08 Outubro 2014
O tesouro de petróleo e gás não convencionais de Vaca Muerta promete o autoabastecimento energético e desenvolvimento para a Argentina. Porém, a fratura hidráulica exigida para arrancar essa riqueza enquistada em rochas subterrâneas pode sair muito cara. A paisagem muda a cerca de cem quilômetros de Neuquén, capital da província de mesmo nome, no sudoeste argentino.
A reportagem é de Fabiana Frayssinet, publicada pela IPS/Envolverde, 07-10-2014.
Na batizada por alguns “Arábia Saudita da Patagônia” florescem as frutas e se estendem verdes os vinhedos no começo da primavera. Mas, ao longo da estrada, com intenso vaivém de caminhões transportando água, areia, químicos e estruturas metálicas, as torres de perfuração e as máquinas de bombeamento começam a substituir as fileiras de álamos que protegem os cultivos do vento da Patagônia.
Localiza-se na formação geológica de Vaca Muerta, na Bacia Neuquina, que inclui as províncias de Neuquén, Rio Negro e Mendoza. De seus 30 mil quilômetros quadrados, a petroleira estatal YPF tem 12 mil em concessão, cerca de 300 operados junto com a norte-americana Chevron.
Vaca Muerta abriga uma das maiores reservas mundiais de petróleo e gás de xisto, em estruturas rochosas de até três mil metros de profundidade. Aqui se perfura um poço a cada três dias e a demanda por mão de obra, equipamentos, insumos, transporte e serviços aumentam no compasso da atividade, alterando a vida dos povoados da área. O mais próximo é Añelo, a oito quilômetros da jazida. “Agora posso dar algo aos meus filhos e pagar os estudos da minha mulher”, disse o operador de guindaste Walter Troncoso.
Segundo a YPF, Vaca Muerta multiplicou por dez as reservas de petróleo e por 40 as de gás da Argentina, o que permitirá a este país ser exportador de hidrocarbonos. Mas sua exploração obriga à utilização da tecnologia de fratura hidráulica, conhecida como fracking, mas que a YPF prefere chamar de “estimulação hidráulica”. Trata-se, segundo a empresa, da injeção com alta pressão de água, areia e “uma baixa quantidade de aditivos” na rocha geradora, a mais de dois mil metros de profundidade, para fazer fluir o hidrocarbono até a superfície através de tubulações instaladas no poço.
O engenheiro Víctor Bravo assegura em um estudo publicado pela Fundação Patagônia Terceiro Milênio que em cada poço são realizadas cerca de 15 fraturas, com 20 mil metros cúbicos de água e cerca de 400 toneladas de químicos diluídos. A fórmula é um segredo comercial, “mas supõe-se que sejam cerca de 500 substâncias químicas, 17 tóxicas para os organismos aquáticos, 38 tóxicos agudos, oito cancerígenos provados”, detalhou o engenheiro.
Algumas fraturas podem alcançar um aquífero, contaminando-o com os fluidos injetados e com o próprio gás, acrescentou Bravo. “É um efeito da contaminação que não veremos agora, mas em 15 ou 20 anos”, alertou ao Terramérica o opositor deputado provincial de Neuquén, Raúl Dobrusin.
Na visita a Loma Campana realizada pelo Terramérica, o gerente regional de Não Convencional da YPF, Pablo Bizzotto, ignorou esses temores, porque a formação rochosa está a cerca de três mil metros e as camadas de água entre 200 e 300 metros. “A água teria que transitar milhares de metros acima. Não é possível”, assegurou. Além disso, a água de retorno, separada do petróleo, é reutilizada para outras estimulações, enquanto o restante é lançado em “poços sumidouros com perfeito isolamento. Os aquíferos não correm nenhum perigo”, insistiu.
“O que farão com essa água quando esse poço se encher? Isso ninguém diz ”, questionou Dobrusin. Segundo Bizzotto, a intensidade sísmica da estimulação também não compromete os aquíferos, porque as fissuras ocorrem em grande profundidade. Além disso, o poços são “envoltos” com três tubulações da aço, interpostas por barreiras de cimento.
“Queremos atrair investimentos, gerar trabalho, mas sempre resguardando os recursos naturais”, afirmou ao Terramérica o secretário de Ambiente de Neuquén, Ricardo Esquivel. A seu ver, “há muitos mitos” sobre a fratura hidráulica, como o uso de tanta água que chega a diminuir o caudal hídrico. Neuquén utiliza 5% da água de seus rios para irrigação, consumo humano e indústria, enquanto o restante segue para o mar e, mesmo se fossem perfurados 500 poços por ano, seria utilizado apenas 1% a mais do recurso, acrescentou.
“Essa água não fica nas mesmas condições que tinha quando foi tirada do rio, muda seu ciclo hidrológico. Minimizam um problema que exige uma análise mais profunda”, apontou ao Terramérica a ativista Carolina García, da Multissetorial Contra a Fratura Hidráulica. A ativista recordou que na União Europeia questiona-se a técnica e que a Alemanha estabeleceu em agosto uma moratória de oito anos para o xisto, enquanto são estudados os riscos da técnica.
A YPF ressalta que Vaca Muerta não é comparável porque está em uma área pouco habitada. “A teoria do deserto, e de que isso possa se converter em uma zona de sacrifício porque não há ninguém, é uma falsidade”, ironizou Silvia Leanza, da Fundação Ecosur. “Há gente, a água corre e o ar também”, destacou ao Terramérica. “As emissões de gases e o pó em suspensão podem chegar a até 200 quilômetros”, pontuou.
A teoria do deserto tampouco valeria para Allen, município de 25 mil habitantes, na vizinha província de Rio Negro, que sofre as consequências da extração por estimulação de outro gás não convencional, o “tight gas”, ou de areias compactas. Nessa rica localidade produtora de frutas, a 20 quilômetros da capital de Neuquén, seus frutos diminuem enquanto os poços de gás, explorados pela empresa norte-americana Apache, cujas operações argentinas a YPF adquiriu em março.
A Apache aluga chácaras produtivas para fazer suas perfurações, denunciou a Assembleia Permanente do Comahue pela Água (APCA). Percorrendo as chácaras é fácil ver como os hidrocarbonos estão ocupando o que até há poucos anos era terra produtora de frutas. Allen é conhecida como a capital da pera, e hoje está deixando de ser”, lamentou Gabriela Sepúlveda, da APCA Allen-Neuquén.
Em março, explodiu um poço que fez tremer as casas vizinhas. Não foi a primeira vez, nem é o único problema para os moradores, explicou ao Terramérica o responsável por um viveiro contíguo ao poço, Rubén Ibáñez. “Desde que foram instalados começaram os problemas de garganta, estômago, pulmões, tonturas, náuseas. De tempos em tempos, fazem uma perfuração que dura um mês e depois fazem a queima de gás a céu aberto. Não precisamos ser técnicos para sentirmos mal-estar. A água… mesmo morrendo de sede, não bebo. Quando regava as plantas do viveiro, elas morriam”, contou.
O governo provincial assegura que as inspeções nas jazidas são constantes. “Em 300 poços não encontramos nenhum impacto ambiental que tivesse gerado motivos para sanções”, destacou Esquivel. “Temos o objetivo claro de que Loma Campana, como o primeiro lugar em desenvolvimento de hidrocarbonos não convencionais, seja modelo a imitar, não apenas em custo, produção e técnica, mas em questões ambientais”, ressaltou Bizzotto. Para Leanza, “toda tecnologia é incerta. Por que negar isso? Vamos debater o assunto”, propôs.
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Fratura hidráulica racha desenvolvimento energético argentino - Instituto Humanitas Unisinos - IHU