20 Fevereiro 2013
"Sobre as ruínas da classe média, categorias outrora inimigas, operários, assalariados, desempregados, jovens e aposentados saídos dessas categorias, pequenos lavradores, compartilham não uma "consciência de classe", mas sim uma percepção comum dos efeitos da globalização e das escolhas econômicas e sociais da classe dirigente", escreve Christophe Guilluy, geógrafo, em artigo publicado no jornal Le Monde e reproduzido no Portal Uol, 20-02-2013.
Guilluy também aponta que "Hoje, o risco é que se aprofunde esse fosso social entre a França popular e periférica e a França metropolitana".
Eis o artigo
Então o mal-estar francês seria somente uma repetição da história, um processo conhecido que, em tempos de crise, inevitavelmente leva as classes populares para o populismo, a xenofobia, o ensimesmamento, a demanda por autoridade. Essa análise oculta o essencial: o endurecimento da opinião pública é primeiramente o fruto de um afastamento radical das classes populares. Na verdade, pela primeira vez na história, as classes populares não estão integradas ao projeto econômico e social das classes dirigentes. A nova geografia social permite revelar essa mudança. Após três décadas de recomposição econômica e social do território, a constatação é assustadora. Ao contrário do que sempre prevaleceu, as classes populares não residem mais "onde se cria a riqueza", mas sim em uma "França periférica" onde está se construindo, na surdina, uma "contra-sociedade".
Das margens periurbanas das grandes cidades até os espaços rurais, passando pelas pequenas cidades e cidades de porte médio, agora é 60% da população que vive na periferia das cidades globalizadas e dos mercados de emprego mais dinâmicos. Essa "França periférica" agora representa um contínuo sociocultural onde as novas classes populares estão super-representadas. Sobre as ruínas da classe média, categorias outrora inimigas, operários, assalariados, desempregados, jovens e aposentados saídos dessas categorias, pequenos lavradores, compartilham não uma "consciência de classe", mas sim uma percepção comum dos efeitos da globalização e das escolhas econômicas e sociais da classe dirigente.
Uma visão comum reforçada pelo sentimento de terem perdido a "luta dos lugares" por agora morarem muito longe dos territórios que "contam" e que produzem a maior parte do PIB nacional. Dois séculos após atraírem os camponeses para as fábricas, as lógicas econômicas e fundiárias criaram as condições de despejo das novas classes populares dos locais de produção: como uma volta à estaca zero. Se no passado os operários estavam no cerne do sistema produtivo e portanto nas cidades, as novas classes populares agora estão no cerne de um sistema redistributivo cada vez menos eficiente.
Para produzir as riquezas, o mercado agora conta com categorias muito mais compatíveis com a economia mundial. A análise da recomposição sócio demográfica das grandes metrópoles, ou seja, dos centros do poder econômico e cultural, nos diz muito sobre o perfil dessas populações.
Nos últimos vinte anos, a renovação desses territórios se deu em uma dinâmica dupla: de "gentrificação" e de imigração. Em todas as grandes cidades, as categorias superiores e intelectuais ocuparam todo o setor privado de moradia, inclusive popular, ao passo que os imigrantes se concentraram nas moradias sociais ou particulares degradadas. O modelo de desenvolvimento metropolitano, eficiente do ponto de vista econômico, plantou as sementes de uma sociedade desigual uma vez que ele agora só integra os extremos do leque social. Sem serem tão favorecidos quanto as camadas superiores por essa integração aos territórios mais dinâmicos, os imigrantes também se beneficiaram com esse precioso capital espacial.
Morar em uma metrópole, inclusive no subúrbio, não é garantia de sucesso, mas representa a garantia de viver próximo de um mercado de trabalho muito ativo e de uma oferta social e escolar mais densa. Em um período de recessão econômica e de falta de um instrumento de ascensão social, a vantagem é notável. Ofuscados pela temática do gueto e pelas tensões inerentes à sociedade multicultural, não vemos que as raras ascensões sociais em meio popular hoje são façanhas de jovens filhos de imigrantes.
Essa boa notícia tem muito a ver com sua integração metropolitana.
Já nos territórios da França periférica, as possibilidades se restringem. Essa França das fragilidades sociais, que se confunde com a dos planos sociais, acumula os efeitos da recessão econômica, mas também os da rarefação do dinheiro público.
O aumento recente do desemprego em zonas de emprego até hoje poupadas, sobretudo no Oeste, é o sinal de uma precarização constante. A pouca mobilidade residencial e social é um indicador dessa incrustação. Nesse contexto, a queda programada dos gastos públicos, em espaços bem menos providos de equipamentos públicos, contribui não somente para reforçar a marginalização social, como também para acelerar o processo de desafiliação política e cultural.
Por isso, o aprofundamento do fosso social parece ameaçar o futuro. O acesso ao ensino superior e, de forma mais geral, a formação dos jovens das zonas rurais já são inferiores aos dos jovens urbanos.
Hoje, o risco é que se aprofunde esse fosso social entre a França popular e periférica e a França metropolitana. O contexto social e cultural britânico é outro, mas não podemos ser indiferentes ao projeto alarmante do ministro da Educação Nacional inglês, David Willets, que passou a mencionar a necessidade de implementar uma política de cotas para os jovens brancos da classe operária, cuja participação nas universidades está em queda livre.
Essas informações, que são indicadores da recomposição das classes populares na França e na Europa, também ressaltam o impasse no qual agora estão presas essas categorias. Embora os suicídios recentes de desempregados que deixariam de receber o seguro-desemprego permitam medir a intensidade da desesperança social, eles não devem levar à conclusão de que é o "fim da história" das classes populares; esta continua por outros caminhos.
Excluídas do projeto econômico global, as classes populares investem demais no território, no local, no bairro, no vilarejo, na casa. É um engano perceber essa reapropriação territorial como uma vontade de ensimesmamento; esse processo é uma resposta, parcial mas concreta, às novas inseguranças sociais e culturais.
Ademais, é surpreendente constatar que essa busca por proteção, por fronteiras visíveis e invisíveis, é comum a todas as classes populares de origem francesa ou imigrante. E é nesse sentido que se deve interpretar a volta da questão identitária entre os jovens populares, tanto no subúrbio como na França periférica.
Se essas mudanças contradizem o projeto de uma sociedade globalizada e multicultural pacificada, elas também revelam a construção de novas sociabilidades no meio popular, independentemente da origem. Longe do campo político, é uma contra-sociedade que vem se organizando, a partir de baixo.
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Cada vez mais excluídas, classes populares se organizam nos bairros periféricos da França - Instituto Humanitas Unisinos - IHU