04 Fevereiro 2013
"A catequese de Bento XVI sobre a paternidade de Deus é uma das páginas mais altas do seu magistério, especialmente quando aborda o tema da onipotência de Deus", afirma Christian Albini, cientista político e leigo católico italiano.
Publicamos aqui o texto completo da audiência de Bento XVI da última quarta-feira, 30 de janeiro, publicado no jornal L'Osservattore Romano, 31-01-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Queridos irmãos e irmãs,
na catequese de quarta-feira passada, nos detivemos sobre as palavras do Credo: "Creio em Deus". Mas a profissão de fé especifica essa afirmação: Deus é o Pai todo-poderoso, Criador do céu e da terra. Gostaria, portanto, de refletir agora com vocês sobre a primeira e fundamental definição de Deus que o Credo nos apresenta: Ele é Pai.
Nem sempre é fácil hoje falar de paternidade. Especialmente no mundo ocidental, as famílias desagregadas, os compromissos de trabalho cada vez mais absorventes, as preocupações e muitas vezes o esforço de enquadrar o orçamento familiar, a invasão distrativa dos meios de comunicação na vida cotidiana são alguns dos muitos fatores que podem impedir uma serena e construtiva relação entre pais e filhos.
A comunicação às vezes se torna difícil, a confiança é perdida e a relação com a figura paterna pode se tornar problemática; e problemático também se torna, assim, imaginar Deus como um pai, não tendo modelos adequados de referência. Para quem teve a experiência de um pai autoritário e inflexível demais, ou indiferente e pouco afetuoso, ou até mesmo ausente, não é fácil pensar com serenidade em Deus como Pai e abandonar-se a Ele com confiança.
Mas a revelação bíblica ajuda a superar essas dificuldades falando-nos de um Deus que nos mostra o que significa verdadeiramente ser "pai"; e é especialmente o Evangelho que nos revela esse rosto de Deus como Pai que ama até a doação do próprio Filho pela salvação humanidade. A referência à figura paterna, portanto, ajuda a compreender algo do amor de Deus, que, no entanto, continua infinitamente maior, mais fiel, mais total do que o de qualquer ser humano. "Quem de vocês – diz Jesus para mostrar aos discípulos o rosto do Pai – dá ao filho uma pedra, quando ele pede um pão? Ou lhe dá uma cobra, quando ele pede um peixe? Se vocês, que são maus, sabem dar coisas boas a seus filhos, quanto mais o Pai de vocês que está no céu dará coisas boas aos que lhe pedirem" (Mt 7, 9-11; cf. Lc 11, 11-13).
Deus é nosso Pai porque nos abençoou e escolheu antes da criação do mundo (cf. Ef 1, 3-6), nos tornou realmente seus filhos em Jesus (cf. 1Jo 3, 1). E, como Pai, Deus acompanha com amor a nossa existência, dando-nos a sua Palavra, o seu ensinamento, a sua graça, o seu Espírito.
Ele – como revela Jesus – é o Pai que alimenta os pássaros do céu, sem que eles tenham que semear e colher, e reveste de cores maravilhosas as flores do campo, com vestes mais bonitas do que as do rei Salomão (cf. Mt 6, 26-32; Lc 12, 24-28); e nós – acrescenta Jesus – valemos muito mais do que as flores e os pássaros do céu! E se Ele é tão bom a ponto de fazer "nascer sobre maus e bons, e a chuva cair sobre justos e injustos" (Mt 5, 45), poderemos sempre, sem medo e com total confiança, confiar-nos ao seu perdão de Pai quando erramos de estrada. Deus é um Pai bom que acolhe e abraça o filho perdido e arrependido (cf. Lc 15, 11ss), dá livremente àqueles que pedem (cf. Mt 18, 19; Mc 11, 24; Jo 16, 23) e oferece o pão do céu e a água viva que faz viver eternamente (cf. Jo 6, 32.51.58).
Por isso, o orante do Salmo 27, cercado pelos inimigos, assediado por malvados e caluniadores, enquanto busca ajuda do Senhor e o invoca, pode dar o seu testemunho cheio de fé, afirmando: "Meu pai e minha mãe me abandonaram. O Senhor, porém, me acolhe!" (v. 10). Deus é um Pai que nunca abandona os seus filhos, um Pai amoroso que sustenta, ajuda, acolhe, perdoa, salva, com uma fidelidade que ultrapassa imensamente a dos seres humanos, para se abrir a dimensões de eternidade. "Porque o seu amor é para sempre", como continua repetindo em ladainha, a cada versículo, o Salmo 136, percorrendo a história da salvação.
O amor de Deus Pai nunca falha, não se cansa de nós; é amor que dá até o extremo, até o sacrifício do Filho. A fé nos dá essa certeza, que se torna uma rocha segura na construção da nossa vida: nós podemos enfrentar todos os momentos de dificuldade e de perigo, a experiência da escuridão da crise e do tempo de dor, sustentados pela confiança de que Deus não nos deixa sozinhos e está sempre perto, para nos salvar e nos levar à vida eterna.
É no Senhor Jesus que se mostrou em plenitude o rosto benevolente do Pai que está nos céus. É conhecendo a Ele que podemos conhecer também o Pai (cf. Jo 8, 19; 14, 7), é vendo a Ele que podemos ver o Pai, porque Ele está no Pai, e o Pai está nele (cf. Jo 14, 9.11). Ele é "imagem do Deus invisível", como o define o hino da Carta aos Colossenses, "primogênito de toda a criação (...) primogênito daqueles que ressuscitam dos mortos", "por meio do qual temos a redenção, a remissão dos pecados" e a reconciliação de todas as coisas, "tendo pacificado pelo sangue da sua cruz tanto as coisas que estão sobre a terra como as que estão nos céus" (cf. Col 1, 13-20).
A fé em Deus Pai pede que se creia no Filho, sob a ação do Espírito, reconhecendo na Cruz que salva a revelação definitiva do amor divino. Deus é nosso Pai dando-nos o seu Filho; Deus é nosso Pai perdoando o nosso pecado e levando-nos à alegria da vida ressuscitada; Deus é nosso Pai dando-nos o Espírito que nos torna filhos e nos permite chamá-lo, em verdade, "Abba, Pai!" (cf. Rm 8, 15). Por isso, Jesus, ensinando-nos a rezar, nos convida a dizer "Pai Nosso" (Mt 6, 9-13; cf. Lc 11, 2-4).
A paternidade de Deus, então, é amor infinito, ternura que se inclina sobre nós, filhos frágeis, necessitados de tudo. O Salmo 103, o grande canto da misericórdia divina, proclama: "Como um pai é compassivo com seus filhos, o Senhor é compassivo com aqueles que o temem: porque ele conhece de que somos feitos, ele se lembra que nós somos pó" (vv. 13-14). É justamente a nossa pequenez, a nossa frágil natureza humana, a nossa fragilidade que se torna apelo à misericórdia do Senhor para que manifeste a sua grandeza e ternura de Pai ajudando-nos, perdoando-nos e salvando-nos.
E Deus responde ao nosso apelo, enviando o seu Filho, que morre e ressuscita por nós; entra na nossa fragilidade e opera o que por si só o ser humano nunca poderia operar: ele toma sobre Si o pecado do mundo, como cordeiro inocente , e nos reabre a estrada para a comunhão com Deus, nos torna verdadeiros filhos de Deus. É lá, no Mistério pascal, que se revela em toda a sua luminosidade o rosto definitivo do Pai. E é ali, na Cruz gloriosa, que ocorre a manifestação plena da grandeza de Deus como "Pai todo-poderoso".
Mas podemos nos perguntar: como é possível pensar em um Deus todo-poderoso olhando para a Cruz de Cristo? Para esse poder do mal, que chega até o ponto de matar o Filho de Deus? Nós certamente queremos uma onipotência divina segundo os nossos esquemas mentais e os nossos desejos: um Deus "todo-poderoso" que resolva os problemas, que intervenha para evitar as nossas dificuldades, que vença os poderes adversos, mude o curso dos eventos e anule a dor.
Assim, hoje, diversos teólogos dizem que Deus não pode ser todo-poderoso senão não poderia haver tanto sofrimento, tanto mal no mundo. Na realidade, diante do mal e do sofrimento, para muitos, para nós, torna-se problemático, difícil, crer em um Deus Pai e crê-lo como onipotente; alguns buscam refúgio em ídolos, cedendo à tentação de encontrar resposta em uma suposta onipotência "mágica" e nas suas ilusórias promessas.
Mas a fé em Deus todo-poderoso nos leva a percorrer caminhos bem diferentes: aprender a conhecer que o pensamento de Deus é diferente do nosso, que os caminhos de Deus são diferentes dos nossos (cf. Is 55, 8), e também que a sua onipotência é diferente: ela não se expressa como força automática ou arbitrária, mas é marcada por uma liberdade amorosa e paterna. Na realidade, Deus, criando criaturas livres, dando liberdade, renunciou a uma parte do seu poder, deixando o poder da nossa liberdade.
Assim, Ele ama e respeita a resposta livre de amor ao seu chamado. Como Pai, Deus deseja que nos tornemos seus filhos e vivamos como tais no seu Filho, em comunhão, em plena familiaridade com Ele. A sua onipotência não se expressa na violência, não se expressa na destruição de todo poder adverso como nós desejamos, mas se expressa no amor, na misericórdia, no perdão, no aceitar a nossa liberdade e no incansável apelo à conversão do coração, em uma atitude só aparentemente frágil – Deus parece fraco se pensarmos em Jesus Cristo que reza, que se deixa matar. Uma atitude aparentemente fraca, feita de paciência, de mansidão e de amor, demonstra que esse é o verdadeiro modo de ser poderoso! Esse é o poder de Deus! E esse poder vencerá!
O sábio do Livro da Sabedoria assim se dirige a Deus: "Tu tens compaixão de todos, porque podes tudo, e fechas os olhos diante dos pecados dos homens, esperando o seu arrependimento. Tu amas todas as coisas que existem (…) Tu és indulgente com todas as coisas, porque são tuas, Senhor, amante da vida" (11, 23-24a.26).
Só quem é realmente poderoso pode suportar o mal e se mostrar compassivo; só quem é realmente poderoso pode exercer plenamente a força do amor. E Deus, a quem pertencem todas as coisas, porque tudo foi feito por Ele, revela a sua força amando tudo e todos, em uma paciente espera pela conversão de nós, seres humanos, que ele deseja ter como filhos. Deus espera a nossa conversão. O amor onipotente de Deus não conhece limites, tanto que "não poupou seu próprio Filho, mas o entregou por todos nós" (Rm 8, 32).
A onipotência do amor não é a do poder do mundo, mas sim a do dom total, e Jesus, o Filho de Deus, revela ao mundo a verdadeira onipotência do Pai dando a vida por nós, pecadores. Eis o verdadeiro, autêntico e perfeito poder divino: responder ao mal não com o mal, mas com o bem; aos insultos, com o perdão; ao ódio homicida, com o amor que faz viver. Então, o mal é realmente vencido, porque é lavado pelo amor de Deus; então a morte é definitivamente derrotada, porque é transformada em dom da vida. Deus Pai ressuscita o Filho: a morte, a grande inimiga (cf. 1Cor 15, 26), é engolida e privada do seu veneno (cf. 1Cor 15, 54-55), e nós, libertos do pecado, podemos ter acesso à nossa realidade de filhos de Deus.
Portanto, quando dizemos "creio em Deus Pai Todo-Poderoso", expressamos a nossa fé no poder do amor de Deus que, no seu Filho morto e ressuscitado, derrota o ódio, o mal, o pecado e nos abre à vida eterna, a dos filhos que desejam estar para sempre na "Casa do Pai". Dizer "creio em Deus Pai Todo-Poderoso", no seu poder, no seu modo de ser Pai, é sempre um ato de fé, de conversão, de transformação do nosso pensamento, de todo o nosso afeto, de todo o nosso modo de viver.
Queridos irmãos e irmãs, peçamos ao Senhor que sustente a nossa fé, que nos ajude a encontrar verdadeiramente a fé e nos dê a força de anunciar Cristo crucificado e ressuscitado, e de testemunhá-lo no amor a Deus e ao próximo. E que Deus nos conceda acolher o dom da nossa filiação, para viver em plenitude as realidades do Credo, no abandono confiante ao amor do Pai e à sua misericordiosa onipotência, que é a verdadeira onipotência salvífica.
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Um Deus que se revela Pai. Artigo de Bento XVI - Instituto Humanitas Unisinos - IHU