Por: Jonas | 13 Julho 2013
Às quatro da tarde, com o calorão romano em seus melhores dias, dois guardas suíços uniformizados e um gendarme ficam na entrada da Casa Santa Marta, a residência do Papa e de cerca de quarenta bispos, monsenhores e leigos que trabalham no Vaticano. É um sinal: o “número um” se encontra aí. A bandeira branca e amarela com os escudos vaticanos permanece imóvel frente às janelas do segundo piso deste paralelepípedo anônimo, construído a pedido de João Paulo II, em meados dos anos 1990, para que os cardeais se hospedassem ali durante os Conclaves.
A reportagem é de Andrea Tornielli, publicada no sítio Vatican Insider, 12-07-2013. A tradução é do Cepat.
Trata-se da casa de Francisco. Após se identificar, o hóspede desce pela escada semicircular, austera e um pouco fria, que conduz ao hall. Ali, atrás do enorme balcão, um leigo com traços orientais e traje cor tabaco fica atendendo. Silêncio absoluto. O verão também é sentido em Santa Marta e, além disso, os hóspedes sabem quem a qualquer momento pode aparecer no elevador, do outro lado de uma porta, no refeitório ou numa das salinhas. Quando alguém deixa seu quarto em Santa Marta, precisa estar bem vestido, é claro.
Lá dentro, no hall, há outro guarda suíço e outro gendarme, ambos vestidos como civis. “Disseram para esperar numa das salinhas, que tem poltronas estofadas com tecido verde. O Papa – conta nosso interlocutor, recebido em audiência privada – chegou de repente, sozinho, sem secretários, nem mordomos. Estava com um envelope com alguns rosários. Ao final do encontro, ele mesmo abriu a porta e me acompanhou ao pé da escada”. É uma cena que descreve muito melhor do que outras as mudanças que estão ocorrendo no Vaticano.
A Casa Santa Marta é algo entre hotel e casa do peregrino, razão pela qual é muito difícil que nela se instaure o sentido de corte, tão evidente no Palácio Apostólico, com sua dignidade renascentista. A decisão de permanecer na residência em que se hospedou como cardeal durante o Conclave (tomada “por razões psiquiátricas”, porque não queria o “isolamento”) foi explicada por Francisco ao seu amigo e sacerdote argentino Enrique Martínez, “Quique”: “As pessoas podem me ver, levo uma vida normal, como no refeitório com todos...”. E para o café não há camareiros, mas uma máquina de moedas no corredor.
O seu quarto fica no segundo piso, é o de número 201. Têm paredes branquíssimas, uma sala com duas pequenas poltronas e um escritório, um livreiro, tapetes persas, assoalho de cor clara (e muito lustrado), um espaço para dormir com uma imponente cama de madeira escura e um banheiro. Esta suíte estava reservada para os hóspedes importantes do Papa, como o patriarca de Constantinopla Bartolomeu I. Quando se encontraram, o Papa lhe pediu perdão brincando: “Desculpe-me se roubei seu quarto...”. “Eu a deixo de muito boa vontade” foi a resposta do Patriarca ortodoxo.
Nos quartos ao lado do seu vivem dois secretários: o que Francisco “herdou” de Ratzinger, o maltês Alfred Xuareb, e o que ele próprio escolheu, o argentino Fabián Pedacchio. Figuras que, sem sombra de dúvidas, são menos incômodas e poderosas em relação aos seus predecessores. Jorge Mario Bergoglio, ao continuar se considerando como um sacerdote a serviço de Deus (e, portanto, ao serviço dos demais) não é um monarca; continua sendo o mesmo que era antes do dia 13 de março, que mudou a sua vida (e que o impediu de usar a passagem de volta, que já havia comprado para Buenos Aires).
Desta forma, o papa Francisco decidiu continuar vivendo no mesmo lugar, embora tenha se mudado de quarto, porque durante o Conclave usava um no mesmo piso, o 207. Decidiu não ocupar o aposento papal: o “Aposento”, assim com maiúscula, como se conhece no jargão vaticano essa entidade que representa o mais estreito círculo de colaboradores. Abriu mão de morar nele, mas tomou posse e, ao fazer isto, ficou impressionado com suas dimensões: “Aqui há lugar para 300 pessoas!”. Não se trata de uma vila real, mas é possível entender a reação de alguém que está acostumado a viver (sendo cardeal) em alguns quartinhos e a arrumar a cama todos os dias.
As primeiras novidades chegaram durante o Conclave. Assim que foi eleito, e antes de colocar o hábito branco, Francisco foi abraçar o cardeal Angelo Scola, seu “adversário” durante os escrutínios. Em seguida, veio a rejeição em colocar um dos 45 pares de sapatos vermelhos que tinham sido preparados para a ocasião; melhor os pretos de sempre. Mais do que questão de preferência, era uma questão de ortopedia, pois o calçado usado serve para caminhar melhor. Nada de cruz peitoral de ouro, nada de anel papal de 18 quilates. Nada de um enorme carro blindado com matrícula “SCV 1”, o almirante de uma frota vaticana que desempoeirou seus veículos mais sóbrios. Nada de escolta, nem de enormes manobras de gendarmes para os deslocamentos, inclusive mínimos, dentro do minúsculo Estado.
O pequeno mundo vaticano, que para dom Marcinkus parecia “uma aldeia de lavadeiras”, primeiro levantou a sobrancelha, depois tratou de se adequar, como foi visto dois dias após a sua eleição, quando todos os cardeais que saudaram o Papa na Sala Clementina carregavam cruzes de ferro e haviam deixado as cruzes de ouro e pedras preciosas na gaveta.
Em Santa Marta há dois elevadores e sempre se procura deixar um livre para o inquilino mais importante. Porém, muitas vezes, Francisco usa o outro. Dois bispos o encontraram dentro do elevador, justamente antes que as portas se fechassem. Um pouco envergonhados, foram para o fundo, mas o Papa com um sorriso disse-lhes: “Não mordo”. As anedotas superabundam. Às vezes, claro, um pouco exageradas, como a do guarda suíço que fez escala noturna e a quem Francisco teria levado um sanduíche. Bergoglio se desloca da Casa Santa Marta a pé. No sábado, 16 de março, rejeitou com um enfático gesto com as mãos (como se estivesse dizendo: “estão loucos?”) os carros disponíveis para que percorresse cerca de 50 metros. Em outra oportunidade, ao sair de sua residência, encontrou-se com um bispo que estava parado na entrada: “E você, o que faz aqui?”, perguntou-lhe. “Estou esperando que venham me buscar”, foi a resposta do prelado. “E não pode ir a pé?”, respondeu-lhe Francisco.
Um Papa “normal” e, justamente por esta razão, extraordinário. Que repete as palavras antiquíssimas e sempre novas do Evangelho. “Palavras surpreendem muito – diz-nos o professor Andrea Riccardi, historiador da Igreja -, porque ressoa de forma especial a autenticidade de sua pessoa”.
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A revolução de Francisco. Sem corte, rubi e camareiros - Instituto Humanitas Unisinos - IHU