05 Mai 2012
Como não apreciar os acentos sinceros com os quais o Pe. Carrón reconhece honestamente os erros (em alguns casos, os crimes) cometidos por homens do Comunhão e Libertação (CL) e que humilham o movimento fundado pelo Pe. Giussani? Como não medir a distância com relação à obtusa arrogância de Formigoni, que se obstina a negar a evidência da degeneração de um sistema de poder cuja associação com o CL não pode ser cobrada do preconceito da mídia, nem exorcizada com os rituais de distinções formais?
A análise é do jornalista e político italiano Franco Monaco, ex-presidente da Ação Católica Ambrosiana, de Milão, por quase dez anos. O artigo foi publicado no jornal La Repubblica, edição de Milão, 03-04-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A reflexão do Pe. Carrón nos sugere duas advertências, que, somente se tomadas em conjunto, podem levar a um julgamento franco e equilibrado. A primeira é o cuidado de distinguir os muitos jovens transparentes e generosos que participam da vida e das atividades do CL daqueles responsáveis adultos que, ao longo do tempo, endossaram uma contaminação entre Evangelho e poder.
A segunda e especular advertência é justamente a de se interrogar sobre causas e efeitos dessa contaminação. Carrón os menciona quando observa: "Devemos reconhecer que 'presença' não é sinônimo de poder ou de hegemonia, mas sim de testemunho". Daí o maquiavelismo e a teologização das obras geradas pelo movimento.
A minha memória vai para o vivo debate que se desenvolveu nos anos 1980 dentro da catolicidade ambrosiana e italiana entre o CL e a Ação Católica, entre "cultura da presença" e "cultura da mediação", em que a última pressupõe o cuidado pela distinção entre ação apostólica e ação cívico-política. Uma distinção preciosa: porque recomenda que não se envolva a Igreja e as suas expressões associativas nas contingentes e opináveis escolhas de ordem econômica e política, porque valoriza realmente a autonomia responsável dos indivíduos que respondem por si mesmos e não atuam em nome e por conta do movimento eclesial ao que fazem referência em outro plano.
A prática efetiva dessa distinção, talvez, despotencializaria o peso dos membros do CL atuantes nos mais diversos setores da vida econômica, civil e política (não teria sido possível representar os organogramas da saúde lombarda sob o sinal da partição por cotas entre PDL, Liga e CL), mas certamente se beneficiaria com isso a liberdade do movimento e a transparência do seu testemunho.
Um desvio lobista que se alimentou também de um modelo educativo em que a ênfase sobre o pertencimento ao movimento premiou, de um lado, a autonomia pessoal, de outro, a participação mais ampla e comum na vida da Igreja como povo de Deus variado, que transcende os pertencimentos de grupo baseados em afinidades psicológicas e emotivas.
Além disso, seria útil refletir criticamente sobre uma certa leitura-interpretação distorcida do princípio de subsidiariedade, que não é estranho ao impulso de entregar ao setor privado um poder exorbitante. Quando Formigoni, como desculpa, observa que não cabia à Região [da Lombardia] exercer controles penetrantes sobre empresas de saúde privadas que também viviam e vivem de colossais recursos públicos, talvez ele diga a verdade.
Ele se cala, porém, sobre a circunstância de que a privação de tarefas de programação eficaz e controle do ente público, nesse caso a Região, é filha de uma visão e de uma legislação inspiradas no ambíguo slogan "mais sociedade, menos Estado". Até o Estado mínimo e residual. Com a dilatação daquele território intermediário, onde vagam os "mediadores".
Bem além das responsabilidades de Daccò e dos Simone, a questão crucial é a que foi levantada por Valerio Onida e que investe na raiz do modelo de saúde: por que ele propicia os ataques de homens cuja única competência é a da obscura mediação de negócios entre público e privado e a intimidade pessoal com o governador? Seria bom que, depois dos honestos pedidos de desculpas do Pe. Carron, sine ira ac studio se pudesse discutir sobre essas e outras questões subjacentes aos escândalos dos últimos meses.
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A contaminação entre Evangelho e poder - Instituto Humanitas Unisinos - IHU