22 Fevereiro 2012
Um notório graduado da Escola das Américas do Exército dos Estados Unidos [SOA, na sigla em inglês] – um coronel salvadorenho envolvido no assassinato de seis padres jesuítas em 1989 – está enfrentando acusações criminais por supostamente ter mentido em documentos de imigração que lhe permitiram viver tranquilamente nos EUA pelos últimos 10 anos.
A reportagem é de Linda Cooper e James Hodge, autores de Disturbing the Peace: The Story of Father Roy Bourgeois and the Movement to Close the School of the Americas [Perturbando a paz: A história do padre Roy Bourgeois e do Movimento para fechar a Escola das Américas], publicada no sítio National Catholic Reporter, 17-02-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O ex-coronel Inocente Orlando Montano Morales se declarou inocente, na última quinta-feira, 16 de fevereiro, das acusações de fraude e perjúrio na Corte Distrital de Boston.
O ex-vice-ministro para a segurança pública, de 69 anos, que estava trabalhando em uma fábrica de doces em Massachusetts, pode pegar até 40 anos de prisão.
Procuradores federais dizem que ele mentiu sob juramento e deu declarações falsas em 2002, quando se candidatou para um status de proteção temporária, status concedido àqueles que temem por suas vidas se voltarem a seus países natais. Montano afirmou que nunca havia servido nas Forças Armadas nem havia recebido treinamento com armas.
Desde sua prisão em agosto, Montano reconheceu que havia estado nas Forças Armadas salvadorenhas, mas insiste que não desempenhou nenhum papel no assassinato dos jesuítas da Universidade Centro-Americana de San Salvador.
No entanto, o relatório da Comissão da Verdade das Nações Unidas de 1993 conta uma história diferente.
Na noite anterior ao massacre, diz o relatório, o coronel René Emilio Ponce discutiu o complô contra os jesuítas na presença de Montano e de outros oficiais. Ponce e Montano eram velhos amigos, ambos graduados da Escola das Américas de 1970, uma instalação do Exército dos EUA em Fort Benning, Geórgia, que treina soldados latino-americanos.
Na reunião, Ponce deu "a ordem de matar o padre Ignacio Ellacuría e não deixar testemunhas", diz o relatório da ONU. Ellacuría, reitor da universidade, e seus companheiros jesuítas estavam entre os intelectuais mais respeitados do país e entre a vozes mais fortes para uma paz negociada para a guerra civil de seu país.
Poucas horas depois da reunião, no início da manhã do dia 16 de novembro de 1989, uma unidade "antiterrorista" de elite do Exército salvadorenho invadiu a universidade, arrastando Ellacuría e os outros jesuítas de suas camas e estourou suas cabeças com rifles de assalto de alta potência. Para eliminar as testemunhas, os soldados, então, executaram a cozinheira dos padres e sua filha adolescente, crivando-as com balas enquanto se agarravam uma à outra.
O relatório da ONU também afirma que Montano estava entre os oficiais que participaram de um acobertamento, que "pressionaram oficiais de baixa patente a não mencionar as ordens de cima em seu depoimento no tribunal".
Seu papel no massacre dos jesuítas pode não ter sido a única razão pela qual Montano não quis admitir, nos papéis da imigração, que fazia parte do Exército salvadorenho.
Montano era um dos 15 membros do Alto Comando Salvadorenho cujos abusos aos direitos humanos foram documentados em um relatório do Senado dos EUA intitulado Barreiras à Reforma:. Um perfil dos líderes militares de El Salvador. O relatório do dia 21 maio de 1990, preparado pela equipe da Comissão de Controle de Armas e Política Externa do Senado dos EUA, vincula Montano ao caso dos jesuítas e a outras atrocidades.
O relatório observa, por exemplo, que, cinco meses antes do assassinato dos jesuítas, ele "acusou publicamente a universidade de ser um 'grupo de vanguarda', que publicava 'mentiras' para desacreditar o Exército".
O texto continua documentando violações dos direitos humanos cometidas pelas tropas sob seu comando.
Em agosto de 1986, quando Montano era o comandante da Brigada de Engenharia, os soldados dessa brigada sequestraram três irmãos em San Pedro Nonualco. "No dia seguinte", diz o relatório, "seus corpos teriam sido encontrados na rua com suas gargantas cortadas e uma das línguas também cortada".
Em julho de 1987, quando Montano era o comandante da 6ª Brigada, os soldados teriam lançado uma granada em uma casa de Jiquilisco, matando um e ferindo outras oito pessoas no lado de dentro, incluindo seis crianças. No mesmo mês, soldados sob seu comando ameaçaram um homem que se recusou a lhes vender pão e, cinco dias depois, "crivou-o de balas em sua rede, ao simular um tiroteio do lado de fora de sua casa", disse o relatório.
Em janeiro de 1989, soldados sob seu comando prenderam dois membros de uma cooperativa agrícola de San Francisco Javier. "Os corpos dos dois homens foram encontrados três dias depois, com braços e orelhas cortados", disse o relatório, acrescentando que as Forças Armadas afirmaram que os dois homens eram rebeldes que foram mortos em um tiroteio com o Exército.
O padre Roy Bourgeois, fundador do SOA Watch [Observatório da Escola das Américas], que monitora os graduados da escola, agora conhecida como o Instituto para a Cooperação e Segurança do Hemisfério Ocidental, está irritado com o fato de que Montano "tem vivido uma boa vida nos Estados Unidos".
Distorce a credibilidade, disse, o fato de o governo dos EUA estar inconsciente da presença e do histórico de Montano, especialmente pelo fato de ele não ter usado um nome falso.
Montano foi localizado pelo Center for Justice & Accountability, uma organização de direitos humanos de San Francisco que entrou com uma ação em Madri que, em maio, levou ao indiciamento de Montano e de outros 19 em conexão com o caso dos jesuítas.
O caso Montano, disse Bourgeois, "não é uma aberração", citando dois generais salvadorenhos que os EUA permitiram entrar no país nos anos 1990. José Guillermo García, ex-ministro da Defesa, e Carlos Vides Casanova, ex-chefe da Guarda Nacional, foram ambos envolvidos pela Comissão da Verdade das Nações Unidas pelos seus papéis na década de 1980 nos assassinatos de quatro mulheres da Igreja dos EUA. Garcia era um graduado da Escola das Américas, enquanto Casanova era um palestrante convidado da escola.
"Todos esses homens trabalharam estreitamente com as Forças Armadas dos EUA e a CIA, e têm contatos aqui" que irão ajudá-los, disse Bourgeois.
"Isso me lembra de como os EUA ajudaram a contrabandear nazistas para a América do Sul", comentou. Bourgeois soube dessa operação na Bolívia, onde ele atuou como missionário Maryknoll entre 1972 e 1977. Durante esse tempo, o chefe da Gestapo Klaus Barbie, conhecido como o "Açougueiro de Lyon", percorria as ruas livremente. O país era então governado pelo general Hugo Banzer, um graduado do SOA, que tinha derrubado o governo, mas, no entanto, foi aprovado pelo Departamento de Estado como homenageado no Hall da Fama do SOA.
O que mais irrita Bourgeois é que Montano obteve um status protegido enquanto tantos salvadorenhos pobres que foram para os EUA fugindo da violência dos militares foram mandados de volta para enfrentar seu destino.
O desdobramento mais recente, disse, "faz-me pensar em quantos criminosos de guerra ainda estão vivendo aqui e que nós nem sabemos".
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Coronel envolvido no assassinato de jesuítas afirma não ser culpado - Instituto Humanitas Unisinos - IHU