09 Mai 2013
Giulio Andreotti, falecido no dia 6 de maio passado, foi um "católico romano" de um modo tão particular que se poderia usar, para ele e somente para ele, a definição de "católico vaticano".
A análise é Alberto Melloni, historiador da Igreja italiano, professor da Universidade de Modena-Reggio Emilia e diretor da Fundação João XXIII de Ciências Religiosas de Bolonha. O artigo foi publicado no jornal Corriere della Sera, 07-04-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Para dizer o que foi Giulio Andreotti para a Igreja, seria preciso forçar a linguagem própria do catolicismo. A doutrina e o catecismo, de fato, usam para os fiéis da Igreja a definição de "romanos". Mas Andreotti foi um "católico romano" de um modo tão particular que se poderia usar, para ele e somente para ele, a definição de "católico vaticano".
Um tipo de religiosidade específica, a sua, que, durante décadas e em muitos níveis, inverteu as relações ordinárias entre o magistério e o fiel. Devoto e leal em matéria doutrinal, Andreotti ensinou a uma Igreja que saía da ressaca clerical fascista a ter, em idade democrata-cristã, nostalgia e fome do poder: não mais aquele do papa-rei ou do clero do único Estado confessional; mas sim um poder confidencial e sedativo; o poder que, para Andreotti, demonstrava poder tranquilizar e aplacar toda ansiedade, mesmo aquelas de uma Itália em plena revolução dos costumes.
Não era óbvio que fosse assim. Por si só, à realpolitik da qual a Santa Sé foi guardiã e mestra, Andreotti não deu muito: a conciliação foi feita por Mussolini, o artigo 7 da Constituição Dossetti, a nova concordata Craxi; e, assim, sobre os "realia" da relação Estado-Igreja, ele não foi o gestor das partidas difíceis. Mas seria o Divo Giulio em maio de 1978 que assinaria a lei sobre o aborto votada pelo Parlamento: algo que não acendeu nenhuma desconfiança eclesiástica.
Na construção da figura de De Gasperi, ele fará do líder trentino tão duramente humilhado no Vaticano de Pio XII um tecedor de laços clericais que, ao contrário, eram os seus. E, no jogo de astúcias e sadismos que marcou a prisão de Aldo Moro em 1978, quando ele impediria o contato entre o papa e o Quirinale, ele tentaria apagar os traços daquela medida obstrucionista com uma astúcia que só a experiência consumada de Agostino Casaroli saberia reconhecer: mas que ninguém lhe imputaria depois na Igreja.
Porque, inversamente, Andreotti é quem sabe fazer cócegas e olhar com fingida indulgência para as falhas da Igreja, especialmente financeiras. Por isso, ele continua sendo a estrela fixa de um sistema de poder graças ao qual ele chega muito perto dos buracos negros da história italiana, mas nunca perto demais a ponto de tornar penalmente relevante a responsabilidade política de ter feito isso. E quando Francesco Cossiga assinou a sua nomeação como senador vitalício como se assina uma rendição, Andreotti embolsa, também em nome de um catolicismo que considerou o significado do Estado como um vício ou quase, o mais alto reconhecimento.
Assim, de Pio XII a Bento XVI (foi sob o Papa Ratzinger que Andreotti, com um voto de abstenção, aparentemente deu o sinal do fim do segundo governo Prodi), é a esse homem capaz de despedaçar a história em confetes de cinismo e de ironia que uma parte do Igreja se confia para reprimir a "laicidade" que Montini via como possível graças à unidade política dos católicos.
Por outro lado, é ainda em Andreotti que outra parte do catolicismo vê o contrário do que a fé pode e deve ser na sociedade pluralista. De fato, é dentro da Igreja que amadurece a ideia de que aquela da qual Andreotti é cifra não é a figura da "corruptio optimi pessima", mas sim da "corruptio pessima", e ponto final. Em cujo fundo não estava uma crítica moral, mas sim política, totalmente política, da qual Dossetti seria a voz, 20 anos atrás.
No dia 21 de janeiro de 1993, Dossetti convocou em Bolonha algumas dezenas de pessoas para discutir a situação no país: entre elas, também um magistrado que evocou com indisfarçável orgulho as investigações de Palermo sobre Andreotti: convicto de encontrar compreensão naquele que havia combatido a posição e a cultura de Andreotti. Mas, ao invés de encontrar um elogio, encontrou uma crítica: "Os atos de Andreotti são crimes políticos e como tais deve ser abordados no plano político. No tribunal, vocês não encontrarão nada e, em vez de condená-lo, farão com que ele seja beatificado". Justamente.
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A astúcia de um ''católico romano'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU