Por: Cesar Sanson | 22 Setembro 2014
Dezenas de ambulantes se despedem do corpo de Carlos Augusto Braga, um camelô morto por um policial durante uma blitz.
A reportagem é de María Martín e publicada pelo El País, 20-09-2014.
O disparo do policial na cabeça de Carlos Augusto Braga foi próximo e certeiro, o camelô porém conseguiu dar alguns passos antes de cair diante uma multidão de vendedores ambulantes, entre os que se encontravam a irmã e a mulher dele. Seus quatro filhos – três próprios e um do casamento anterior da esposa - dependiam de vender DVD piratas na rua para sobreviver.
Na noite anterior à sua morte, Braga foi dormir fazendo uma promessa à esposa: "Não vamos mais correr da polícia". O plano do casal de vendedores ambulantes era parar de vender mercadoria e acabar assim com a pressão que sentiam na rua desde que na gestão do ex-prefeito Gilberto Kassab começou a se perseguir o comércio irregular nas ruas com a colaboração de policiais militares na chamada Operação Delegada, em vigor há mais de quatro anos.
"Eu já apanhei muito dos policiais, apanhei grávida, fui presa várias vezes com mercadoria, não dava mais", diz aos prantos Claudine da Silva, a Piauí, sua mulher. "A gente tinha combinado de sair da rua em dezembro, ele me deu uma máquina de costurar, ele ia aprender comigo e íamos vender no atacado e nas lojas. Ele me fez jurar que não ia ficar mais correndo da polícia".
Naquela quinta-feira, Augusto e a mulher levaram suas sacolas da zona Leste, onde moravam, até a rua 12 de Outubro na Lapa, zona Oeste de São Paulo, do outro lado da cidade. Pelo caminho cumprimentaram o Edinaldo, o Magrão, a Dona Ana e seus filhos, e o Isaías, o grande parceiro de Augusto, em cuja defesa ele saiu antes de morrer. Não era o trabalho com o qual sonhavam quando saíram do Estado de Piauí há mais de 10 anos, nem sequer era legalizado, mas tinha funcionado até hoje. “Quando a gente tem filhos, esquecemos de nós mesmos e tentamos dar o melhor para eles”, relatava durante o velório a viúva, mãe de quatro filhos entre cinco e 12 anos. Faltavam apenas uns dias para Augusto começar o curso de costura que ia tirá-lo das calçadas.
Em pleno horário de pico, um trio de policiais rendeu Isaías, um garoto que chegou ao velório do amigo com as pernas ainda tremendo. Segundo os colegas, ele tinha sido perseguido e perdido tantas vezes sua mercadoria que desta vez se revoltou. Os policias o renderam. Mas uma multidão de camelôs, que se protegem e se comportam como família, os cercou. O que gritaram para a polícia não era novo: “Solta ele, solta ele! “Somos todos trabalhadores!”. É o que reivindicam há anos toda vez que são abordados por policiais que os desrespeitam, afirmam. “Há anos somos tratados como lixo”, lamentavam os amigos horas antes do corpo de Augusto ser enterrado no Piauí.
A gritaria ameaçava terminar em confusão assim que Claudine tentou tirar Braga da primeira linha várias vezes. Chegaram a se agachar enquanto o colega Isaías permanecia no chão com uma bota preta no pescoço. Mas Braga, que três dias antes havia feito 30 anos, levantou. Com um movimento rápido tentou pegar o spray de pimenta que segurava o policial que o matou, mas o dedo do oficial já estava no gatilho. "Eu ouvi o disparo ainda de cócoras, não podia acreditar que fosse ele", lembra Claudine. Ela percorreu esses últimos passos largos de Augusto e tentou reanimá-lo quando já estava no chão. "Ele estava engasgado, tentei virar ele, mas não consegui. Não deu, ele só me olhou e foi".
Durante a despedida, em um velório muito simples de Guarulhos, a viúva deu mostra de que dificilmente vai poder cumprir sua promessa de sair das ruas. Mas fez questão de lembrar que “seu amor” estava deixando de cumprir outra: voltar para o Piauí.