28 Fevereiro 2013
O padre Paolo Dall'Oglio, o jesuíta que retornou clandestinamente para a Síria para rezar sobre as fossas comuns, nos escreve. E promete que esse é apenas um primeiro relato daquilo que está vendo.
O relato foi publicado no sítio Il Mondo di Annibale, 28-02-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
No dia 26 de fevereiro, eu gravei dois programas de TV. O primeiro, enquanto se ouvem tiros e explosões em toda a região, gravamos ao lado de um bairro destruído por uma bomba que aqui se chama faraghiya, "a vazio" ou "de sopro". São bombas lançadas pelos aviões e que produzem destruições gigantescas em praticamente um hectare. Causam os mesmos danos de um míssil Scud, mas pode-se centrar melhor o alvo.
A segunda transmissão, gravada sob uma bela oliveira no pátio de uma mesquita, era uma proposta de uma "mão estendida para a reconciliação" por parte do exército livre e das comunidades civis árabes sunitas que circundam as duas localidades xiitas de ez-Zahra' e de en-Nabbel. Elas, que somam juntas cerca de 25 mil habitantes, são, de fato, bases militares do regime e são apoiadas por homens do Hezbollah e iranianos.
A necessidade estratégica de forçar essas bases é evidente para todos, mas há um verdadeiro desejo de evitar massacres e de reencontrar a antiga convivialidade. Busca-se ativar uma mediação curda que possa ser eficaz. Muito se falou sobre reféns e trocas de prisioneiros... Também com relação a isso se espera na eficácia de uma mediação curda.
Partimos de noite para levar um membro da equipe à fronteira turca. Chegamos milagrosamente em tempo para o fechamento da fronteira às 20 horas, embora o carro tenha parado por três vezes por causa do diesel de produção própria das centenas de refinarias artesanais da Síria livre. Voltando da fronteira, nos deparamos com os restos de uma viatura do exército livre (quatro mortos) destruído por um míssil lançado a partir de um dos países xiitas...
Atravessamos rumo o oeste, até a zona fronteiriça e montanhosa onde os rio Orontes entra na Turquia. Estávamos em Darcush e atravessamos o Orontes naquela vasto vale sunita e cristão que se estende até a costa rumo ao porto de Lattachie. Fomos recebidos magnificamente pela família sunita de um jornalista da nossa equipe.
Contaram-me que os habitantes alauítas do país partiram junto com as forças derrotadas do regime e já foram substituído pelos sunitas deslocados de outras áreas! Poderão retornar alguma vez? Muitos aqui esperam isso.
De manhã, voltei a viajar com um grupo de acompanhantes corajosos. Atravessamos novamente o rio com alguma apreensão: o regime dispara bombas na região. Reencontro os sentimentos e as sensações libanesas dos anos 1970 e 1980.
Passamos por montanhas cheias de flores: uma primavera realmente magnífica depois de um inverno particularmente chuvoso. Chegamos ao aeroporto militar de Taftanaz, palco de uma das mais ferozes batalhas vencidas pelos revolucionários. A destruição está por toda parte e atravessamos vilarejos espectrais onde, contudo, a vida recomeça invencível!
Chegamos finalmente à cidade de Saraqeb, e os meus companheiros partem novamente às pressas por causa do bombardeio aéreo. Um revolucionário me leva até o lugar onde um avião disparou um míssil. São relativamente poucas as vítimas, já que a cidade está semideserta: uma mulher e a sua filha; um outro filho está gravemente ferido.
Levam-me para ver um abrigo antiaéreo bastante primitivo... Depois, rumo ao sul até um grande centro habitado ao norte de Hama. Daí em diante seria tudo mais difícil. Treze revolucionários morreram no dia 26 ao tentar abrir uma passagem para os suprimentos destinados à cidade de Rastan.
Sou hóspede de uma brigada islâmica... É interessante notar que o nível de radicalidade islamista é medido pelo fumo! A Jabhat al-Nusra qaydista veta o fumo totalmente. Conheci um rapaz expulso porque fumava às escondidas. Meus amigos só têm a proibição de fumar em público e a respeitam... Ao invés, no escritório dos serviços de informática via satélite onde eu me encontro, pode-se fumar tranquilamente. Ele também é bem aquecido por uma estufa artesanal de cascas de pistache de Aleppo, conhecida especialidade da região. Isso é tudo por enquanto...
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O relato do padre Paolo Dall'Oglio direto da Síria - Instituto Humanitas Unisinos - IHU