22 Março 2013
Criado em um apartamento de 600 metros quadrados na Barra da Tijuca, no Rio, o escritor carioca Alex Castro cresceu tendo para si um quarto com mais de 20 metros quadrados. Hoje vive em um apartamento pouco maior do que isso. Nos 22 metros que ocupa, em Copacabana, são poucos os móveis e objetos e, se há um sofá e uma rede, não há espaço para uma cama. Nem gavetas nem armários, exceto um pequeno, de limpeza. Além de três pares de sapatos, seus pertences são outros três de Havaianas, três calças, uma camisa, 12 camisetas (número aproximado), dois casacos, um blazer, dois jogos de toalhas, dois de cama, alguns utensílios de cozinha, um notebook, um Kindle, um celular e uma câmera digital. Poderia ser uma história de ruína financeira, mas se trata de um fenômeno cada vez mais observável. Castro aderiu a um estilo de vida minimalista.
A reportagem é de Alexandre Rodrigues, publicada no jornal Valor, 22-03-2013.
Como os movimentos artísticos do século passado que lhe emprestam o nome, o minimalismo do século XXI prega a redução do estilo de vida ao essencial. O fenômeno ganhou uma vertente importante a partir da digitalização da cultura e da internet. As músicas se tornaram MP3, descartando os CDs. Serviços como o Netflix, que passam filmes em "streaming", e "torrents" feriram de morte os DVDs. Os livros ainda resistem, mas para muitos é questão de tempo - a Amazon já vende mais livros eletrônicos do que físicos e hoje uma biblioteca inteira pode ser guardada e lida em um "tablet" ou Kindle. Veio a crise na economia mundial e a ideia de consumir menos ganhou novos adeptos.
"Não tenho um simples CD ou DVD e tenho só 10% dos livros que já tive", escreveu Graham Hill, milionário da bolha da internet, na semana passada, no jornal The New York Times. Após enriquecer vendendo sua primeira empresa, Sitewerks, por mais de US$ 300 milhões em 1998, ele se viu de uma hora para outra comprando óculos de US$ 300, "gadgets" de todo tipo e com um Volvo turbo na garagem. A certa altura, sem tempo, tinha um "personal shopper", treinado em seus gostos pessoais, para não precisar ir às compras pessoalmente.
Com o tempo, sua vida se complicou. Decidiu mudar-se para um apartamento de quatro andares em Nova York, que precisava de novos móveis e acessórios. O momento em que decidiu abandonar tudo veio quando conheceu Olga, nascida em Andorra, que o fez deixar os Estados Unidos e ir morar em um pequeno apartamento em Barcelona. Depois, nem isso.
O casal viveu como nômade entre Buenos Aires, Bangcoc, na Tailândia, e Toronto, no Canadá. Mesmo o romance tendo acabado, Hill não voltou à antiga vida: "Eu gosto de coisas materiais tanto quanto qualquer um. Estudei design de produtos no colégio. Apoio 'gadgets', roupas e todos os tipos de coisas. Mas minhas experiências mostram que depois de certo ponto os objetos materiais têm uma tendência a piorar as necessidades emocionais que deveriam apoiar".
Histórias como a dele se contrapõem a um fenômeno: somos acumuladores. Não é preciso recorrer a casos extremos de pessoas que vivem cercadas pelo próprio lixo. Em um estudo da Universidade da Califórnia, antropólogos submergiram por nove anos na vida de 32 famílias de classe média americanas. Fotografaram cada objeto que entrava nas casas, registrando o atulhamento. Constataram que gerenciar a quantidade de tralhas acumuladas é uma das prioridades de qualquer morador adulto e que há uma curiosa correlação entre a bagunça de ímãs e bilhetes na porta da geladeira e do resto da casa. E a melhor de todas: 75% das garagens estavam tão lotadas de quinquilharias que já não permitiam a entrada dos carros.
Nas últimas décadas, estudos de psicologia revelaram os efeitos negativos desse hábito. Pessoas consumistas são mais ansiosas, infelizes e antissociais, concluíram, em uma série de estudos, dois pesquisadores americanos, Tim Kasser e Aaron Ahuvia. No ano passado, um trabalho conduzido por Galen V. Bodenhausen, da Universidade Northwestern, também nos Estados Unidos, chegou às mesmas conclusões, acrescentando que entre os consumistas desenfreados as taxas de bem-estar eram mais baixas do que em outros grupos.
O culto do "viver com menos" propõe uma ida ao extremo oposto. Não é um movimento, mas um fenômeno de muitas facetas, sem causa única e nenhuma regra. Mesmo assim, a ideologia minimalista se espalha na internet, com centenas de sites, blogs e perfis em redes sociais contando experiências e dando sugestões. "Não sei bem se há um movimento. Mas existem cada vez mais pessoas pensando que é simplesmente insustentável a quantidade de objetos que carregamos pela vida", diz Alex Castro, que discute o minimalismo em seu site pessoal (alexcastro.com.br).
Ler a respeito fez Andrew Hyde, escritor e consultor de "startups", desistir do apartamento onde acumulava coisas de uma vida toda. Primeiro, reduziu todos os pertences a cem itens. Concluiu: ainda era demais. Em agosto de 2010, pôs à venda quase tudo e ficou com apenas 15 coisas. Desde então, é o máximo de objetos que se permite ter. Descoberto por um radialista, ficou famoso. Aproveitou a notoriedade e, com itens como uma mochila, um par de camisas (veste uma a cada dois dias), um iPhone e uma toalha, viajou por 15 países, inclusive o Brasil no segundo semestre de 2012, reunindo histórias para o livro A Modern Manual - 15 Countries with 15 Things (Um manual moderno - 15 países com 15 coisas").
"Quando algo estraga, tento consertar. Se não consigo, compro algo parecido na loja", conta. E não foi só. Além de ter só 15 coisas, decidiu, como Hill, não ter mais moradia fixa. Continua viajando e cumprindo, em paralelo ao projeto minimalista, uma lista de desafios pessoais, como correr uma maratona (cumpriu), cair na festa em Barcelona (cumpriu) e escalar grandes montanhas (a cumprir).
"É um processo de anos. Você vai percebendo que precisa de menos coisas. Que não precisa de dez calças, de dez pares de sapatos. Que não precisa ter na estante todos os livros que leu", diz Alex Castro. Ele se preocupa agora em manter o estilo de vida espartano também no mundo digital. "Não guardo filme algum. Sempre que assisto, apago."
O conceito não é novo. Sem contar o exemplo do filósofo Diógenes, que na Grécia Antiga condenava os luxos da civilização e viveu em um barril, e uma penca de santos, Steve Jobs foi um minimalista. Uma ironia, já que parte importante de seus negócios era convencer pessoas a abandonar seus antigos MacBooks, iPhones, iPods e iPads por novos modelos. Mesmo rico, quando solteiro ele vivia praticamente sem nada: uma foto de Einstein em um porta-retratos, uma luminária, uma cadeira e uma cama. O humorista Ronald Golias (morto em 2005), outro adepto das poucas posses, dizia que cada uma significava uma nova responsabilidade e com um número pequeno podia usufruir melhor de todas.
A ideia de que podemos viver com bem menos - no caso, espaço - também está por trás de alguns empreendimentos imobiliários recentes em São Paulo. Apartamentos de pouco mais de 20 metros quadrados já são comuns nos lançamentos em bairros como Campo Limpo, Brooklin e Bela Vista. Repete-se aqui a tendência já verificada em metrópoles como Montreal, Hong Kong e Tóquio, onde a falta de espaço fez dos "miniflats" o padrão nas construções.
Pouco espaço significa poucos pertences. O impacto afeta a maneira como cada um se relaciona com o lugar onde vive. "Essa noção de lar restrito ao espaço físico se expandiu. Posso estar em outra cidade, mas, ao me conectar à internet, converso com meus amigos e minha família como se estivesse em casa", diz o arquiteto Guto Requena, um dos responsáveis pelo projeto do escritório do Google em São Paulo. "Imagino para o futuro uma tribo de nômades capazes de, com poucos pertences e constantemente conectados, fazer de qualquer lugar o próprio lar."
Não precisa imaginar. É a vida do americano Chris Yurista, agente de viagens e DJ, morador de Washington, que, vendo os pertences aos quais dava valor transformados em mídia digital - chegou a ter dois mil discos de vinil -, em 2009 decidiu abandonar o apartamento no porão onde morava e, guardando suas melhores roupas, um Macbook, um HD externo com 13 mil MP3s, um miniteclado musical e uma bicicleta, nunca mais teve um lar. "Não me sinto vazio vivendo como vivo porque descobri uma maneira de usar a tecnologia digital para minha vantagem", diz. Noite após noite, dorme nos sofás de amigos ou quartos de hotel.
Mas, se reduz pertences ao menos possíveis, o estilo de vida minimalista não rompe com a sociedade de consumo. É sintomático que várias vezes, entre os objetos restantes, sejam listados aparelhos da Apple, a mais fetichista das marcas. Além do mais, um Kindle, um videogame, um bom computador e um smartphone como o iPhone ou o Samsung Galaxy custam, somados, mais do que uma estante cheia de livros, fora valer mais do que a renda anual da população de muitos países. Com a evolução da tecnologia, também acabam trocados de tempos em tempos, aumentando a pilha de lixo tecnológico.
A reação do inglês Mark Boyle a essas contradições foi a experiência minimalista mais radical. Ex-dono de duas empresas de comida orgânica, formado em economia, em 2008 ele decidiu renunciar ao dinheiro. "Na manhã em que finalmente desisti de usar dinheiro, o mundo inteiro mudou. Foi no mesmo dia das notícias sobre a quebra dos bancos envolvidos em negócios no mercado de hipotecas subprime. Então, quando comecei a contar às pessoas os meus planos, concluíram que estava me preparando para algum tipo de colapso financeiro apocalíptico", relata.
Em diversas formas - cacau, gado, sal, ouro etc. -, o dinheiro acompanha a civilização humana desde o início. Mesmo as trocas simples, por meio do escambo, davam valores diferentes às mercadorias. "O dinheiro como meio de troca é antigo, mas como mediador universal de quase todas as relações humanas é moderno", afirma Lincoln Ferreira Secco, professor do Departamento de História da Universidade de São Paulo (USP). As moedas de metal foram uma invenção dos gregos, no século VII a.C. Desde então, o sistema financeiro só fez evoluir.
Boyle resolveu que dava para viver sem dinheiro. Na Inglaterra, uma série de artigos para o jornal The Guardian, que o batizou de "o homem sem dinheiro", fez dele uma celebridade. Vive em um trailer velho, que ia ser jogado fora, no Sudoeste da Inglaterra, plantando a própria comida e usando baterias solares para recarregar o celular e o notebook. Cozinha em um forno a lenha com a madeira que colhe na floresta. Depois de um ano da experiência, escreveu um livro, The Moneyless Man: a Year of Freeconomic Living (O homem sem dinheiro: um ano vivendo na economia livre), em que conta como foi a experiência. "Foi difícil nos primeiros dois ou três meses. Tudo era novo para mim, mas, desde então, ficou mais fácil e é o período da vida em que mais me senti livre", diz.
Mesmo admitindo que dificilmente terá muitos seguidores, Boyle tenta dar um alcance maior a seu esforço. É o autor do Manifesto sem Dinheiro, mantém um site pessoal, colabora regularmente com o "Guardian" e dá palestras conclamando as pessoas a renunciar a um dos maiores pilares da civilização humana. Caso parecido com a da alemã Heidemarie Schwermer, que viveu sem dinheiro por 15 anos até ser descoberta por uma equipe da BBC e virar tema do documentário Living without Money (Vivendo sem dinheiro), que relata sua história: é aposentada, ganha bem, mas doa todo o dinheiro para a caridade, mesmo destino da renda dos três livros que escreveu. Tem três filhos e duas netas, que visita com alguma frequência. No restante do tempo, vaga sem rumo.
Seus pertences cabem numa mala com rodinhas, que leva em viagens pela Europa, convidada por anfitriões que pagam a passagem para que os visite. Quando jovem, ela visitou o Brasil. Chocada com a pobreza que viu nas favelas, mesmo seguindo carreira como professora e depois psicoterapeuta, passou a achar que havia algo errado com o dinheiro. Fez quatro experiências de abandoná-lo, aumentando a duração a cada vez, até que em 1995 doou a casa, as roupas e outros bens, passando a trocar pequenos serviços por comida e roupas. "Ainda usei algum dinheiro nos três primeiros meses, mas então aprendi a viver sem nada", afirma. Hoje, os convites já não incluem trabalho, apenas sua presença.
Tanto Heidemarie como Boyle e outro famoso sem dinheiro, o americano Daniel Suelo, que vive numa caverna no Utah e é tema da biografia The Man Who Quit Money (O homem que deixou o dinheiro), escrita por Mark Sundeen, dizem que é possível para uma sociedade abandonar o dinheiro sem entrar em colapso. Algo que para Lincoln Secco é impossível: "Os socialistas utópicos, como Proudhon [socialista francês do século XIX] até criaram substitutos do dinheiro, como a troca de produtos de acordo com o tempo de trabalho. Mas isso sempre foi marginal. Nenhuma economia socialista tentou chegar perto da abolição do dinheiro", observa o professor da USP.
Movimentos de contestação, nos quais o minimalismo e a renúncia ao dinheiro se encaixam, são, segundo Secco, cíclicos e comuns à história do capitalismo. "Desde o século XIX, avançam com a exibição de novas facetas maléficas do capitalismo, como a destruição ambiental, a monopolização, a manipulação genética de produtos agrícolas apenas subordinada ao lucro etc.".
Apesar de se dizer simpático aos minimalistas, Guto Requena também não imagina a maioria da humanidade, mesmo vivendo em espaços pequenos, reduzida ao essencial. Afinal, somos fetichistas. "A casa do futuro não vai ser a casa dos Jetsons. Ainda vai ser cheia de lembranças. Carregamos conosco aquilo que nos traz algum tipo de sentimento, seja um urso de pelúcia ou a cadeira que pertenceu à avó."
Mas no fim das contas é impossível entender o que atrai no estilo de vida minimalista sem levar em conta um aspecto: a sensação de liberdade por não ter tantos pertences é algo repetido em todas as entrevistas. O ato de abandonar objetos é descrito quase sempre como uma experiência libertadora, quase religiosa. "Me sinto bem livre, sempre", diz Alex Castro. "Minha liberdade não tem nada a ver com o número de meus pertences." E Graham Hill: "Não há nenhuma indicação de que essas coisas [os objetos] fazem alguém feliz; de fato, parece o contrário".
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Menos é mais. Um estilo de vida minimalista - Instituto Humanitas Unisinos - IHU