30 Agosto 2013
Obama, os primeiros-ministros europeus, os políticos italianos: apagam-se a imagem e o carisma das elites. Apenas o Papa Francisco resiste (por enquanto).
A análise é do jornalista italiano Massimo Franco, colunista político do jornal Corriere della Sera, em artigo publicado no caderno La Lettura do mesmo jornal, 18-08-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Continua-se citando a rapidez com que o conclave dos cardeais católicos elegeu o Papa Francisco no dia 13 de março passado como um exemplo invejável e inimitável. Foi uma surpreendente prova por parte de uma Igreja apontada como lenta, em profunda crise de identidade e sobrevivente de turvos conflitos vaticanos: uma situação tão grave a ponto de induzir Bento XVI à renúncia, primeiro caso depois de mais de seis séculos.
A admiração é justificada. Mas o lamento pela incapacidade da classe política italiana de fazer o mesmo talvez não seja suficiente; nem é suficiente constatar que, no Ocidente, muitos personagens de relevo que guiam as suas nações têm uma imagem ofuscada, quando não de impotência.
Por outro lado, com uma crise econômica que já dura mais de cinco anos (e na Itália, de fato, muito mais tempo), seria estranho se as classes dominantes não estivessem gastas: principalmente porque elas não oferecem visões novas. O insucesso já percebido pela opinião pública está associado a algumas figuras de cúpula. Mas está se tornando cada vez mais claro que o problema não são apenas as pessoas, mas sim o sistema de valores e o modelo que expressam. Sem uma modificação do campo de jogo, das regras, dos pontos de referência, a fogueira das lideranças presentes e futuros será inevitável: ou serão destruídas ou se autodestruirão.
E não só: não existe mais uma "academia" que forje as lideranças políticas. Por cerca de 20 anos, com raras exceções, a Itália as tomou emprestado de outros mundos de competência, quer se tratasse da indústria, da universidade ou da magistratura. A atitude de rejeição com relação a um mal-entendido profissionalismo da política criou e radicou uma nomenklatura de amadores, percebidos no fim como profissionais apenas em sentido negativo. O resultado é desconfortante. A lição é a do fracasso de uma democracia e de um poder verticais e personalizantes.
A ideia de que uma figura solitária pudesse sozinha, ou com poucos e dóceis executores, resolver os problemas se revelou como uma ilusão amarga. Ao invés de reconstruir uma classe dirigente, criou uma caricatura dela, recorrendo de vez em quando a "invenções" e atalhos que, no fim, empobreceram o seu nível e atrasaram qualquer hipótese de recuperação.
Sem um projeto compartilhado por uma maioria que se esforça para se identificar apenas com a maioria eleitoral ou por uma inclinação, seja qual for o "chefe", declinado no masculino ou no feminino, ele está destinado a se confrontar com resistências e hábitos arraigados e, no fim, vencedores. Parece difícil recomeçar sem reconhecer que uma época acabou, e que perpetuá-la significa retroceder; e evitando uma seleção dos futuros líderes pensada de maneira radicalmente diferente do passado.
Desse ponto de vista, o caso de Jorge Mario Bergoglio é muito instrutivo. O papa argentino é filho de uma Igreja Católica que se sentiu perigosamente à beira do colapso. E representa a resposta radical, embora ainda não a solução, para esse desvio. É, portanto, o produto de uma espécie de trauma salutar, de sucessão-choque preparada e obtida por aqueles que entenderam que era necessária uma reviravolta total, porque os paradigmas do passado estavam enterrando o governo vaticano. Sem essa aguda consciência de ter que romper com o passado, não se registraria o interesse e as expectativas provocadas pelo pontífice.
Sua eleição foi possível graças a uma escola de liderança em rede, global, não improvisada, mas forjada nas realidades e na experiência dos episcopados locais, que permitiram que se "pescasse" o novo chefe da Igreja em uma faixa periférica e remota do catolicismo. A ansiedade involuntária com que os elementos mais reacionários da Cúria tendem a minimizar o porte da novidade faz refletir. Confirmação de que a cesura é tão vistosa a ponto de induzi-los a sugerir e quase a invocar ameaçadoramente uma freada, para evitar que tudo desmorone.
Mas a liderança de Francisco só funciona e abre brechas se coloca em discussão o sistema anterior e enxuga os bolsos do imobilismo; se acolhe o sinal desesperado dado por Bento XVI com a sua renúncia ao papado.
Em suma, Francisco se consolida como líder e demonstra ter por trás uma classe dirigente eclesiástica que compartilha os seus objetivos e até mesmo os seus métodos. Para isso, esperamos entender como ele irá remodelar o governo do Vaticano depois de ter revolucionado em quatro meses a imagem do pontificado. Sem essa passagem, o esgotamento ameaça enfraquecer até mesmo o que ele fez até agora e, de fato, a sua própria liderança.
Mas pensar em "imitar" o papa na política italiana e europeia corre o risco de ser ilusório e enganoso. O carisma e as margens de comando que o homem no ápice da hierarquia vaticana possui não são comparáveis aos de um líder político. E, é preciso dizer, felizmente.
É indicativo que a chanceler Angela Merkel esteja encaminhada para a vitória nas eleições de outono na Alemanha, mas não se exclui que ela dará origem a um governo de unidade nacional. Evidentemente, em uma fase tão complicada, mesmo os percentuais mais triunfais devem ser compensados com um consenso alargado. As dificuldades que Barack Obama encontra nos Estados Unidos nascem da tentativa frustrada de se emancipar de um partisanship, ou seja, de uma filiação de partido, que o limita. O segundo mandato presidencial parece acentuá-la para além da sua vontade, irritando a minoria republicana e tirando o brilho de uma liderança nascida com a ambição de unificar o país; e que, depois de quase cinco anos deve constatar que não conseguiu.
Na própria Europa, onde as cotações de Obama também continuam muito altas em termos de popularidade – 80%, segundo um relatório de 2012 do Pew Global Research –, a questão das interceptações criou tensões com os governos aliados, apenas parcialmente reabsorvidas. E justamente enquanto se tornam tensas as relações entre a Casa Branca e o Kremlin por causa do asilo político concedido por Vladimir Putin ao ex-agente da CIA Edward Snowden, nas nações centro-orientais europeias, que antes gravitavam em torno da Rússia e agora se sentem Ocidente, nota-se uma ponta de decepção pelo "potencial jogado fora" por Obama. A acusação é de ter renunciado à liderança político-estratégica sobre esses países: da Polônia à República Checa, passando pela Ucrânia e pelos Estados bálticos.
No último número da revista polonesa em inglês New Eastern Europe, um estudioso da Georgetown University de Washington, Filip Mazurczak, aponta que George W. Bush visitou sete vezes a Europa centro-oriental durante os primeiros quatro anos de mandato; Obama o fez apenas três vezes. E na sua recente viagem europeia, o secretário de Estado dos EUA, John Kerry, limitou-se a tocar em algumas capitais ocidentais.
Mas o aspecto que mais investe diretamente também sobre a Itália é o embaçamento das instituições europeias. Trata-se de uma tendência acentuada pelo renascimento de nacionalismos em Estados que, na realidade, estão em crise em primeiro lugar. A União Europeia registra uma dupla carência de liderança: em nível nacional e supranacional. Basta percorrer os problemas que afetam os maiores países, da Espanha à França, da Itália à Grã-Bretanha, que também busca descarregá-los chamando em causa a intromissão burocrática de Bruxelas até ameaçar um referendo em 2017.
A imagem dos líderes é a de expoentes políticos obrigados a perseguir e a calar uma opinião pública nervosa por causa de um nível de vida em declínio; e principalmente por causa da ausência de perspectivas de recuperação em curto prazo. O afã das instituições políticas da União a reflete. E tornou-se tão vistosa a ponto de fazer dizer que o "verdadeiro" líder da União Europeia não se encontra em Bruxelas ou em Estrasburgo, mas sim em Frankfurt. Certo ou errado, é citado o número um do Banco Central Europeu, Mario Draghi, que tem a sua sede justamente na cidade alemã de Frankfurt. Em parte, a percepção de um deslocamento do baricentro do poder parece inevitável.
Aquelas que, até a Guerra Fria e nos anos imediatamente posteriores, eram prioridades estratégicas e geopolíticas hoje se tornaram econômica e financeiras. No passado, o chamado "vínculo externo", que condicionava muitas escolhas também de política interna, eram a Otan e a União Europeia. Agora, a referência obrigatória não é segurança nacional em termos militares, mas sim uma espécie de "segurança financeira internacional": dentre outras coisas, a exigência de reduzir a despesa pública afeta de modo tangível a segurança militar.
Olhando bem, mesmo na escolha do Papa Francisco de logo agredir os mistérios e as ineficiências turvas do IOR, o chamado "banco vaticano", pode-se perceber um eco simbólico dessa mudança de prioridades estratégicas. Mas a natureza híbrida do Banco Central Europeu acaba não sancionando um novo equilíbrio. Oficializa, no entanto, os limites, as contradições e a incompletude do que foi construído até agora no nível das instituições.
A Itália, a propósito, representa um ótimo exemplo de oportunidades perdidas: é a miniatura exagerada e um dos bodes expiatórios intermitente das disfunções europeias. O esfacelamento da maioria berlusconiana de 2008, que era esmagadora no Parlamento, ocorreu em menos de três anos e por contradições totalmente internas à coalizão. E a que a substituiu, primeiro com Mario Monti e depois com Enrico Letta, é mais "inatural" do que se poderia imaginar. Porém, os chamados "amplos entendimentos" representam a maioria obrigatória e insubstituível em uma fase de transição em que ninguém tem os votos para governar.
Mais do que líderes, sente-se a necessidade de mudar de esquema, mostrar unidade de intenções, apagar a imagem de precariedade patológica que acompanha a Itália. A heterodoxia do "amplo entendimento" é, na realidade, a premissa para afirmar um novo sistema e lideranças inclusivas, que não se tornem álibis para o imobilismo.
A dúvida é que a nomenklatura política de hoje seja inadequada para essa tarefa. Ela cresceu em uma cultura da parcialidade e da rixa que exalta "razões" fragmentadas; além disso, reflete uma sociedade agarrada às suas posições de renda. Os consensos foram construído em torno de blocos de interesses que até poucos anos atrás, talvez, ainda eram um elemento de força; hoje, no entanto, expressam parcelas de sociedade minoritárias, até mesmo residuais.
Precisamos nos perguntar por que nenhum expoente da chamada Segunda República foi um candidato vitorioso à presidência da República. À esquerda, os nomes propostos nem sequer receberam todos os votos dos seus próprios parlamentares. Evidentemente, há uma barreira invisível que desconhece lideranças institucionais compartilhadas. Foi necessário prolongar o período de sete anos de Giorgio Napolitano, que também se apresenta como o verdadeiro fiador do governo Letta.
E a rapidez com a que se incha o fenômeno do abstencionismo soa como rejeição implícita da oferta política. O drama é que não se vê quem pode recompor um quadro social, antes que partidário, com o risco de dilaceração.
Até porque a impopularidade está à espreita, e ninguém parece propor uma visão que vá além das próximas eleições. Ao contrário, há aqueles que se iludem de sobreviver evocando as urnas. É uma miopia que está sendo paga com um preço alto. A hipoteca dos velhos equilíbrios faz com que a Itália se pareça de modo preocupante com o Vaticano: não o de Francisco, mas sim o anterior, dividido e acéfalo, que para esperar se salvar teve que se debater contra a realidade inédita da renúncia de Joseph Ratzinger.
A diferença é que um epílogo desse tipo, na Itália, dá arrepios. Apesar de ambições e veleidades, a fábrica das lideranças tende a produzir no máximo "experimentos" ou clones do passado.
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A fogueira da liderança. Artigo de Massimo Franco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU