Por: Jonas | 24 Mai 2012
Patrick D’Rozario (foto) foi o primeiro sacerdote católico ordenado em Bangladesh, após o país, em 1971, conquistar sua independência do Paquistão, depois de uma guerra de nove meses. Após a sua ordenação, em 1972, foi diretor de projetos da Organização Cristã para o Auxílio e a Reabilitação, ajudando mais de 10.000 famílias de uma sociedade devastada pela guerra. Como membro da Congregação da Santa Cruz, estudou em Dhaka e em Karachi antes de ir para a Universidade Católica de Lovaina (Bélgica), onde se graduou em Teologia Moral, matéria que depois ensinou no Seminário Maior de Dhaka (1976-1990). Foi nomeado bispo por João Paulo II, em 1990, e Bento XVI o designou primeiro bispo coadjutor (2010) e, em seguida, arcebispo de Dhaka, em outubro de 2011. Nesta entrevista exclusiva, o dinâmico e cordial arcebispo, de sessenta e oito anos, fala da situação e da missão da Igreja em Bangladesh.
A entrevista é de Gerard O’Connell, publicada no sítio Vatican Insider, 21-05-2012. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Hoje, qual é a situação da Igreja Católica em Bangladesh?
Em princípio, somos uma pequena minoria, em média 160 milhões de pessoas, em que 87% são mulçumanos e 10% hindus. Os cristãos somam meio milhão de pessoas (0,3% da população), dentre as quais 350.000 são católicas, servidas por 350 sacerdotes, 1200 irmãs religiosas e mais de 100 irmãos religiosos.
Após assumir o cargo de arcebispo, senti a obrigação de me reunir com a primeira-ministra, a sheik Hasina. Não para buscar sua bênção, mas para explicar com o que estamos comprometidos. Em primeiro lugar, eu a disse que servimos a nação por meio de nossas instituições educativas, de nossas organizações de beneficência, de nossos centros de saúde e, especialmente, por meio da Cáritas, o braço social da Igreja católica em Bangladesh, que participa de atividades de beneficência e desenvolvimento. Embora sejamos uma comunidade cristã muito pequena – João Paulo II costumava nos chamar de “pequeno rebanho” -, temos um impacto sobre toda a sociedade.
João Paulo II visitou Bangladesh em 1986.
Sim. Ele nos deu satisfação por chamar-nos “pequeno rebanho”, porque isto faz referência à imagem bíblica de ser o sal da terra. Não é necessário muito sal para dar sabor, um pequeno grão dá sabor para um prato inteiro de arroz. Nós nos vemos neste papel; como Igreja, somos muito pequenos, mas confiamos que podemos contribuir em algo, para toda a nação, por meio dos serviços que já mencionei. Foi isto que eu disse para a primeira-ministra.
Em segundo lugar, eu disse para ela que a Igreja assumiu o compromisso de falar sobre a verdade, o amor e a justiça nos temas sociais. E, em terceiro lugar, que a Igreja está comprometida com o diálogo inter-religioso.
De fato, nos últimos três anos, nós, os bispos, já nos reunimos três vezes com o presidente e com a primeira-ministra e, em todas as ocasiões, eles nos pediram que trabalhássemos para a harmonia inter-religiosa. Para nós, isto foi uma surpresa porque já estávamos trabalhando com este assunto, mas pelo fato do pedido vir dos chefes de Estado, tomamos isto como uma espécie de mandato e demos muita importância.
Foi neste contexto que o cardeal Jean-Louis Tauran, presidente do Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-Religioso, nos visitou em abril de 2011. Foi muito bonito ver como todos o aceitaram generosamente: mulçumanos, hindus, budistas e cristãos. O cardeal fez uma conferência, num seminário da Universidade de Dhaka, assistida por mulçumanos, hindus, budistas e católicos. Depois de sua visita, ele disse que Bangladesh é o melhor exemplo de harmonia inter-religiosa de todo o mundo. Nós também acreditamos nisto, pois, culturalmente, existe essa harmonia básica no país. De fato, este é um patrimônio que nós temos há muitos anos.
Remonta-se à fundação de Bangladesh em 1971, não é?
Sim. Como se sabe muito bem, quando foi criado o Paquistão na divisão Índia-Paquistão, em 1947, de certo modo, a harmonia ficou no esquecimento. Porém, com a criação de Bangladesh, em 1971, essa harmonia, característica cultural do nacionalismo bengali, foi um dos critérios principais para haver um Bangladesh independente. De fato, Bangladesh foi fundado sobre quatro princípios: secularidade, nacionalismo, socialismo e democracia.
Quando se reuniu com a primeira-ministra, a sheik Hasina, filha maior do pai fundador da nação – o sheik Mujibur Rahman -, você a explicou as três coisas que a Igreja está comprometida a realizar e ela incentivou que se promova a harmonia entre as religiões.
Exato. E fazemos isto por meio de nossas escolas, de nossos serviços de assistência médica e beneficência, e pela Cáritas Bangladesh. Todas as nossas escolas (300 escolas primárias e 46 escolas secundárias) estão abertas para crianças e jovens de todas as religiões. E o mesmo pode ser dito da Universidade Católica do país, que será aberta em Dhaka. Do mesmo modo, aproximadamente 75% dos empregados da Cáritas não são cristãos, mas se integram conosco; temos nossa própria filosofia e visão, e eles compartilham disto. É aí que reside a singularidade de todo o trabalho social e beneficente que fazemos. Culturalmente, outro valor que possuímos está no fato de que qualquer pessoa, autenticamente religiosa, é aceita pelas pessoas de todas as demais religiões.
Existe, claramente, um grande respeito pela religião, em Bangladesh, e pouco espaço para o secularismo, encontrado no Ocidente.
Esta é minha reflexão: a secularidade para nós significa o reconhecimento de todas as religiões. A religião não é uma questão particular para nós; nossa identidade pessoal é uma identidade religiosa. Quando o presidente da Alemanha, Christian Wulff, veio e se reuniu com sete líderes religiosos, das quatro religiões mais importantes, nós dissemos que não existe outro país em que o presidente e o primeiro-ministro convidem os que não são mulçumanos para celebrar suas festividades. Quando é a festividade budista, fazem uma festa para os budistas e procedem, da mesma maneira, com os hindus e cristãos. É assim que a religião não se trata de um assunto particular.
Além disso, por exemplo, quando é a festa mulçumana de Milad-un-Nabi, o aniversário do profeta Maomé, celebra-se em todas as escolas cristãs. Da mesma forma, quando celebramos o Natal, mulçumanos, hindus e budistas participam e, inclusive, dão palestras. São características únicas de Bangladesh.
Esta é uma mensagem extraordinária de harmonia entre as religiões, porém, também, não existe militância fundamentalista no país?
Sim, existe, mas tal militância, e tudo o que ela acarreta, ainda não se estendeu, está marginalizada. E lembre-se que a militância não é somente contra as minorias, os mulçumanos, inclusive, também se veem afetados. A intelligentsia do país está preocupada.
A pobreza é um grande problema em Bangladesh, aproximadamente 40 milhões de pessoas vivem abaixo da linha da pobreza.
Sim. A pobreza é uma maldição. As pessoas não poderiam viver sem poder satisfazer as necessidades básicas. A pobreza deve ser erradicada; ela é algo pelo qual devemos lutar contra, é uma injustiça. No entanto, ao mesmo tempo, vemos que a pobreza também é evangélica, no sentido de que a pessoa é feliz com pouco, que pensa nos demais e tem uma atitude altruísta. Qualquer estrangeiro que vem a Bangladesh pode notar que apesar de todos os seus problemas, do seu sofrimento, ainda assim as pessoas são felizes, podem sorrir. Porque esta pobreza evangélica, como eu a chamo, não deveria ser vista negativamente. Em si mesmo, ter tudo, ser rico, não proporciona a felicidade que nossa gente tem e que não deve perder; este também é nosso patrimônio.
Alguém poderia realmente dizer que a Igreja de Bangladesh é a Igreja dos pobres.
Sim. Nós somos a Igreja dos pobres. Quando nos reunimos com a primeira-ministra, eu a disse que íamos dar atenção prioritária para a mudança climática, porque Bangladesh se encontra muito atingido pela mudança climática; por esta razão, o mundo todo deveria pensar neste pequeno país, nesta gente pobre que vive na pobreza evangélica.
Porém, trabalhar em prol da justiça, na mudança climática, não é simplesmente uma questão de programas de adaptação e de se proporcionar ajuda financeira para nações mais pobres, como Bangladesh. Nossa contribuição específica deveria ser mais ética e espiritual, refletindo sobre a criação. Para haver uma nova criação, é necessária uma nova mente, uma nova forma de pensar. Por esta razão, contamos com a Cáritas Internacional, cujo secretário geral esteve aqui e falou conosco sobre esse assunto. Podemos ser uma Igreja muito pequena, mas podemos corrigir as coisas que os outros nos advertem.
Na sua perspectiva, como arcebispo de Dhaka, qual é a tarefa da Igreja católica em Bangladesh, nos próximos anos?
Percebo a Igreja desempenhando um papel muito importante no país, especificamente pronunciando-se sobre diferentes assuntos, porque a verdade deve ser dita. Por vezes, partidos políticos ou diferentes grupos estão presos às suas próprias agendas. Porém, nós devemos atuar como uma voz de conscientização das pessoas, com maior disposição e compromisso.
Em segundo lugar, vejo uma renovação do compromisso da fé, porque ser cristão não é simplesmente afirmar que é, mas significa estar comprometido na fé. Em terceiro lugar, nossa Igreja tem um plano pastoral que se concentra, principalmente, nas famílias e nas comunidades de base. Uma quarta prioridade é a promoção da participação dos leigos na Igreja. A formação dos leigos é um ponto imprescindível para que eles possam participar, plenamente, em sua vida familiar e profissional, tornando-se evangelizadores.
Realmente, acredito que é uma bênção ser uma minoria religiosa em Bangladesh, no sentido de que ser cristão, em meio a tantas outras religiões, nos faz pensar em como somos diferentes, em qual é a nossa identidade como cristãos e católicos, e em como podemos dar testemunho de nossa fé.
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“Bangladesh é o melhor exemplo de harmonia inter-religiosa do mundo”, afirma o arcebispo de DhaKa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU