25 Novembro 2014
"Durante o Concílio Vaticano II, Léon Suenens, cardeal-arcebispo de Malines – Bruxelas se opusera à condenação da pílula e havia suplicado aos seus pares que não criassem “um novo caso Galileu”. Ao invés, é precisamente isso que ocorreu. Seria um ato corajoso da Igreja – ato que, contrariamente ao que alguns pensam, aumentaria em efeitos a credibilidade da Instituição eclesial – afirmar, de uma parte, a santidade pessoal de Paulo VI (sua beatificação, proclamada dia 19 de outubro passado, por ocasião do encerramento do Sínodo) e, de outra, abrogar um dos seus ensinamentos", escreve Loïc Berge, teólogo, em artigo publicado pelo jornal La Croix, 20-11-2014. A tradução é de Benno Dischinger.
Eis o artigo.
São consideráveis, hoje, os desafios pastorais relativos à família. O último Sínodo romano refletiu de maneira particular sobre os modos de melhor promover “a concepção antropológica cristã” ante a “mentalidade dominante”.
E certamente foi enfrentado o problema da regulação dos nascimentos e da abertura à vida.
Sobre este ponto, o cardeal Vingt-Trois, presidente delegado do Sínodo, citando o Instrumentum laboris, deplorou que sejam demasiado numerosos os casais “que não pensam que o uso dos métodos anticoncepcionais seja um pecado, e que, portanto, tendem a não incluir isso como objeto de confissão, recebendo assim a comunhão sem problemas” (alocução na abertura dos trabalhos de nove de outubro). O que aqui se deplora é a não-recepção da encíclica Humanae Vitae de Paulo VI. Por certo, o “modelo antropológico individualista” é um verdadeiro perigo para a família. Mas, será que é preciso vê-lo realmente por toda parte? E, em particular na vida sexual dos casais?
É preciso render-se à evidência: para a maioria dos casais católicos de hoje, a escolha de uma contracepção “artificial” (seja qual for) não significa, em sua percepção individual, recusa egoísta da fecundidade, nem falsificação de seu amor conjugal. Então, estariam realmente “em pecado”, sem sabê-lo?
Responder “sim” corre o risco de agravar a crise profunda, aberta pela Humanae Vitae, entre o Magistério católico e o povo cristão. Certamente esta crise profunda não constitui por si mesma um motivo válido para abandonar o ensinamento da Humanae Vitae! Trata-se antes de saber se os casais católicos estão realmente, sobre este ponto, em estado de erro moral grave. A iluminação fornecida pelo Evangelho não os faz necessariamente estarem errados. A moral ensinada por Jesus é, de fato, uma moral da comunhão das pessoas. É a famosa Regra de ouro, no coração do sermão da montanha: “Tudo quanto quiserdes que os homens vos façam, fazei-o também vós a eles: esta é de fato a Lei e os Profetas” (Mt 7, 12). Jesus dá aqui a Carta da moral evangélica. É uma moral de atenção ao outro. É também a moral da comunhão das pessoas que Jesus prega, quando diz:
“Ninguém tem amor maior do que este: dar a própria vida por aquele que se ama” (Jo 15, 13). Há também a célebre parábola do juízo universal (Mt 25), que termina com esta sentença: “Na verdade eu vos digo: tudo aquilo que não tiverdes feito a um só destes mais pequenos, não o tereis feito a mim”. O critério de entrada no Reino é a atenção ao outro, é a capacidade de entrar em relação com ele, de encontrá-lo, de vir-lhe em ajuda, em nome de Cristo.
Nesta perspectiva, não são os atos em si mesmos que são bons ou maus, virtuosos ou pecaminosos, mas são os atos considerados na perspectiva da comunhão das pessoas, isto é, em relação aos outros, ou então no fato de que destroem, obstaculam ou arruínam estes elos. Se o uso dos meios contraceptivos permite aos casais aprofundarem sua comunhão, aumentarem o seu amor conjugal, então estes meios são – segundo a moral do Evangelho – moralmente justos e bons. Cabe aos casais discernirem de maneira responsável o que pode aumentar a comunhão de suas pessoas, no quadro conjugal, e também na relação com os filhos, - se já os têm. A moral da comunhão das pessoas é aqui, em todo o caso, coisa bem diversa de uma apologia da pílula...
Durante o Concílio Vaticano II, outro cardeal, Léon Suenens, arcebispo de Malines – Bruxelas se opusera à condenação da pílula e havia suplicado aos seus pares que não criassem “um novo caso Galileu”. Ao invés, é precisamente isso que ocorreu. Seria um ato corajoso da Igreja – ato que, contrariamente ao que alguns pensam, aumentaria em efeitos a credibilidade da Instituição eclesial – afirmar, de uma parte, a santidade pessoal de Paulo VI (sua beatificação, proclamada dia 19 de outubro passado, por ocasião do encerramento do Sínodo) e, de outra, abrogar um dos seus ensinamentos.
Quando se reconhecerá, finalmente, que o sensus fidei dos que crêem deve ser descoberto também em âmbitos nos quais o Magistério deve aprender deles? O debate encorajado pelo Papa Francisco durante o Sínodo merece, em todo caso, ser prosseguido.
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Humanae Vitae, “um novo caso Galileu”? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU