12 Abril 2012
A religião ensina ao ser humano o poder da imagem. Nas pinturas rupestres, as formas reduzem a distância da divindade. No Livro dos Mortos egípcio, cores e figuras guiam o falecido na sua viagem. Das paredes das igrejas barrocas, a história sacra enche o fiel de temor pelo verdadeiro Deus. Quem possui a imagem possui o mundo; quem cria a figura, cria o homem. Jesus, o Messias, diz no Alcorão: "Em verdade, trago-vos um sinal da parte do vosso Senhor. Plasmo para vós um simulacro de pássaro na argila e depois sopro em cima dele e, com a permissão de Alá, ele se torna um pássaro". Musawwir, aquele que cria uma imagem, é um dos 99 nomes de Alá. Por isso, a religião proíbe ao ser humano a idolatria, o crime de quem criam imagens para se substituir a Deus.
A reportagem é de Marco Ventura, publicada no jornal Corriere della Sera, 08-04-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O livro do Êxodo esculpe o mandamento: "Não farás para ti imagem esculpida, nem figura alguma do que existe em cima nos céus, ou embaixo na terra, ou nas águas debaixo da terra". Tácito relata que os judeus "não conhecem a divindade a não ser na forma de pensamento" e consideram ímpios aqueles que retratam Deus com semelhanças humanas. No dia da conquista de Meca, lê-se na Sunna, o Profeta lá encontra 360 ídolos: um a um ele os apunhala e os destrói enquanto recita: "Chegou a verdade, a falsidade desapareceu".
Regulando a forma, ditando a norma da imagem, as religiões fluem na história. Judeus, muçulmanos e cristãos competem em pureza de linhas e formas. Uns com o vazio, outros com a plenitude. Um equilíbrio se estabelece onde coexistem cânone e transgressão, princípio e exceção. A modernidade dilacera o quadro, agrava o conflito entre arte e fé. O Império Otomano é seduzido pelas linhas racionais da técnica colonizadora, mas defende a antiga harmonia da caligrafia e dos arabescos. Em vão o tio-avô nega a saudação a Chagall quando fica sabendo da sua paixão ilícita pelas figuras: do judaísmo germinam os pioneiros da arte moderna.
Depois da Segunda Guerra Mundial, cabe ao catolicismo gritar a dor de uma religião sem arte e de uma arte sem religião. Em pleno Concílio, no dia 7 de maio de 1964, Paulo VI fala aos artistas na Capela Sistina. "Nós precisamos de vocês", proclama. A Igreja precisa que as pessoas da arte conservem ao mundo do espírito "a sua inefabilidade, o sentido da sua transcendência, a sua aura de mistério, essa necessidade de alcançá-lo na facilidade e no esforço ao mesmo tempo".
Paulo VI se interroga sobre o porquê "se perdeu o fio" da relação. Ele denuncia uma arte confusa que renunciou a entrar em contato com Deus: "Vocês o abandonaram um pouco, foram para longe, a beber em outras fontes, buscando, embora legitimamente, expressar outras coisas, mas não mais as nossas". Mas o papa também denuncia uma Igreja que, por sua vez, abandonou a arte, impondo "como cânone primeiro a imitação" e colocando sobre os artistas "uma capa de chumbo". O Papa Montini fixa, então, seus interlocutores e prorrompe na célebre "Perdoem-nos!". A semente ultrapassa o catolicismo, vai em mil direções.
Poucos anos depois, em Houston, Mark Rothko assina um lugar de culto que reconcilia diversidade de arte e de credo, uma capela octogonal onde – imagina ele pouco antes de se suicidar – "Leste e Oeste se fundem" (foto). Em 2009, quando Bento XVI celebra os 45 anos da homilia de Paulo VI, a distância entre artistas e fiéis cresceu ainda mais. A esperança de Paulo VI parece derrotada, assim como foi derrotado o dramático sonho multirreligioso de Rothko.
A destruição dos Budas de Bamiyan em 2001 não é um acidente, mas sim o símbolo de uma versão do Islã em guerra contra a beleza e contra a vida, contra a criatividade do ser humano e de Deus, um Islã prisioneiro da norma tirânica de juristas obsessivos.
As religiões orientais fornecem gadgets para o sincretismo pós-moderno. A arte ocidental parece saber dar forma a Cristo e a Maomé só deformando-os. Fiéis e artistas se orgulham de serem livres e contracorrentes, mas se precipitam no conformismo. Os tradicionalistas se orgulham da sua rejeição à modernidade, mas são os primeiros produtos da civilização da imagem. Não há alternativa à estrada apontada em 1964 por Paulo VI aos artistas. Instruir-se, porque "não é lícito inventar uma religião". Experimentar em laboratório a riqueza da expressão. Mas, acima de tudo, "sinceridade". Paulo VI capta o tabu do último meio século: precisamos entrar em nós mesmos e buscar "uma personalidade, uma voz cavada justamente das profundezas da alma, uma forma que se distingue de todo travestimento de palco, de representação puramente exterior".
No pós-moderno virtual, esse desafio diz respeito a todas as religiões, em todos os lugares. Sem aquela que, em 1964, Paulo VI definiu como "a autenticidade do fato religioso", não há verdadeira arte e não há verdadeira fé.
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Arte e fé: a derrota de Paulo VI e de Mark Rothko - Instituto Humanitas Unisinos - IHU