Por: Cesar Sanson | 01 Julho 2013
"As ruas não foram feitas apenas para veículos trafegarem, mas também para nelas trafegarem o sonho, o sonho de um Brasil justo, fraterno, humano e solidário". O comentário é de Carlos Signorelli, ex-presidente do Conselho Nacional dos Leigos do Brasil - CNL.
Eis o artigo.
Há algo de novo na consciência brasileira: a cidadania não só é possível mas necessária e exequível. Desde o início de todo esse movimento nas ruas, acompanhamos mais como expectador para, no momento certo, analisá-lo. E cremos que já temos acúmulo suficiente para essa análise.
Num primeiro momento, mas só de forma aparente, o objetivo era a redução da tarifa do transporte coletivo, comandado pelo MPL (Movimento Passe Livre).
Em um debate perguntaram-me se seria possível abaixar o preço da passagem, hipótese levantada pelo prefeito Haddad. E nossa resposta foi direta: basta as permissionárias do transporte coletivo deixarem de bancar a compra de bancadas de sustentação dos diversos prefeitos, e de bancar as caríssimas campanhas políticas, e possivelmente não precisaríamos chegar a R$ 2,00 a tarifa. Bastaria o Poder Executivo analisar, de fato, as falsas planilhas de custos apresentadas pelas permissionárias, e poderíamos, inclusive, chegar a valores abaixo desse. Há cidades em que o transporte gratuito concedido por legislação federal a determinados usuários, que deveria estar incluída na planilha sem custo, nem para a empresa ou para o poder Público, é pago pelo Executivo com verba tirada... das políticas sociais.
O Movimento Passe Livre tinha um objetivo. Mas a este se juntaram outros. Foi aí que se viu que, na verdade, não apenas se buscava uma solução para a gravidade do preço da passagem de ônibus, mas outros imensos e graves problemas deste país foram se evidenciando. E creio que o maior deles está na representatividade política das duas casas legislativas de Brasília.Gostaria, mesmo, que não fossem apenas as da Capital Federal que estivessem no centro das críticas, mas todas as casas legislativas deste país, ou seja, as Assembléias Legislativas e as Câmara Municipais.
Já ao longo dos últimos anos vínhamos afirmando o afastamento da população, em especial dos jovens, da política e dos partidos políticos. É essa insatisfação que faz com que um pequeno aumento na passagem de ônibus desencadeie esta onda de manifestações. É um sentimento acumulado de insatisfação, de se sentir objeto político, de se sentir boneco de mágico nas mãos de homens e mulheres que lotam nossas casas legislativas e só agem quando lhes passam em suas mãos a “manteiguinha do seu pão”. É um sentimento acumulado de exclusão e insatisfação.
Mesmo correndo o risco de sermos superlativos, mas há que se dizer que nunca se viu um Congresso tão venal. Venal, mesmo! Figuras defenestradas em outras épocas, figuras reconhecidamente desvirtualizantes do processo político, coronéis de alguns Estados, e agora figuras de rizível e caricatural atuação teatral, principalmente na chamada bancada evangélica, todos estes pontificando. Sem dizer daquela que se diz amiga pessoal da Presidenta Dilma, e que comanda o agronegócio e tudo o que ele traz de malefício, de brutalidade e de ecocidio, no dizer de Boff.
É certo, e dizemos isso como dando graças a Deus, que o Brasil passou por mudanças altamente significativas na sua composição social. Creio que foi o único nesse início de milênio. Foi formada uma nova classe média, não a do Bolsa Família, mas impulsionada indiretamente por ela. E ela está precisando de políticas públicas. Não é o mesmo daquilo que acontece na Espanha, já que lá os bancos internacionais forçaram o desemprego a chegar a 27% (e entre os jovens mais de 50%). Famílias inteiras são despejadas e vê-se homens, mulheres e crianças, de porte universitário, perambulando como párias. Aqui há a necessidade de programas públicos para essa nova juventude que entra na vida e que quer ser reconhecida.
O atual movimento não diz respeito a isso, como, infelizmente, alguns analistas internacionais fizeram questão de dizer, afirmando, inclusive, que o descontentamento de Grécia, Espanha, Portugal tinha chegado ao Brasil. Nada mais desconexo. O que chegou foi o desejo de construir um novo país, a partir da atitude cidadã; foi o desejo de mudar o processo político; foi o desejo de jogar no lixo da história essas figuras decrépitas ou não e que colocam seus interesses acima daqueles necessários à nação. Foi o grito de uma população jovem que não aguenta mais os conchavos partidários, o partilhamento das cadeiras do Executivo em busca de apoios (que, na hora H são negados), a corrupção que faz com que uma eleição de deputado federal chegue a custar 10 milhões de reais,e, por isso, toda a legislação, prejudicial ao meio ambiente ou ao homem e à mulher brasileiros seja aprovada, com vistas ao toma-lá-dá-cá..
Chegamos e, no campo social avançamos com as políticas de compensação de renda. Tiramos quase 50 milhões de homens e mulheres da miséria absoluta e alguma coisa mais ainda continua sendo feita. Mas não se pode calar quando a presidenta que escolhemos, e em quem eu pessoalmente acredito como totalmente honesta e proba, faça conchavos e acordos com aqueles me aquelas que querem manter o Brasil como colônia dividida em capitanias hereditárias. Não se pode calar quando vejo jovens indígenas sendo mortos pelo agronegócio e a impunidade permanece. Não se pode calar quando, por motivos eleitorais ou eleitoreiros, faz-se acordo com os grupos mais corruptos e indesejáveis do Congresso Nacional.
O que está acontecendo? É fraqueza da sra. Presidenta? É desconhecimento de quem está ao lado dela? Ou é infantilismo, pensando em que tê-los ao lado eleitoralmente, nos palanques de 2014 dando-lhe os votos necessários à reeleição? Tenho a ela imenso respeito, não só por ser a minha Presidenta mas pela vida que teve, na qual me fiz sempre parceiro. Mas talvez seja a hora de tirar de seu lado os entraves, colocar-se ao lado dos pequenos e sofredores, e fazer com que eles sejam o motivo de sua presidência. Afinal, foi para isso que criamos o Partido dos Trabalhadores.
Antigamente o PT e o PSDB organizavam grupos, que discutiam política e ajudaram a dirigir os partidos. Hoje isso acabou. A própria Igreja Católica teria que avançar resolutamente na direção daquilo que a própria 5ª. Semana Social Brasileira postula, ou seja, a construção de um novo Estado, de uma nova Democracia. Escrevemos um magnífico documento na CNBB cujo título já diz tudo: “Por uma Reforma do Estado com Participação Democrática”, chamado Documento 91. A análise que estamos fazendo está lá; as propostas que as ruas estão fazendo estão lá, a Reforma Política tão necessária está lá... Mas a impressão que temos é que mesmo os bispos e pior, os padres, não o leram. Nele, a CNBB afirma que o básico, hoje, é construir uma nova Democracia, um novo Estado, a partir da participação ampla da população, ou seja, a Democracia Participativa.
O Jurista Fábio Konder Comparato, cristão magnífico, tem uma proposta de emenda constitucional assinada pela CNBB e pela OAB, onde amplia os mecanismos da participação direta da população no processo político, legislativo e administrativo. Agora, que se fala em Plebiscito, volte-se à sua proposta. Mas, protocolado, foi para nas mãos do deputado Roberto Freire, PPS, que o guardou a sete chaves e se nega a dar encaminhamento.
Ao longo dos últimos 5 anos estamos, a Igreja Católica, algumas entidades da sociedade civil, alguns grupos incrustados nas academias, discutindo a Crise que vive o Estado Nacional (não só o brasileiro) e seus agentes. Uma conclusão a que chegamos foi a de que a Democracia Representativa como única forma de participação do Povo nos rumos da nação é extremamente perigosa e eivada de falhas, falhas essas que levam ao processo endêmico de corrupção. Assim, não há outro caminho a não ser o de buscar a construção de uma outra forma de viver a democracia, ou seja, a que chamamos Democracia Direta ou Democracia Popular ou Democracia Participativa.
Em outras palavras: é o povo que tem que, de alguma forma, estar diretamente no poder. Para isso estamos há tempos buscando uma profunda e radical Reforma Político-Partidária, mas que esbarra naqueles e naquelas que querem manter o “status quo”, no qual mantém todo o poder, ou seja, aqueles que elegemos pela Democracia Representativa. Parece que a juventude, nas ruas, atendeu a esse apelo.
Vejamos, portanto, que tudo isto já estava sendo previsto, ou melhor, desejado. É só ver os cartazes: “nós não acreditamos na representação que aí está”. É, pois, um movimento dirigido contra a política que aí está. Temos que procurar as origens desse processo, que mal começou, nessa forma de relação entre Estado e sociedade, entre política e sociedade. As notícias que nos chegam nesta quarta feira são auspiciosas. A Presidenta está se mobilizando. Que bom!
É necessário, e JÁ, que sejam criados canais de participação. É necessário, e JÁ, que seja organizada mais democraticamente a mídia, que hoje diz o que quer, influenciada por aqueles que lhes sustentam. Todos devem saber que determinadas editoras só não vão à falência porque determinados governos lhes compram tudo o que produzem, para distribuir de graça para alunos, professores, guardá-los e depois incinerá-los... É sabido que jornais do interior dos Estados, em cidades pequenas e não tão pequenas, também toda a tiragem é comprada para ter o mesmo destino citado acima. E assim as empresas não vão à falência. É sabido, também, que determinados jornais de cidades do interior praticamente não contam com jornalistas, já que as matérias lhes vêm, todas ou quase todas, dos computadores do Executivo. Em troca, só não afirmam que o chefe do executivo é Deus porque seria demais! São formas de comprar não só o silêncio, mas também os elogios da mídia.
Por isso, vejo como belíssimas as manifestações desses jovens que saem às ruas para protestar. Apenas temo que, ou não tenham nenhum projeto ou sejam massa de manobra de grupos, estes sim, com projetos bem elaborados. Apenas temos de tomar cuidado com os vandalismos. Para muitos analistas, e nós nos incluímos entre eles, tais atos podem estar se constituindo de falsos vandalismos, ou seja, são perpetrados por quem sonha com um governo mais forte, que elimine toda a participação popular, como já vimos e sofremos na carne há algumas décadas atrás. É possível que entre todos os manifestantes sejam estes os que têm os projetos mais bem elaborados. E deus nos livre deles!
Aas manifestações são belas. Belíssimas, quando se vê a juventude caminhar em busca do Novo. Que continuem! Pelo que vemos, a estrutura política, que queremos transformar, está reagindo contra e tentando anular as nossas conquistas. Não! Permaneçamos nas ruas! As ruas não foram feitas apenas para veículos trafegarem, mas também para nelas trafegarem o sonho, o sonho de um Brasil justo, fraterno, humano e solidário,
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Um novo mundo, uma nova sociedade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU