11 Setembro 2013
A implantação de uma política eficiente para a gestão de resíduos sólidos no Brasil é uma discussão que vem mobilizando diversas entidades da sociedade civil, preocupadas em solucionar um problema que só vem se avolumando em lixões e aterros sanitários nas últimas décadas.
Para se debruçar profundamente e apontar caminhos sobre o desafio imposto pela regulamentação da Política Nacional dos Resíduos Sólidos, aprovada em 2010, o Instituto Ethos, com apoio do Programa CATA AÇÃO da Fundação Avina, convidaram pesquisadores do Núcleo de Economia Socioambiental da USP para fazer um estudo sobre o assunto.
O resultado dessa pesquisa está sendo lançado esta semana com a publicação do livro Lixo Zero – Gestão de resíduos sólidos para uma sociedade mais próspera, escrito pelo sociólogo e professor da USP Ricardo Abramovay, em conjunto com as pesquisadoras Juliana Speranza e Cécile Petitgand.
A obra faz uma detalhada análise sobre o atual panorama da produção, coleta e descarte dos resíduos sólidos no país. Dá exemplos sobre resultados bem sucedidos por alguns setores tanto no Brasil como no exterior.
Na entrevista ao Parceiros do Planeta, Abramovay fala sobre o livro e conta quais são os pontos imprescindíveis a serem colocados em prática, segundo os autores, para que a a lei brasileira contribua para uma sociedade mais próspera.
A entrevista é de Suzana Camargo, publicada no sítio Planeta Sustentável, 07-09-2013.
Eis a entrevista.
O que é o Lixo Zero?
A expressão pode parecer estranha, mas ela indica um valor, uma ética: trata-se de repensar a maneira como a sociedade utiliza as bases materiais, energéticas e bióticas que compõem sua riqueza. Já há várias cidades do mundo que fixam objetivo de lixo zero. Isso significa que os materiais que hoje descartamos correspondem a um desperdício. Lixo zero significa recolocar estes materiais em ciclos produtivos em que eles serão sempre a base para a formação de nova riqueza. O objetivo é passar da sociedade do joga fora para a sociedade que mantém uma relação inteligente com os materiais dos quais ela depende.
Como isso pode ser levado à prática?
Uma vez estabelecido este valor, o passo seguinte é fixar um princípio que vai nortear a ação. Este é o princípio do poluidor-pagador, que tanto quanto a redução no uso dos materiais está contido na nossa Política Nacional de Resíduos Sólidos. Isso quer dizer que o fabricante ou o importador de um produto é que deve responder pelos custos do recolhimento e do reaproveitamento dos materiais que foram descartados em virtude do consumo daquilo que ele ofereceu. Este princípio tem uma base empírica importante que o fundamenta; os países que reduziram a quantidade de resíduos e mais conseguiram avançar no reaproveitamento dos mesmos foram os que aplicaram o princípio do poluidor-pagador. Esses países atribuíram ao setor privado a responsabilidade pela organização e ou pagamento do sistema de logística reversa dos resíduos produzidos e na proporção daquilo que fabricantes e importadores colocaram no mercado.
No caso brasileiro, faz parte do princípio do poluidor pagador a remuneração do trabalho dos catadores. Eles devem receber por duas coisas de natureza diferente. Uma coisa são os produtos que vendem. Só que muiitas vezes o mercado não é capaz de pagar corretamente por estes produtos. Eles têm que ser remunerados também pelo serviço que prestam às cidades ao retirarem das ruas aquilo que, sem sua atividade, se transformaria em poluição. Isso tem que ser pago e é uma responsabilidade de quem colocou o produto na rua.
Qual o papel do governo neste contexto?
O município responde, legalmente, pela coleta domiciliar. Mas o que se vê nos países que reduziram a quantidade de resíduos enviados a aterros é que há uma agência pública e não estatal que responde pela coleta seletiva. Quem paga por isso são os fabricantes e importadores. Isso já acontece no Brasil em casos como pneus, baterias automotivas, óleos lubrificantes e embalagens de óleos lubrificantes. E funciona cada vez melhor. Nestas situações o governo tem papel central no estabelecimento de metas ambiciosas de redução, de coleta e de recuperação.
E que custo nesse sistema cabe ao consumidor?
É lamentável o processo de demonização da taxa do lixo que ocorreu no Brasil. As pessoas acham que não pagam, mas o pagamento está embutido no IPTU. A diferença não é só que hoje o que se paga é opaco. É que não se pode fazer política pública de incentivo, estimulando conduta correta nos domicílios cobrando menos ou isentando a cobrança da taxa, por exemplo. Além disso fala-se muito na urgência de ampliar a consciência do consumidor na correta separação do lixo. Isso também com a responsabilidade, antes de tudo, das empresas, orientando os consumidores por meio de campanhas publicitárias criativas e por sinalização nos próprios produtos. No sistema europeu Ponto Verde, isso foi feito com muito sucesso.
Como é possível acabar com os lixões?
Pela lei, em agosto de 2014 o Brasil terá acabado com os lixões. Só que hoje 40% dos resíduos vão parar nos lixões ou para sua forma um pouco menos danosa, que são os aterros controlados. Estas formas inadequadas de destinação concentram-se nos pequenos municípios, sobretudo nas regiões Norte e Nordeste. Isso só vai acabar se os municípios fizerem consórcios. Só que não é fácil, pois consórcio significa renunciar a uma gestão muitas vezes clientelista e comprometida com interesses políticos imediatos. Num consórcio, tudo tem que ser transparente, o que não vai na direção das práticas atuais. Esta é uma das razões em função das quais somente 10% dos municípios entregaram seu plano de resíduos sólidos ao governo federal, o que é muito preocupante.
Qual é o custo da logística reversa para as indústrias?
Ninguém sabe e isso tem que ser calculado produto a produto. Nos setores de pneus, baterias, embalagens de agrotóxicos e óleos lubrificantes, estes custos já são conhecidos, pois os sistemas estão em ação. Claro que os custos para indústria e importadores será repassado para toda a cadeia e para o consumidor. Mas isso não pode ser visto como negativo. É uma forma de abolir o sistema atual, de preços mentirosos, em que os custos estão ocultos e são pagos na forma de custos de coleta e destinação dos resíduos e pagos por todos e não por quem consumiu o produto.
O Brasil ainda enfrenta um grande problema para achar um destino correto para os resíduos úmidos ou o lixo orgânico?
Mesmo nos países desenvolvidos, este é um problema muito sério. Talvez seja o grande desafio atual. Já há modelos e circuitos de recuperação de resíduos sólidos. Os próprios catadores de resíduos sólidos já possuem conhecimentos importantes nesta direção. Mas nos resíduos úmidos a coisa é diferente. Agora começam a ser estabelecidas metas e mecanismos de destinação correta nos países desenvolvidos. Nós vamos ter que fazer isso também. As duas principais formas de destinação destes resíduos são biodigestores para gás e compostos orgânicos para fertilizantes. Os estudos que vimos não corroboram a ideia de que a incineração seja o melhor meio de garantir sua destinação correta.
Qual o peso do lixo no orçamento das cidades?
Enorme. O custo do transporte de lixo, por exemplo, é algo que está ficando cada vez mais proibitivo. É um problema seríssimo em todas as cidades do mundo, inclusive em São Paulo, que está levando o lixo para cada vez mais longe. Essa é uma das razões que precisamos aumentar a compostagem e também a digestão anaeróbica para a produção de energia.
O que a indústria deve fazer para produzir menos resíduos?
Ela deve se preocupar com o design de seus produtos. Um caso típico é a produção de eletrônicos sem a preocupação referente ao reuso de materiais valiosos que estão no interior desses produtos. Na Europa e no Japão, a partir dos anos 2000, por pressão dos pesquisadores e da sociedade civil, houve uma mudança muito importante na própria concepção dos produtos para haver uma reutilização dos materiais. O grande desafio é fazer a reintrodução de materiais usados na produção de bens e serviços, permitindo que a esses produtos seja agregado valor, numa economia circular e ascendente. É preciso deixar para trás a economia do jogar fora.
Do que depende esse novo modelo econômico?
Pesquisa, inovação, inteligência e criatividade. Esse é um desafio imenso para a humanidade hoje uma vez que as fontes de matérias primas das quais nós dependemos são cada vez mais escassas e vão tornando os produtos cada vez mais caros.
Quais são os fatores primordiais apontados pelo Lixo Zero para a implantação bem sucedida da Política Nacional dos Resíduos Sólidos?
Primeiro estabelecer claramente o princípio do poluidor-pagador. Segundo, estabelecer claramente o princípio do consumidor-pagador. A terceira ideia fundamental é a organização da logística reversa, feita por agências públicas, não estatais. Por último, o governo precisa ter metas de coleta e reciclagem muito ambiciosas, que vão muito além do que já está sendo feito agora. Se esses quatro pontos forem implementados, em 10 a 15 anos conseguiremos mudar completamente o panorama desse assunto no Brasil.
Por que é tão importante o envolvimento do setor privado na gestão dos resíduos?
Porque o setor privado vai imprimir uma dinâmica de eficiência e inovação que será completamente diferente do marasmo que temos hoje na gestão de resíduos sólidos do país.
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Lixo Zero - Instituto Humanitas Unisinos - IHU