alertar sobre os três erres, o comportamento que todos os brasileiros temos que ter em relação aos resíduos sólidos: reduzir-lhes a quantidade, reutilizá-los o quanto pudermos e reciclar tudo o que for possível, não só o lixo que conseguimos vender aos atravessadores, mas quaisquer materiais que considerarmos resíduo sólido, enfardando tudo para uma possível venda no futuro.
Foi o que fizemos, no seguimento dos pescadores lá em São Paulo que 1º cataram dois pedaços de resíduos sólidos de dentro do rio, com isto aliviaram a carga poluente das águas, diminuindo a quantidade de descartes; 2º reutilizaram os dois pedaços daquilo que foi considerado lixo e jogado fora, porque com a cola uniram os dois pedaços em um novo objeto e 3º porque reciclaram a totalidade da madeira achada, fazendo dela uma estátua nova, que foi colocada sobre um altar e serviu de convite à oração e ao cuidado com a natureza por parte de todas as pessoas de fé cristã.
Pois nós aqui, que somos mulheres, algumas negras e outras brancas, somos em tudo iguais em nossa pobreza.
Os grandes meios de comunicação social, hoje dia 13 de outubro, noticiam a multidão de peregrinos mais de 300 mil que foram em romaria ontem, festa da Aparecida do Norte, no estado de São Paulo. Nenhum deles noticiou a Romaria das Águas que aconteceu aqui no Gasômetro, ponto culminante da Procissão Fluvial, bem como da Romaria da Santa pelas cidades do Rio Grande do Sul, durante os dois últimos meses. Qual a diferença entre o Profetismo da Mãe Maria, há trezentos anos no longínquo São Paulo e o realizado aqui, em nossa cidade, que podemos apelidar de Aparecida do Norte, pelo menos no dia 12 de outubro de cada ano.
Acrescente-se o fato verdadeiro atentado que está na iminência de acontecer nesta nossa cidade em que os despoluidores do Guaíba estão sob uma verdadeira espada de Dâmocles, prestes a cortar-lhes a profissão de verdadeiros Profetas da Ecologia e Médicos do planeta, vítimas que serão em breve da malsinada Lei das Carroças que lhes vai impedir de coletar resídulos sólidos com suas carroças e carrinhos coletores de resíduos sólidos.
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Aparecida do Norte e Aparecida do Sul, duas aparições, uma única mensagem. O profetismo de Maria na Romaria das Águas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU