19 Setembro 2012
Hoje, aos 76 anos, o teólogo Paolo Ricca é considerado uma das vozes mais influentes do mundo protestante italiano. Mas, em 1962, quando o Papa João XXIII convocou o Concílio Ecumênico Vaticano II, ele era um jovem pastor valdense recém-consagrado e enviado para cuidar das almas da pequena igreja de Forano Sabino (Rieti).
A reportagem é de Vera Schiavazzi, publicada no caderno Il Venerdì, do jornal La Repubblica, 14-09-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
"Sobre os católicos", confidencia, sorrindo, "eu sabia pouco ou nada: eu havia nascido em Torre Pellice, sempre havia estudado em um ambiente protestante. E talvez eu também tivesse alguns preconceitos demais, considerando-os como um corpo monolítico e sempre igual a si mesmo". Ao anúncio do Concílio, a Aliança Reformada Mundial (uma das maiores associações em que se subdividiu o protestantismo) chamou, alarmada, os seus afiliados: "É preciso que algum de nós esteja lá, que nos atualize pontualmente sobre o que será discutido". Dito e feito.
Giorgio Peyrot, jurista valdense que morreu em 2006, arrolou o jovem pastor que, embora sem experiência, lhe parecia promissor. Credenciado como jornalista, Ricca começou a passar os seus dias no Vaticano: "No início, a sala de imprensa era blindada, não era divulgada nenhum notícia. Aparentemente, era como se não acontecesse nada no Concílio, enquanto nós sabíamos muito bem que estava em ação um choque muito duro entre progressistas e conservadores. A minha tarefa previa que eu escrevesse um boletim que era enviado a milhares de Igrejas reformadas no mundo: a Aliança reúne 80 milhões de fiéis. Eu tinha que produzir ao menos um a 15 dias. Além disso, eu não era o único a estar em dificuldades: clamoroso foi o caso do bispo de Chicago que, depois de poucos dias do início dos trabalhos, voltou para a sua cidade argumentando que não era capaz de acompanhar uma discussão inteiramente em latim. Eu, vivendo à margem do Concílio, aprendi que existia um catolicismo vivido, real, muito mais complexo do que o que eu havia estudado nos livros", diz Ricca.
"Além disso, eu não tinha que dar notícias no sentido estrito, porque o que eu vazava já era publicado nos outros meios de comunicação. Ao contrário, eu devia comentar os fatos de um ponto de vista teológico protestante". Pouco a pouco, das paredes de São Pedro, começou a vazar o perfil dos dois exércitos que se enfrentavam.
"Entre os conservadores havia, sobretudo, a Cúria Romana, com exceção de João XXIII, que, nas suas experiências anteriores como núncio apostólico, havia se dado conta da presença de energias novas e vitais que não conseguiam emergir. O cardeal Ottaviani era a sua bandeira. No fronte oposto, ao invés, estavam enfileirados muitos sul-americanos e europeus como o cardeal belga Léon-Joseph Suenens, o homem que fez com que o Concílio aceitasse a ideia de um diaconato permanente aberto também aos homens casados. Ratzinger também, naquela época, podia ser considerado um progressista-moderado. Norte-americanos e africanos, ao invés, eram os de mais perfil baixo".
Felizmente para Ricca também haviam sido chamados como auditores expoentes do mundo protestante, como o luterano Oscar Cullmann, amigo de Paulo VI. Convidado pessoal do papa, depois da morte de João XXIII, na retomada do Concílio, Cullmann estava cheio de informações confidenciais que alimentavam a pena de Ricca e de muitos outros jornalistas, como Henri Fresquet, do Le Monde: "Para saber o que realmente acontecia, muitos padres conciliares arrancavam o jornal francês uns das mãos dos outros".
Depois do Concílio, para o jovem pastor valdense, nada foi como antes. "O catolicismo saiu mais aberto, mais ecumênico no sentido mais amplo do termo, e tudo isso não podia deixar de agradar um protestante: até esse momento, o diálogo com as outras confissões não interessava aos católicos, que encontravam no papa toda resposta às exigências de unidade dos crentes. O Concílio, no entanto, não tornou a Igreja menos romana, nem o papa menos central, e a colegialidade afirmava nesse âmbito foi de fato esvaziada de sentido pelo próprio Paulo VI".
Às suas recordações conciliares, Ricca acrescenta uma sobre Carlo Maria Martini: "Foram homens como ele que me confirmaram o que eu havia entendido no Concílio. Em 1979, quando se tornou arcebispo de Milão, ele escreveu uma belíssima carta pastoral sobre a Palavra de Deus. Nós o convidamos ao templo valdense e, no fim do encontro, eu lhe pedi para que ele parasse para um café. 'Não posso', respondeu, 'porque amanhã de manhã quero participar incógnito da missa de uma pequena paróquia. Eu quero ver a igreja real, não a fictício de uma visita oficial'. Eu pensei que os nossos pastores deviam ter o mesmo zelo".
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''Eu era o infiltrado dos protestantes no Concílio'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU