11 Fevereiro 2012
José María Castillo (Puebla de Don Fadrique, Granada, 1928) foi expulso da cátedra de teologia da Universidade de Granada pelo então cardeal Ratzinger, "e ainda espero uma explicação". O teólogo abandonou a Companhia de Jesus depois de meio século como jesuíta. Na próxima quarta-feira, 8 de fevereiro, ele proferirá uma conferência no Clube do jornal Diario de Mallorca.
A reportagem é de Matias Vallés, publicada no sítio do jornal Diario de Mallorca, 04-02-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
Deus gravará esta entrevista?
Não. Deus não é uma representação que fazemos à nossa imagem e semelhança, é uma realidade que não conhecemos nem podemos conhecer. Ele está fora do nosso alcance porque é transcendente.
Alguém pode ser jesuíta ou não ser jesuíta, mas nunca se deixa de ser jesuíta.
É muito difícil deixar de sê-lo, porque isso marca as pessoas. Eu não tenho palavras para agradecer o que eu devo aos jesuítas, tanto quem eu sou, quanto o que eu sei. Meu problema é com a realidade envolvente acima deles.
Um inimigo seu diz: "José María Castillo não é católico, mas tem razão".
Se por católico entendermos uma pessoa que se identifica incondicional e acriticamente com a Igreja, eu não o sou. Se entendermos alguém que comunga com a fé fundamental, sim, eu o sou. Não posso aprovar uma instituição que fala de direitos humanos, mas não os pratica.
O Vaticano cede seu fascínio à Casa Branca.
O Vaticano é a última monarquia absoluta da Europa. Não entendo que a União Europeia permita isso. O papa procura manter excelentes relações com os poderes fáticos, também com a Casa Branca. Reagan fez um pacto com João Paulo II pelo pagamento de milhões ao sindicato polonês Solidariedade, em troca de informação para a CIA sobre os movimentos de base mais ativos no Caribe.
Sua questão com Ratzinger era pessoal.
Eu não sou tão importante, mas fui informado de que o então cardeal e secretário do ex-Santo Ofício, juntamente com o cardeal Suquía, me citaram ao geral dos jesuítas e me proibiram o ensino. Tenho a profunda ferida da calúnia que me foi dirigida pelo cardeal Cañizares com a melhor vontade do mundo, ao dizer que eu era "um perigo para a Igreja".
Deus é uma possibilidade. A Santíssima Trindade é uma invenção.
Tal como se explica, a Santíssima Trindade é efetivamente uma invenção. Ela não aparece no Novo Testamento. Na tradição, fala-se de Deus Pai, de Jesus e do Espírito. Para além disso, as "pessoas" são uma invenção.
O número de abortos sugere que milhares de católicas se submetem à interrupção da gravidez.
Sim. E mais: em Granada, eu poderia dar o nome de uma pessoa que carregava cartazes em uma manifestação contra o aborto, cuja filha, pouco antes, vinda de Londres, onde fez um aborto, quase morreu. São coisas que não se entende.
O colapso da economia salvará a religião?
Pode influenciar, porque continua sendo verdade o ditado: "Nas trincheiras, não há ateus". Ao se verem ameaçadas, as pessoas têm uma tendência espontânea a acudir a algo superior, à Virgem ou aos santos. Além disso, a austeridade imposta pela crise obriga a levar uma vida menos condicionada pelo consumo e focada em valores mais importantes.
Stalin se inspirou na Companhia de Jesus.
Stalin foi seminarista, e eu ouvi dizer que ele sentia uma grande atração pelas Constituições da Companhia de Jesus. Em que sentido acho isso compreensível? Os jesuítas não são ditadores, mostram uma grande tolerância e respeito ao ponto de que em nenhum partido político teriam me suportado como eles me suportaram. No entanto, eles também batem pé na obediência e na fidelidade.
O que Hawking sabe sobre Deus?
Ele sabe o que eu e qualquer outro podem saber. Ou seja, nada. Os físicos que se acham teólogos estão tão errados quanto os teólogos que condenaram Galileu.
Vamos ao título de uma de suas conferências:" É possível um cristianismo não religioso?".
Não só é possível, mas também necessário, na medida em que as religiões são um conjunto de práticas e de observâncias com o propósito de apanhar as pessoas. Jesus foi um leigo, não um religioso. Esteve em conflito com a religião, e por isso foi morto pelos sumos sacerdotes.
A hierarquia peca por vício em sexo?
Eles têm uma obsessão excessiva, ridícula e estranha com esse assunto. Entende-se pelo seu apetite de conquistar o poder e de mantê-lo. Quando você controla o sexo de uma pessoa, você a domina. Os Evangelhos jamais falam diretamente da sexualidade.
Zapatero pagou todas as contas da Igreja.
Zapatero se equivocou com a Igreja, que sempre tira tudo o que pode. Eu não sei por que o ex-presidente do governo lhe concedeu tantos privilégios. Seguramente, pensava em uma contrapartida.
Pode sintetizar Deus em três linhas?
Ele me lembra de Jesus de Nazaré. Não Jesus Cristo, que já incorpora o Cristo ou o Messias. Um simples trabalhador que não expressa a divindade, mas sim o desejo de ser profundamente humano.
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''Jesus foi um leigo morto pelos sumos sacerdotes''. Entrevista com José Maria Castillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU