Por: André | 01 Outubro 2013
Como descrever os mecanismos da dominação hoje? Além dos dominados, o sociólogo Luc Boltanski vê a necessidade de se interessar pelas "elites" e "dirigentes".
Desde os anos 70, Luc Boltanski elabora uma obra sociológica ambiciosa, hoje uma das mais lidas e discutidas no mundo.
A entrevista é de Sylvain Bourmeau e Anastasia Vécrin e publicada no jornal francês Libération, 13-09-2013. A tradução é de André Langer.
Eis a entrevista.
Convidado para abrir, no início de setembro, em Nantes, o congresso da Associação Francesa de Sociologia, você revalorizou o conceito de dominação. Por quê?
Não fui eu quem escolheu o tema, mas eu estava interessado em contribuir para a reflexão comum sobre um conceito que desempenhou, na história da sociologia, um papel ao mesmo tempo periférico (os sociólogos que o exploraram sempre foram uma minoria) e central, de Marx e Max Weber até Bourdieu e depois dele. O conceito de dominação foi muito usado na década de 1970 – quando eu comecei a exercer a sociologia – muitas vezes ligado à ideia de violência. Seja a violência física exercida sobre o corpo, no caso de um governo autoritário, seja a simbólica, da qual falava Bourdieu, ampliando ideias já presentes na Escola de Frankfurt.
Essa violência simbólica se confunde com a ordem das coisas, tornando-se mais aceitável para aqueles que a sofrem. Esta concepção, porém, é problemática, pois se torna muito difícil distinguir uma situação de dominação de qualquer situação social. Nas décadas de 1960-1970, a proximidade das lutas antifascistas e das guerras de descolonização legitimava ainda muitas vezes o uso da violência por parte dos dominados. A partir dos anos 80, sob a presidência de Mitterrand, prevaleceu a crença nas virtudes pacificadoras da democracia social do mercado e da implementação universalista dos valores nacionais. Portanto, a ideia de violência e, com ela, a da dominação quase desapareceu do debate intelectual. Mas, muitas vezes, à custa de esquecer as relações de poder que sempre estão no centro das relações sociais.
Foi nessa época, no início dos anos 80, que você passou de uma sociologia crítica a uma sociologia da crítica...
Eu estava interessado nas disputas e nos conflitos sociais. No entanto, parecia que a sociologia crítica estava indo rápido demais no estudo desses conflitos, como se uma análise partindo das estruturas e dos arranjos dos atores fosse suficiente para descrever o desenvolvimento e, até mesmo, para validar as pretensões de certos atores. Com alguns amigos sociólogos, decidimos, baseados em parte no modelo das science studies, suspender o nosso julgamento para observar como os próprios atores desenvolvem habilidades críticas e justificativas nas disputas.
Isso não implicava um relativismo político ou ético, mas um relativismo que podemos chamar de metodológico. Isso não impedia, num segundo tempo, mas com base em uma minuciosa descrição, de submeter a um julgamento crítico as partes envolvidas. Admito que é uma postura muitas vezes difícil de manter. Um dia, por exemplo, participando por necessidade de uma pesquisa de uma reunião de negacionistas, eu explodi e, deixando de lado o meu papel de observador neutro, comecei a discutir com o meu interlocutor antes de tomar a porta.
No entanto, esta sociologia da crítica nos ensinou muito, levando-nos a considerar o espaço social como um lugar vivo, sempre em movimento, no qual os atores competentes e criativos trocam críticas e justificativas em situações mais ou menos incertas. Se quiser, um pouco como a cena de um julgamento. Enquanto a sociologia crítica da dominação, tomando muitas vezes um ponto de vista dominante, interessava-se mais pela reprodução. Estas duas abordagens são, na minha opinião, ambas válidas, mas o problema, um dos mais espinhosos para a sociologia contemporânea, é articulá-las num mesmo quadro de análise. No entanto, elas gradualmente se enrijeceram sob a forma de "duas escolas". Tornou-se, portanto, urgente suspender essa oscilação ora para um extremo, ora para outro, e construir uma sociologia capaz de compreender num mesmo quadro os efeitos da dominação, que são bem reais, e as capacidades dos atores de afastá-los ou resistir a eles, sem, não obstante, valorizar politicamente uma aproximação em detrimento da outra.
Não foi, também, o surgimento de uma nova crítica social que o levou a retomar a noção de dominação?
É verdade que a partir dos anos 2000, desenvolveu-se uma excelente crítica filosófica e sociológica do neoliberalismo. O problema, bem concreto, é que ela não foi feita no campo político, certamente não pela direita, mas também não pela esquerda. Isso nos obriga a nos perguntar o que pode ser a ordem social em que estamos imersos, isto é, uma forma de dominação na qual a crítica pode se expressar livremente, mas sem produzir o menor efeito.
Isso nos deve encorajar, como sociólogos, a nos interessar não só pelos mais pobres ou pelos dominados, cuja condição nos indigna, mas também, e especialmente, pela "elite", pelos "responsáveis" em posições de poder, e pelos dispositivos que lhes permitem ao mesmo tempo implementar este poder e de dissimulá-lo. Então, precisamos compreender os novos dispositivos de poder, num contexto nacional e num contexto global e, em particular, como eles se apóiam menos em ideologias visando formatar os desejos dos indivíduos, do que sobre o argumento da necessidade: "Quer queira ou não, não existe outro caminho". Este novo fenômeno, nós o vislumbramos com Bourdieu desde 1976, isto é, nos seus começos, quando publicamos um artigo sobre "a produção da ideologia dominante."
Além do fato de que eles são ineficazes, algumas tendências da crítica do neoliberalismo chegam inclusive a preocupá-lo...
Sim, aquelas que não hesitam em passar da crítica do neoliberalismo econômico à crítica da tradição do liberalismo histórico. Porque não é inocente apegar-se à herança liberal do Iluminismo. A década de 1930 mostrou como as tentativas de superar o liberalismo e sua substituição por pensamentos comunitários, mesmo nacionalistas, eram perigosas. Hoje, diante do fracasso da crítica do neoliberalismo, diante da desmoralização da Europa, algumas pessoas, oriundas especialmente da esquerda, desenvolvem discursos que podemos chamar de neoconservadores à francesa, diferente da sua versão americana, porque se pretendem anticapitalistas.
O filósofo Jean-Claude Michéa é típico desta corrente de pensamento, como o são com frequência os convidados [do programa de rádio] Répliques, de Alain Finkielkraut. Estes discursos estigmatizam, em geral, dois tipos de inimigos. No exterior, os países emergentes, que já arruinaram os nossos operários e agora querem arruinar o que nos resta de agricultores. Internamente, os árabes, que ameaçam os nossos valores ancestrais. Toda vez, trata-se de verdadeiros discursos de guerra. O que é lamentável é que esses discursos tipicamente de direita ou de extrema-direita, encontram agora modalidades de expressão na esquerda ou na extrema-esquerda, especialmente em torno do tema da laicidade e reivindicando o republicanismo. Isso obriga os intelectuais de esquerda a prestar atenção em duas direções diferentes. O pensamento crítico não pode ser simplesmente dirigido contra o neoliberalismo, mas também deve encarar alguns desvios da crítica do neoliberalismo.
Como superar a dominação?
Ocupando-se com as instituições. O erro seria contentar-se em criticá-las, reduzindo-as à violência simbólica, que, na verdade, elas produzem. Uma sociedade necessita de instrumentos capazes de dizer "é o que é", ou seja, de instâncias suscetíveis de reduzir a incerteza que engendra necessariamente o fluxo dos acontecimentos, o fluxo da vida. As instituições podem dizer o que é “em si”, porque elas não estão situadas. Estando situadas, os atores só podem ter um "ponto de vista" sobre os problemas, como se diz com razão. Mas a instituição deve dar-nos o ponto de vista dos pontos de vista. A maneira mais fácil é delegar a função semântica para a instituição, pois é um corpo sem ser propriedade que permite que seja dominante. Mas sendo sem corpo, necessita de porta-vozes, e esses porta-vozes – um dos temas mais antigos da sociologia – nunca se sabe se eles falam em nome da instituição ou em nome de seus próprios interesses. Eles são dotados de regalias, de um tom de voz particular, para designar os casos em que é o bem comum que se expressa pela sua boca. Mas, confrontados com estas declarações, a crítica sempre está pronta para se manifestar, mesmo que seja na forma de ironia. Atualmente, está na moda criticar a crítica, considerando que é uma fonte de inquietudes, de impotência. Penso, ao contrário, que as sociedades nas quais se expressam os fenômenos patológicos, são as sociedades nas quais não há crítica. A patologia é o consenso.
A emancipação virá, então, das instituições?
Antes dos movimentos sociais, que obrigariam as instituições a se reformarem ou criariam instituições sujeitas, por sua vez, à crítica. Precisamos repensar as relações entre as instituições e a crítica. Estes últimos não são necessariamente relacionados com a forma Estado-nação, também eles sem fôlego. Podemos procurar, do lado das tradições libertárias, imaginar instituições em sintonia com os dispositivos interpretativos vindos dos atores sociais.
A maior desigualdade é, sem dúvida, a desigualdade em relação às regras. Quanto mais alto se está na escala social, mais facilidades se tem em relação às regras e menos se é posto à prova. Ser dominado é ser posto permanentemente à prova. A emancipação passa pela possibilidade real de dar a todos os atores os meios para interpretar as regras, e também de contestá-las. Como mostrou a sociologia da ação, ninguém pode agir corretamente seguindo uma regra ao pé da letra, além do que ninguém o faz. Mas, no caso dos dominantes, isso é elogiado como uma capacidade estratégica e, no caso dos dominados, reprimido como transgressão. A indignação moralizante – provocada pelos privilégios que os poderosos se dão quando vão realmente longe demais e o que se pode ver no caso do já famoso Cahuzac – é insuficiente se não estiver acompanhada de uma profunda mudança em relação à regra. A reflexão sociológica pode contribuir para isso.
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“Ser dominado é ser posto permanentemente à prova”. Entrevista com Luc Boltanski - Instituto Humanitas Unisinos - IHU