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28 Julho 2012

 

"Desde o século XIX, pelo menos, a Alemanha, a Rússia e o Japão compartilham um mesmo sentimento de cerco e vulnerabilidade, e responderam a essa situação de ameaça externa com uma estratégia nacionalista de mobilização de recursos e de desenvolvimento econômico", escreve José Luís Fiori, professor titular do Programa de Pós-Graduação em Economia Política Internacional da UFRJ, no segundo artigo sobre o tema, publicado pelo jornal Valor, 24-07-2012.

O primeiro artigo pode ser lido aqui.

 

Eis o artigo.

 

"Marchamos com um atraso de 50 ou 100 anos em relação aos países mais adiantados. Temos de superar esta distância em dez anos. Ou o fazemos, ou eles nos esmagam" Joseph Stalin, "Nuevas tareas para la organización de la economia", Ediciones en Lenguas Extranjeras, 1977, Pequim, p. 532

Como no caso da Alemanha, a Rússia e o Japão são países que sempre tiveram um forte sentimento nacional de cerco, vulnerabilidade e atraso, em relação às grandes potências "ocidentais" que lideraram a formação do sistema interestatal capitalista. E não cabe dúvida que esse sentimento de insegurança coletiva teve um papel decisivo na formulação do projeto e na trajetória nacionalista e militarizada do seu desenvolvimento econômico.

A história da Rússia moderna começa no século XVI, depois de dois séculos de invasão e dominação mongol, e transforma-se num movimento contínuo de reconquista e expansão "defensiva" do Grão-Ducado de Moscou. Primeiro na direção da Ásia, e depois da Grande Guerra do Norte (1700-1720), também na direção do Báltico e da Europa Central, já agora sob a liderança de Pedro o Grande, que foi responsável pelo início do processo de "europeização" da Rússia. Desde então, o relógio político russo sintonizou com a Europa e suas guerras, e o seu desenvolvimento econômico esteve a serviço de uma estratégia militar da "expansão defensiva" de fronteiras cada vez mais extensas e vulneráveis.

Desde o século XIX, a Alemanha, a Rússia e o Japão compartilham um sentimento de cerco e de vulnerabilidade

Uma história de vitórias e derrotas que começa com a guerra contra os otomanos, entre 1768 e 1792, segue com as Guerras Napoleônicas (1799-1815), a Guerra da Crimeia (1853-56), a Guerra com a Turquia (1868-1888) e mais o "Grande Jogo" com a Grã-Bretanha pelo domínio da Ásia Central na segunda metade do século XIX. Uma trajetória que continuou no século XX, com a guerra com o Japão (1904), a Revolução Soviética (1917), a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais, a Guerra Fria, e a Guerra do Afeganistão (1979-1989), logo antes da dissolução da URSS e da retomada nacionalista posterior, no início do século XXI, antes e depois da Guerra da Geórgia (2008).

A história moderna do Japão, por sua vez, começa com a restauração Meiji e o fim do Shogunato Tokugawa, que durou três séculos (1603-1868), e já foi uma resposta defensiva e militarizada do Japão, ao primeiro assédio e "cerco" das potências europeias, no século XVI. Depois disso, a própria restauração Meiji (1868) também foi uma resposta defensiva ao imperialismo europeu e americano do século XIX, na forma de um projeto nacionalista de desenvolvimento econômico acelerado e posto a serviço de uma estratégia de constituição de um "espaço vital", o tairiku dos japoneses, equivalente ao Lebensraum dos alemães.

Desde então, o desenvolvimento e a industrialização japonesa obedeceram objetivos estratégicos e geopolíticos, submetendo-se em última instância à política externa do Japão e à sua guerra com a Rússia (1904), à sua invasão da Manchúria (1931), sua guerra com a China (1937-1945), e sua participação na Primeira e Segunda Guerras Mundiais, seguido da transformação do Japão em protetorado militar dos EUA, durante a Guerra Fria, antes da retomada do nacionalismo japonês, neste início do século XXI, já agora sob a égide de uma nova competição com a China.

Resumindo: desde o século XIX, pelo menos, a Alemanha, a Rússia e o Japão compartilham um mesmo sentimento de cerco e vulnerabilidade, e responderam a essa situação de ameaça externa com uma estratégia nacionalista de mobilização de recursos e de desenvolvimento econômico.

Sua estratégia econômica nunca envolveu grandes discussões macroeconômicas, nem foi definida por economistas, e apesar disso, esses países obtiveram grandes sucessos industriais e tecnológicos. O que nenhum dos três países conseguiu, entretanto, foi alcançar uma posição de centralidade monetária e financeira internacional que lhes desse um poder estrutural de mando sobre os grandes fluxos da economia internacional. Nem tampouco lograram universalizar as ideias e valores, ao contrário do que passou com as potências pioneiras que lograram impor sua ideologia e moeda como suportes de um sistema ético e monetário internacional que funciona como um poder estrutural global, e ao mesmo tempo como uma "barreira à entrada" - quase intransponível - para os demais países.

Por isto mesmo, Holanda, Inglaterra e EUA nunca foram nacionalistas, e Alemanha, Rússia e Japão jamais deixaram de sê-lo, sob qualquer regime ou circunstância. Por isso também, o imperialismo dos primeiros sempre teve uma fisionomia mais liberal e "pelo mercado", apesar de seu continuado militarismo, e o expansionismo dos segundos sempre teve uma face mais militar e agressiva, mesmo quando se propusessem apenas a conquista de novos mercados. Em boa medida, essa hierarquia e essa barreira acabam contribuindo ou induzindo - de alguma forma - para o imperialismo militarista dos demais países que se propõem repetir a trajetória de poder da "coalisão ganhadora", entre Holanda, Inglaterra e Estados Unidos.